27 de março.
Os pingos da chuva caíam sobre meu rosto. A chuva leve da primavera, o desabrochar das flores e, finalmente, um novo ciclo da minha vida. Claro, encerrar ciclos não é a coisa mais fácil e agradável do mundo, o que eu gosto mesmo é a parte onde eu finalmente recebo o que tem de bom nisso.
Nascer e crescer em Tokyo me fez ser uma pessoa meio acelerada e caótica em geral, esse caos da cidade grande afeta todo mundo em algum momento. Infelizmente fui forçado a desacelerar da pior forma possível. Quando meu pai morreu, parece que o tempo parou. Todos os dias pareciam ter 24 dias dentro deles ao invés de 24 horas, e acredite, era desesperador. Antes de cair a ficha eu já estava me sentindo no fundo do poço, quando caiu, eu já estava no núcleo interno da Terra.
Não durou para sempre, mas claro, a gente apenas se acostuma com o luto, ele não some totalmente.
— Satoru! Vem me ajudar logo antes que eu quebre tudo aqui! – Satsuki mal esperou eu me aproximar e já me entregou a caixa de papelão, que tilintava pelos objetos de vidro que estavam ali dentro.
— Inútil. – murmurei, enquanto andava em direção a casa.
— Espero que esses copos estourem na sua mão quando você usar.
— Também espero.
Eu coloquei a caixa em cima da mesa de mármore. Olhei ao redor, era tão estranho estar em uma casa que não era minha. Quer dizer, é minha, mas até ontem não era.
A sala estava finalmente mobiliada, entretanto, ainda parecia vazia ao mesmo tempo que parecia bagunçada. Os retratos, livros e CDs ainda estavam encaixotados, e essa legião de caixas estavam espalhadas por toda a casa. Seria uma longa semana mesmo.
Me joguei no sofá, já havia carregado pelo menos umas cinco caixas de vinte toneladas - peso estimativo, acho que cheguei perto - eu mereço esse descanso.
— Essa casa é ótima, não acha Satoru? – meu padrasto proferiu, enquanto trazia a última caixa para centro.
— Vou demorar um pouco para me acostumar, mas eu gostei bastante. – eu sorrio fraco para o homem.
Takumi Koyama deu um novo sobrenome a minha mãe faz uns sete anos. No começo foi difícil, achei que ele queria substituir meu pai, mas aos poucos me dei conta que isso é praticamente impossível. Eu gosto dele, apesar dos muitos desentendimentos que tivemos ao longo do tempo. Eu admito, grande parte foi por minha causa, eu era um adolescente meio perturbado. Hoje em dia eu mudei, sou um adulto meio perturbado.
Minha mãe desceu as escadas, parecia sonolenta. Ela checava o celular.
— Satoru e Satsuki, suas aulas começam segunda que vem. Amanhã vocês devem ir conhecer as escolas de vocês. Satoru, você pode ir com a sua irmã? Eu e Takumi vamos acertar as coisas de emprego. Eu já deixei avisado que o irmão mais velho dela vai a acompanhar.
Eu soltei um grunhido de desaprovação. Já acabaram com meus planos de dormir o dia inteiro amanhã, agora acabaram com meu plano de ficar longe da Suki por um dia inteiro. Os dias de glória realmente não vieram tão cedo assim.
— Eu tenho alguma escolha? – levantei somente minha cabeça, que até então estava deitada no sofá.
— Não. – a mulher sorriu gentilmente, eu deitei novamente em resposta.
— Esse lugar é um sonho! — Suki disse enquanto entrava em casa.
— Por que você tava lá fora até agora, garota? – A olhei.
— Conversando com nossa vizinha, acabei de fazer uma amiga. O nome dela é Emiko e ela também vai estudar em Shinkai High School!
— Que ótimo, querida, já garantiu sua primeira amizade. – Koyama sorriu para a garota, que retribuiu o gesto.
— Primeira e única. – completei. A albina arremessou em mim o travesseiro que estava usando no carro.
— Dá pra vocês pararem por um segundo? – mamãe disse enquanto tirava algumas coisas da caixa em cima da mesa.
— Quem tem que parar é ele, eu tô bem quietinha!
— Você ficou caindo no meu colo toda vez que dormia no carro, quase te joguei pra fora dele.
— E você ficou tirando meu fone quinhentas vezes, e ainda por cima gritou no meu ouvido pra me acordar. Bota na balança aí.
Revirei meus olhos e imitei ela com uma voz irritantemente fina, igual a dela.
Levantei do sofá e subi as escadas, expliquei que estava cansado e provavelmente iria evaporar em poucos minutos se eu não dormisse em um lugar decente.
Cheguei ao meu quarto, abri a caixa onde estavam minhas roupas de cama e arrumei minha cama da forma mais desleixada possível, em seguida, me joguei nela.
Observei o teto por uns minutos. Eu finalmente mudei de cidade, deixei tudo para trás, as lembranças boas e as péssimas, pessoas e hábitos. Realmente, o novo é um pouco desconfortável, mas acho que posso superar isso e ocupar minha cabeça com rotinas que sempre desejei ter, como sair da universidade depois de um dia de merda e ir para a praia. Morar no litoral tem suas grandes vantagens mesmo.
Eu consegui a transferência da minha universidade de Tokyo para a de Umikaze. Sinceramente, não sei o que me aguarda, vai ser um tanto quanto difícil focar nos estudos agora, com toda essa mudança. Não sendo expulso da universidade é tudo que importa.Isso é maluquice, Tokyo tinha tipo, cem vezes mais habitantes do que Umikaze e eu não estou nem brincando. Isso aqui é um cubículo perto de Tokyo.
Não estou reclamando, na verdade, me parece uma oportunidade de finalmente ter um pouco de paz na vida. A cidade grande é perigosa e barulhenta. Pelo menos a região que eu morava sim. Até agora só escutei alguns carros passando, nada de brigas de rua ou uma caixa de som abrindo um buraco no espaço tempo de tão alta. Gratidão.Sei que as coisas vão ser diferentes dessa vez, tudo vai. Isso até que me conforta, levando em consideração esses últimos anos.
Já entendi que minha vida não vai parar por nada, por mais que as vezes eu queira. O tempo parece passar por cima de mim, é estranho pensar.Foi uma viagem cansativa, um processo cansativo em geral, o cansaço me faz pensar - coisa que eu geralmente não faço.
Foi um dia longo, só quero descansar.
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Borboleta Negra - SatoSugu
RomansaEm busca de um recomeço e novas rotinas, Satoru Gojo se vê quase que obrigado a se mudar para a uma nova cidade com sua família após dez anos da morte de seu pai. Uma cidade agradável no litoral, oportunidades e novas memórias a serem formadas. Era...