A ideia de que o comportamento do príncipe melhoraria com a idade não passou de mera esperança.

Na maioria dos casos, a pessoa vai entender sua posição no mundo com o passar dos anos, e assinalar o nome na pirâmide geral tão alto quanto a própria noção de grandeza ou de inferioridade. O filho de um lavrador, por exemplo, poderia ser tirado dos braços do pai e ser levado para a corte, onde cresceria acreditando ser um príncipe; e um príncipe, sendo tirado dos braços dos pais, poderia ser enviado para crescer entre lavradores, onde seu futuro trabalho o ensinaria desde o berço.

Mas sabiam os conselheiros reais que Lúminer, ainda que crescesse em meio ao povo, passaria todos os anos de sua vida acreditando ser feito de um material diferente; pois já quando era apenas um bebê, algo como um odor exalava daqueles cujo nascimento não estava à altura do seu, e um instinto de sobrevivência nato lhe fazia cruzar os braços e chorar.

Muitas vezes, alguns insistiram que seria apenas uma fase, mas bastava obrigar Lúminer a essas visitas ao populacho que seu estômago contraía, o vômito escapava e, não raro, uma agressividade sem par tomava conta de seu corpo. De qualquer forma, ainda que sua natureza fosse outra, Lúminer nunca poderia ser próximo do povo como sua falecida irmã, pois o rei está morto, e a continuidade da linhagem depende de sua segurança.

Com que alegria a rainha não viu a amizade que começava a brotar de Lúminer, então com quatro anos, pelo filho de um de seus conselheiros, que era apenas um ano mais velho. Eles brincavam, conversavam e passavam os dias no jardim da torre. Iam para a cama um ao lado do outro, sempre ansiosos pela história que uma das aias lhes contaria naquela noite. Sorriam quando se viam no início do dia, e se entristeciam quando tinham de se despedir.

— Quem sabe, majestade — disse um de seus conselheiros — Quem sabe o que faltava para nosso príncipe não era apenas uma companhia? Alguém para ajudá-lo a se equilibrar, e assim passar pela infância com mais confiança.

Não durou muito.

Foi em certo dia, quando um som alto cortou o silêncio da tarde e perturbou os animais. Os cães latiram, as galinhas pularam e os cavalos escoicearam nos estábulos. Um dos guardas se dirigiu ao jardim inferior que circunda a torre, e lá chegando, a primeira coisa que pensou no instante em que viu Ezequiel foi que ele brincava de escavar, pois parecia estar com a cabeça na terra; mas ela foi encontrada alguns minutos depois, olhando para o nada em meio aos arbustos.

Sangue pingava do pequeno cavalo de madeira em sua mão, e foi ele, o brinquedo, a única testemunha da queda do menino.

— Eu já havia levado nosso príncipe para dentro — disse a aia para a rainha, a voz abafada pela máscara — Ele estava com sono e começava a se sentir enjoado, então dei-lhe um chá e aprontei sua cama. A última vez em que vi o menino Ezequiel foi antes de sair do jardim. Ele brincava fazendo aquele pequeno cavalo trotar sobre o muro. Eu disse que voltaria depois para levá-lo ao seu pai, mas, quando voltei, ele não estava mais lá.

Sim, a rainha perguntou para a aia sobre uma discussão que os serviçais alegaram ter ouvido. Algo sobre um dos brinquedos pertencer a Lúminer, e que Ezequiel o pegara sem permissão; ou talvez tenha sido o contrário, e Ezequiel não quisesse que o amigo brincasse com aquele seu brinquedo.

— Foi uma brincadeira de criança — disse a aia — Se chama "acerta e pega". Basicamente, o brinquedo que você acerta com uma pedra pertence a você pelo resto do dia; e o brinquedo que o outro acerta, pertence ao outro. Se você acerta o brinquedo uma vez, tem direito a jogar a pedra de novo, podendo jogá-la novamente sempre que acertar. Errando, vocês invertem, e é a vez do outro jogar a pedra. Os meninos adoravam brincar disso; principalmente quando chegava o final do dia e eles contavam os brinquedos, para saber quem havia vencido. Eles nunca discutiam. Na verdade, sempre pensei terem sido feitos um para o outro.

Príncipe LúminerOnde histórias criam vida. Descubra agora