Freen

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Sempre houve algo meio diferente em Emily.

Com um ano, ela enfileirava os cubos ou os organizava em padrões, e depois afastava alguns deles, criando novas formas. Quando tinha dois anos, era obcecada por números. Antes mesmo de começar a frequentar a escola, já tinha
lido toda a coleção de livros de exercícios de matemática para alunos de dois, três, quatro e cinco anos da livraria local. Dizia a Freen que a multiplicação era “só mais uma forma de somar”. Aos seis anos, sabia explicar o significado de “tessela”.

Billy não gostava daquilo. Fazia com que ele se sentisse desconfortável. Mas tudo o que não era “normal” o deixava desconfortável. No entanto, era o que fazia Emily feliz, apenas ficar ali sentada, trabalhando em problemas que nenhum deles conseguiria nem sequer começar a entender. A mãe de Billy, em suas raras visitas, chamava Emily de CDF. Dizia
isso como se essa não fosse uma qualidade muito boa para uma pessoa.

***

— Então, o que você vai fazer?

— Não há nada que eu possa fazer agora.

— Não seria esquisito ela se misturar com aquelas crianças de escola particular?

— Não sei. Sim. Mas isso seria problema nosso. Não dela.

— E se ela se afastar de você? E se ela se envolver com uma turma de grã-finos e passar a ter vergonha das próprias origens? Só estou dizendo… Acho que você poderia deixá-la confusa. Acho que Emily poderia perder de vista o lugar de onde ela vem.

Freen examinou Nam, que estava dirigindo.

— Emily vem do Estado de Merda do Destino Cruel, Nam. Eu ficaria muito feliz se ela perdesse isso de vista.

Algo estranho aconteceu desde que Freen contou a Nam sobre a entrevista. Era como
se ela tivesse se ofendido com aquilo. Passou a manhã toda falando sobre como os seus filhos eram felizes na escola local, sobre quanto ela se sentia feliz por eles serem “normais”, sobre como não era bom para uma criança ser “diferente”.

Emily, enquanto isso, havia meses que não ficava tão animada. Suas notas mais altas
haviam sido cem por cento em matemática e noventa e nove por cento em raciocínio não verbal. (Ela estava verdadeiramente aborrecida por ter sido descontada em um por cento.) O Sr. Tsvangarai, ao telefonar para Freen contando-lhe isso, disse que poderiam existir outras fontes de financiamento. Detalhes, dizia ele. Freen não pôde deixar de pensar que quem considerava dinheiro um “detalhe” era o tipo de pessoa que nunca tivera que se preocupar muito com isso.

— E você sabe que ela teria que usar aquele uniforme cheio de frescura — comentou
Nam ao estacionarem no Beachfront.

— Ela não vai usar um uniforme cheio de frescura — respondeu Freen, irritada.

— Então vão implicar com ela por não ser igual aos outros alunos.— Ela não vai usar um uniforme cheio de frescura porque não vai para lá. Não tenho esperança alguma de mandá-la para lá, Nam. Está bem?

Freen saltou do carro, bateu a porta e seguiu em frente para não ter que escutar mais nada.

***

Apenas o pessoal local chamava o Beachfront de “parque de veraneio”. Os empreendedores imobiliários chamavam-no de “resort de férias”. Porque aquele não era um parque de veraneio como o parque de trailers Sea Bright no alto da colina, uma confusão caótica de casas móveis castigadas pelo vento e barracas de meia- água sazonais.

Aquele era um conjunto impecável de “espaços vivos” projetados por arquitetos e inseridos em meio a caminhos bem-cuidados. Havia um clube de esporte, um spa, quadras de tênis, um enorme complexo de piscinas, um punhado de butiques excessivamente caras e um
pequeno armazém para os moradores não terem que se aventurar nos confins mais
desorganizados da cidade. Às terças, quintas e sextas, a Sarocha & Ortara fazia faxina nas duas propriedades de três
quartos para aluguel que davam para a sede do clube, depois seguiam até as propriedades mais novas: seis casas modernistas de fachada de vidro localizadas no penhasco de calcário
acima do mar.

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