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Havia vinte e seis carros no estacionamento da St. Anne’s. Duas fileiras de treze reluzentes quatro por quatro um na frente do outro, entrando nas vagas e saindo delas em um ângulo médio de quarenta e um graus antes que o próximo da fila avançasse.
Emily os observava enquanto atravessava a rua com a mãe, vindas do ponto de ônibus, os motoristas falando ilegalmente nos telefones ou conversando com os bebês louros de olhos esbugalhados nos bancos traseiros. A mãe ergueu o queixo e balançou as chaves de casa na mão livre, como se na verdade fossem as chaves de seu carro e ela e Emily tivessem acabado de estacionar ali perto. A mãe ficava olhando para trás.
Emily achou que ela estava com medo de esbarrar em uma de suas clientes da faxina, que lhe perguntaria o que ela estava fazendo naquele lugar.
Emily nunca entrara na St. Anne’s, embora tivesse passado por ali de ônibus pelo menos umas dez vezes, porque o dentista do Serviço Nacional de Saúde ficava naquela rua. Do lado de fora, havia apenas uma sebe interminável podada exatamente a noventa graus (ela se perguntou se o jardineiro usava um transferidor) e árvores grandes com galhos baixos propagando-se pelos pátios de recreação como se estivessem ali para abrigar as crianças.
As crianças da St. Anne’s não batiam com as bolsas nas cabeças umas das outras nem imprensavam colegas na parede para roubar o dinheiro do almoço. Não havia professores com vozes cansadas conduzindo adolescentes para as salas de aula. As meninas não enrolavam seis vezes o cós das saias. Não havia uma única pessoa sequer fumando. A mãe apertou de leve sua mão. Emily desejou que ela não parecesse tão nervosa.
— É legal, não é, mamãe?
Freen assentiu.
— É. — A palavra saiu como um guincho.
— O Sr. Tsvangarai me contou que todos os alunos dos dois últimos anos do ensino médio da St. Anne’s que fizeram matemática tiraram A ou A mais. Isso é bom, não é?
— Incrível.
Emily puxou um pouco a mão da mãe para que pudessem chegar mais depressa ao
gabinete do diretor.
— Você acha que Fufly vai sentir minha falta nos dias prolongados?
— Dias prolongados?
— As aulas na St. Anne’s só terminam às seis. E tem clube de matemática às terças e
quintas. Eu definitivamente vou querer participar.
A mãe olhou para ela. Parecia muito cansada. Vivia cansada ultimamente.
Deu um daqueles sorrisos amarelos que de sorriso não tinha nada, e elas entraram.— Olá, Sra. Sarocha. Olá, Emily. É
muito bom conhecê-las. Sentem-se.
A sala do diretor tinha um pé-direito alto com florões de gesso branco a cada vinte
centímetros, intercalados com botõezinhos de rosa exatamente no meio. Era abarrotada de móveis velhos e, através de uma grande janela na sacada, via-se um
homem montado num cortador de grama indo para cima e para baixo num campo de cricket. Numa mesinha, fora colocada uma bandeja com café e biscoitos. Dava para notar que eram caseiros. A mãe fazia uns do mesmo tipo antes de o pai ter saído de casa.
Emily sentou-se na beira do sofá e olhou para os dois homens à sua frente.
O de bigode sorria como uma enfermeira antes de lhe aplicar uma injeção. A mãe
acomodara a bolsa no colo, e Emily conseguiu vê-la esconder com a mão o canto que Fufly havia roído. Suas pernas tremiam.
— Este é o Sr. Cruikshank. Ele é o coordenador de matemática. Sou o Sr. Daly. Faz dois anos que sou diretor desta escola.
Emily ergueu os olhos do biscoito.
— Vocês ensinam cordas?
— Ensinamos — respondeu o Sr. Cruikshank.
— E probabilidade?
— Isso também.
O Sr. Cruikshank inclinou-se à frente.
— Vimos os resultados do seu teste e achamos, Emily, que você deveria prestar o exame para obter o Certificado Geral de Educação Secundária de matemática no ano que vem e terminar isso logo. Porque acho que você iria gostar bastante das questões do Nível A.
Emily olhou para ele.
— O senhor tem provas de verdade?
— Tenho algumas na outra sala. Gostaria de vê-las?
Ela não conseguia acreditar que ele estava mesmo oferecendo. Pensou por um instante em dizer “Bem, dã”, como Heng. Mas limitou-se a concordar com a cabeça.
Sr. Daly serviu um café a Freen.
— Não vou fazer rodeios, Sra. Sarocha. Sabe muito bem que sua filha tem uma habilidade excepcional. Só vimos notas iguais às dela uma vez e eram de um aluno que acabou se tornando professor titular da Trinity College.
Ele falou tanto que Emily se distraiu um pouco.
— …para um grupo muito seleto de alunos que têm uma habilidade excepcional visível, criamos uma nova bolsa de estudos de acesso igualitário.
— Blá-blá-blá. — Isso ofereceria a uma criança, que, de outra maneira, não poderia desfrutar das vantagens de uma escola como esta, a oportunidade de realizar o seu potencial em… — Blá-
blá-blá… — Embora estejamos muito interessados em ver até que ponto Emily poderia avançar no campo da matemática, também queremos garantir que ela seja bem preparada em outras áreas da sua vida acadêmica. Temos um currículo esportivo e musical completo.- Blá-blá-blá… — Crianças com um conhecimento básico de aritmética também são,muitas vezes, competentes em línguas… — Blá-blá-blá — … e teatro, o que costuma ser muito popular entre garotas da idade dela.
— Só gosto mesmo de matemática — disse a menina. — E de cachorro.
— Bem, não temos nada relacionado a cachorros, mas certamente lhe ofereceríamos muitas oportunidades de se aprofundar na matemática. Mas acho que pode se surpreender com a quantidade de outras coisas de que gosta. Toca algum instrumento?
Ela negou com a cabeça.
— Fala algum idioma?
A sala ficou meio silenciosa.
— Tem outros interesses?
— Vamos nadar às sextas-feiras — disse a mãe.
— Desde que o papai saiu de casa a gente não foi mais.
A mãe sorriu, mas o sorriso saiu meio torto.
— Fomos, sim, Emily.
— Uma vez. Em treze de maio. Mas agora você trabalha às sextas-feiras.
O Sr. Cruikshank saiu da sala e voltou logo depois com as provas. Emily enfiou o último biscoito na boca, depois se levantou e foi se sentar ao seu lado. Ele tinha uma pilha de provas. Coisas que ela ainda nem tinha aprendido! Emily começou a dar uma olhada nas páginas com ele, mostrando-lhe o que conhecia e o que não conhecia e, ao fundo, ouvia as vozes em surdina da mãe e do diretor.
Parecia que estava correndo tudo bem, e Emily concentrou a atenção no que estava na página.
— Sim — dizia o Sr. Cruikshank calmamente, apontando para a página —, mas o curioso sobre os processos de renovação é que, se aguardarmos determinado tempo e depois
observarmos quão grande é o intervalo de renovação que contém um processo, devemos esperar que ele seja normalmente maior do que um intervalo de renovação de tamanho médio.
Ela sabia disso!
— Então, os macacos levariam mais tempo para digitar Macbeth?
— Isso mesmo. — Ele sorriu. — Eu não tinha certeza se você já tinha estudado alguma teoria da renovação.
— Na verdade, não estudei. Mas o Sr. Tsvangarai me falou sobre isso uma vez e eu pesquisei na internet. Gostei de toda a parte do macaco.
Ela folheou as provas. Os números cantavam para ela. Sentia o cérebro zumbir e sabia que tinha que ir para aquela escola.
— Mamãe — disse Emily.
Normalmente ela não interrompia, porém estava muito empolgada e esqueceu os bons modos.
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EU + VOCÊ
FanfictionHá dez anos, Freen Sarocha ficou grávida e largou a escola para se casar com Billy. Dois anos atrás, Billy saiu de casa e nunca mais voltou. Fazendo faxinas de manhã e trabalhando como garçonete em um pub à noite, Freen mal ganha o suficiente para s...