II

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Ana sabia que as coisas não seriam fáceis, ela tentou ser otimista e madura, mas para o desespero de todos os seus amigos, só durou cerca de patéticas quatro horas. Toda maturidade e otimismo se dissipou no segundo em que lhe foi contado que ela precisaria dividir o mesmo muro com a sua ex-namorada da adolescência, – a mesma que partiu fodidamente seu coração e que ela jurava nunca mais veria na vida – porque, para sua infeliz sorte, todas as casas do condomínio em que morava, possuíam muro baixo e se dividiam em dois grandes quintais, o que significava que ela não teria muita escolha. Não importasse o quanto ela tentasse fugir, a outra sempre estaria por perto de qualquer maneira. E francamente, aquela situação estava deixando a de olhos castanhos no limite.

– Como ela descobriu que a casa do Mateo estava à venda? – Perguntou, bufando em indignação. Era um condomínio fechado, afinal, e a ex nem conhecia aquele lado do bairro.

– Culpado! – Paulo ergueu a mão, com os ombros encolhidos. – Desculpa, era o único lugar que eu conhecia e ela estava desesperada.

Ana não falou direito com o amigo pelos próximos três dias. Que se foda a maturidade.

Já a nova inquilina de muro, parecia se divertir com a cara emburrada e o rolar dos olhos rotineiros da ex todas as vezes que se esbarravam na calçada, antes de entrarem em seus próprios carros e partirem na mesma direção. Mas, diferente das possibilidades de aproximação que o muro baixo lhe proporcionava, Marcella não poderia dizer o mesmo sobre o colégio, que Ana possuía ótimas habilidades em dar perdidos em qualquer oportunidade que as colocassem no mesmo lugar por mais de cinco segundos.

Honestamente, se beirava a frustração para Mar, Ana já estava condenada. Ela parecia o verdadeiro diabo fugindo da cruz.

– Até quando você vai continuar com isso?

Era o horário de almoço, todos os professores estavam no refeitório, ou grande parte deles. Ana, Vitória e Rubel estavam em sua mesa costumeira no canto mais silencioso daquele lugar. Paulinho não estava ali, porque quis se certificar que Marcella não almoçasse sozinha na sua primeira semana, o que, francamente, deixou Ana ainda mais irritada com ele, mesmo consciente que todos ali eram amigos dela tanto quanto eram seus, e ele só estava fazendo o papel de amigo como qualquer outro – mas isso claramente não diminuía a sua irritação, pelo contrário –.

Vitória foi quem fez a pergunta. Ela estava com aquele olhar desconfiado, a testa enrugada e os olhos semicerrados.

– Até quando você vai manter sua namoradinha em segredo? – Retrucou, erguendo uma das sobrancelhas enquanto sugava o canudo dentro da latinha de coca-cola.

– O-o que? – Vitoria gaguejou um pouco – Isso não é sobre mim.

– E nem sobre mim. – Disse, dando de ombros, segurando sua bandeja e levantando do banco acoplado à mesa. – E eu estou bem, não precisa se preocupar. – Olhou para a amiga, em seguida para Rubel, que se manteve calado durante todo o almoço e sorriu sem mostrar os dentes. – Nenhum dos dois.
E foi embora, sem dar-los oportunidade de resposta. Aquela semana já estava sendo estressante o suficiente para lidar com a superproteção dos amigos. Ela estava bem. Não estava?

•••

O resto da semana passou como um foguete e Ana não poderia agradecer menos. Era exaustivo demais ter que estar em alerta o tempo inteiro. Estava sendo uma tarefa muito difícil evitar aquela a qual ela se recusava pronunciar o nome, ainda mais quando se compartilhava a porra do mesmo muro com ela.

Ana brincava com Manteiga no quintal quando jogou a bolinha do cachorro sem querer do outro lado do muro. Ela bufou em descrença, sua coordenação motora era mesmo uma merda. O cachorro chiou, claramente ansioso por não achar a bolinha que acaba de ver rodopiar no ar. Ela sentiu pena, mas definitivamente, não iria trazer aquela bolinha de volta.

AS CANÇÕES QUE ESCREVIOnde histórias criam vida. Descubra agora