Estritamente Profissional

08

         CAPÍTULO OITO

Antes de entrar no apartamento, Wangji se certificou de que não houvesse manchas de sangue na área dos ombros de sua jaqueta de couro.
Nenhuma até onde ele podia ver. Excelente.
Se pudesse entrar furtivamente, ir direto ao banheiro e limpar sua roupa de trabalho, tudo seria uma maravilha. Ele sabia que Wuxian tendia a falar. Uma noite, ele voltou para casa todo machucado e Wuxian deu uma palestra implacável por uma hora.
Wangji se machucava. Era inevitável. Parte do seu trabalho como guarda-costas. Wuxian deveria entender isso. Bem, era melhor voltar para Wuxian do que para Mian. Ele não se importava com o pensamento de Wuxian cuidando de seu ferimento, se preocupando com ele. A imagem o fez sorrir. Mian, por outro lado, explodiria como uma bomba. Ela o chamaria de imprudente e estúpido novamente.
Ele suspirou.
Wangji podia não ser mais um soldado, mas parte dele nunca saiu do campo de batalha. Ele precisava deste trabalho. Pagava as contas.
— Desculpas, desculpas — ele murmurou.
Wangji sabia que estava mentindo para si mesmo. Ele tinha uma filha, uma irmã que se importava com ele, contava com ele. Ele não devia brincar com sua vida ou continuar sendo egoísta. No mínimo, ele deveria assumir tarefas menos arriscadas.
Ele continuou dizendo a si mesmo que conversaria com seu chefe, mas nunca falou. Perigo e adrenalina ainda o atraíam como uma droga.
— Esta será a última vez. — Wangji já havia feito essa promessa antes.
Vez após vez, ele a quebrou. Desta vez, era diferente, ele lembrou a si mesmo — porque Wuxian estava aqui, agora. Ele não sabia explicar direito, mas ver Wuxian sendo tão bom com Lee o encorajou a fazer um trabalho melhor. Por ser pai, irmão. Um protetor.
Wangji finalmente abriu a porta da frente o mais silenciosamente que pôde. O movimento despertou a dor em seu ombro. Wangji fez uma careta. Ele rangeu os dentes e finalmente a abriu. E estava prestes a ir na ponta dos pés para o banheiro sem fazer barulho, mas a doce visão que o cumprimentou o deteve.
Parecia que Wuxian havia adormecido no sofá. Ele estava deitado, esparramado sobre o sofá, com Lee em forma de lobo, deitada no seu colo. Um cobertor estava no chão, esquecido. O Ômega parecia perfeito.
Wuxian parecia desprotegido, vulnerável.
Adormecida, Lee também parecia um anjo.
Eles eram perfeitos. Wuxian sempre fazia questão de que Lee dormisse em sua cama, mas Wangji apostava que ela ia até ele no meio da noite.
Antes de Wuxian entrar em suas vidas, sua filha costumava ser cautelosa e desconfiar de estranhos. Ela geralmente mordia os dedos de todas as babás que Wangji contratou antes.
Inferno, Lee levou algum tempo para se adaptar a Mian. Como Mian era da família, ela permaneceu por perto e não saiu como os outros. Ela foi obrigada.
Wangji gravou a imagem em sua cabeça antes de se aproximar deles. Quando pegou o cobertor, ele gemeu quando a dor irradiou por seu ombro. Porra. O som atraiu atenção indesejada.
Wuxian agarrou seu braço, os olhos ainda desfocados e turvos.
— Wangji? — ele perguntou, grogue. Wangji deu um beijo rápido, prestes a afastar delicadamente a mão de Wuxian, mas Wuxian cheirou o ar. E arregalou os olhos, agora, acordado.
— Sinto cheiro de sangue — ele sussurrou. — Aconteceu alguma coisa?
— Volte a dormir. Estou bem. Apenas uma ferimento — Wangji acrescentou, esperando que o ômega seguisse seu conselho, afinal, ele já era crescidinho. Poderia cuidar de si mesmo.
Pensamento melancólico. Agora Wuxian olhou para ele. Lee se mexeu no seu colo. Apenas ótimo. A última coisa que Wangji queria era acordar os dois. Mas ele sabia que não havia como escapar disso.
Wuxian iria lhe dar uma palestra, e ele sabia disso.
— Vamos preparar Lee para a escola, primeiro — Wangji sugeriu. — Ela vai se atrasar.
Wuxian estreitou os olhos, mas Lee escolheu aquele momento para pular do colo de Wuxian e direto para Wangji. Ele a pegou com o braço bom, mas ainda estremeceu.
Wuxian viu tudo.
Wangji pigarreou.
— Vou dar um banho nela — ele disse.
— Não, eu vou fazer isso. Você pode fazer um café da manhã rápido? Um sanduíche, talvez?
— Wuxian perguntou.
— Claro — ele respondeu.
Wuxian pegou Lee de seus braços. Ela olhou de Wuxian para o pai, as orelhas achatadas, provavelmente não entendendo o motivo da tensão crescente na sala. Wangji a beijou no nariz minúsculo. Ela bateu uma pata nele, já de volta ao seu eu brincalhão.
Wuxian bufou.
— Falaremos depois, senhor. — O ômega foi embora com sua filha. Wangji não gostava exatamente do banho com Lee. Ela podia ser super enérgica, um diabinho selvagem, Mian disse uma vez, mas com carinho em seu tom.
Enquanto esperava, ele fez para Lee seu sanduíche favorito — manteiga de amendoim e geleia. E fez um segundo para ela comer na hora do almoço.
Depois de ensacar o sanduíche e colocar o café da manhã em um prato, ele procurou nos armários um pouco de aspirina.
— O próximo armário, à esquerda — acrescentou uma nova voz. Mian.
Ele estava tão preocupado com seus pensamentos que não a ouvira entrar.
— Eu estava prestes a me desculpar por dormir demais, mas vejo que você está fazendo isso de novo — disse Mian.
Wangji gemeu. Ele pegou duas pílulas e as tomou sem aviso prévio. Lentamente, ele se virou para olhar para sua irmã.
— Sério, você também? — ele falou.
— Vejo que Wuxian já lhe deu uma bronca. Alguém precisava. — Era aprovação, na voz de Mian? A última vez que ele se lembrou, ela não gostava particularmente de Wuxian.
— Vocês dois se unindo contra mim, agora? Isso é injusto — Disse ele e pegou um copo de água, bebeu as pílulas e sentou-se novamente.
— Wangji.
Ele gemeu com aquela voz familiar e condescendente. Mian tinha esse direito, ele supôs.
— Conversarei com meu chefe em breve. Aceitarei trabalhos menos arriscados — disse ele.
Mian revirou os olhos. Ela ouviu a mesma música antes.
Antes que a discussão pudesse piorar, Wuxian e Lee apareceram. Lee correu até Wangji, mostrando um livro.
— Wuxian comprou para mim — disse ela, sorrindo. Era de um famoso autor shifter.
Wangji se lembrou vagamente de Lee mencionando este livro algumas vezes.
— Você comprou? — ele perguntou, olhando para Wuxian. — Obrigado. Você guardou o recibo?
— Considere um presente meu para ela — disse Wuxian.
— Você mima demais a criança — disse Mian, balançando a cabeça. — Vamos lá, Lee. Coma seu café da manhã. Vou levá-la lá para baixo.
— Você vai? — Tanto Wuxian quanto Wangji perguntaram ao mesmo tempo.
— Talvez eu não consiga te fazer cair em si, mas ele poderia
— disse Mian, apontando um polegar para Wuxian.
Wuxian corou. Depois que Lee terminou o sanduíche, ela beijou Wangji na bochecha e acenou para Wuxian, antes de saltar para a porta.
— Lee, sua mochila — disse Mian, correndo atrás dela. — E devagar. Nós ainda temos tempo.
Depois que a porta da frente se fechou atrás de Mian e Lee, Wangji finalmente olhou para Wuxian. Ele cruzou os braços — ou tentou. E fez uma careta, lembrando-se do ombro ferido, então os jogou de volta para os lados.
— Sejamos durões — disse Wuxian.
— O quê? — Wangji ainda estava pensando no livro que Wuxian comprou para Lee.
Por que Wuxian não iria querer cobrá-lo por ele?
Pensando bem, Wuxian fazia isso o tempo todo. Ele sempre se oferecia para pagar coisas para Lee, especialmente itens pequenos. Uma vez, Wuxian comprou para ela um estojo de coelho rosa brilhante que Lee queria já há algum tempo.
Talvez o ômega apenas amasse crianças. Talvez ele também tivesse mimado os filhos de seu empregador anterior? Outro pensamento, mais sombrio, entrou em sua mente. Wuxian também podia estar ficando muito apegado a Lee e ele. Afinal, ele não podia ter filhos.
Talvez estivesse projetando, começando a ver Lee como sua filha.
O velho Wangji o teria demitido ali mesmo. Ele lhe daria uma desculpa estúpida de que esse acordo não estava dando certo. Wangji tentaria se convencer de que contratar Wuxian era um erro colossal.. exceto que não.
Não havia nada errado com Wuxian se aproximando de Lee.
Além disso, ele nunca viu Lee tão feliz ou se comportando. Wuxian estar aqui também tirou uma carga enorme de Mian e dos seus ombros.
Wuxian acenou com a mão na frente do seu rosto. Wangji piscou, e Wuxian repetiu o que disse antes:
— Sim? Claro — ele se encontrou respondendo, com os pensamentos ainda dispersos.
Wangji seguiu Wuxian até o banheiro. Algo mudou depois que ele viu Wuxian dormindo no sofá com Lee no colo. Não. Aconteceu antes disso, quando Wangji transou com Wuxian no balcão da cozinha.
Ele jogou todas as regras entre empregador e empregado que estabeleceu entre eles sem pensar duas vezes.
O banheiro ainda cheirava ao xampu com cheiro de chiclete que Lee adorava. Wangji não sabia que tipo de mágica Wuxian possuía, mas o banheiro não parecia um tornado. Wangji e Mian haviam enfrentado muitos contratempos aqui.
Houve até um tempo em que Lee odiava tomar banho.
Agora, ela parecia adorar, especialmente quando Wuxian a deixava escolher sua espuma de banho. Wangji descobriu rapidamente que o ômega possuía uma montanha de paciência.
Ele observou Wuxian procurar nos armários e prateleiras. Ele finalmente encontrou o kit de primeiros socorros. A última vez que Wangji se lembrou de usar isso — e ele usava com frequência —, estava ficando sem suprimentos. Wuxian abriu, e Wangji piscou.
Wuxian reabasteceu tudo.
— Vamos voltar para a cozinha, o piso está escorregadio. Me desculpe — disse Wuxian, fechando o kit.
— Não precisa se desculpar. — Wangji não sabia mais o que dizer.
Eles voltaram para a cozinha.
Ele estava prestes a ajudar a limpar o prato de Lee e o copo usado, mas Wuxian bateu no seu braço.
— Eu faço isso. Você pode tirar a jaqueta e ficar sentadinho, ali. O ômega ousou sorrir para ele.
Um rosnado fez cócegas nele. Ômegas não faziam exigências aos alfas. O mundo não funcionava dessa maneira, exceto que Wangji havia desenvolvido uma queda por Wuxian.
Não.
Era mais do que isso.
Seu lobo reconheceu Wuxian como deles.
Levou um segundo para Wangji perceber que Wuxian estava brincando com ele. Flertando.
Seu lobo se acalmou. Um lobo entendia de brincadeiras, e agora ele podia sentir a fera se mexendo.
Eles poderiam brincar de perseguição. Isso seria divertido.
Wangji fingiria se segurar, só para atacar Wuxian mais tarde.
Wangji sentou-se. Não adiantaria tentar esconder sua ereção de Wuxian porque ele seria capaz de cheirar sua necessidade e, além disso, Wangji estava com fome do seu ômega.
— Aqui. Agora vamos cuidar desse ombro. Jaqueta? —
Wuxian o observou.
Wangji suspirou.
— Por que que você está sorrindo? Algo no meu rosto?
Wuxian balançou a cabeça.
— É só que quando você faz esse som, você me lembra Lee.
Ela também tem a mesma expressão no rosto quando você pede que ela faça algo que ela não quer.
Wangji franziu a testa e finalmente tirou o casaco. Wuxian soltou um palavrão, vendo seu ombro. Wangji teve que admitir que parecia muito ruim. Ele enfaixou apressadamente usando pedaços rasgados de sua camisa, mais cedo.
— O que aconteceu? — Wuxian exigiu.
O ômega puxou uma cadeira para se sentar ao lado de Wangji.
Devagar e com cuidado, ele tirou o tecido. Wangji rangeu os dentes quando Wuxian revelou o ferimento de bala.
— Levei uma bala pelo meu cliente. Não se preocupe, ela saiu — Wangji disse rapidamente.
Ele decidiu evitar dizer a Wuxian que deixou seu parceiro arrancá-la com uma faca. Eles tiveram que fazer isso. A bala era de prata, e a prata também era mortal para um shifter lobo dominante como Wangji, que possuía habilidades regenerativas rápidas.
— Isso é um alívio. — Wuxian parecia sarcástico.
Wuxian revelou a totalidade da ferida e pegou o antisséptico do kit. Ele parecia saber o que estava fazendo.
Wangji fez uma coisa ruim. Wuxian parecia tão fofo com as sobrancelhas franzidas assim e os lábios contraídos como se não pudesse decidir se deveria advertir Wangji ou tratá-lo primeiro. Ele se aproximou e beijou Wuxian. Wangji queria que o beijo fosse lento e rápido, mas evoluiu para algo mais.
Wuxian foi pego de surpresa quando Wangji de repente o beijou. Ele queria afastá-lo, lembrar ao arrogante alfa de que um beijo não resolvia tudo. Exceto que ele não o fez.
Wuxian se inclinou ainda mais no beijo, aproveitando o calor que Wangji empurrou em sua garganta. Ele passou os dedos pelos braços de Wangji, pelo peito. Era tão tentador alcançar debaixo da camisa de Wangji. Tocar esses grandes músculos. Ficar nu, depois baixo e sujo.
Então ele se lembrou de por que estava bravo com Wangji em primeiro lugar. Wangji era uma distração do pior tipo. Estar perto dele dificultava seu autocontrole. Wuxian sempre cedia, como na época em que fizeram sexo no balcão da cozinha. Submeter-se a esse homem parecia uma segunda natureza, exceto que eles precisavam conversar.
Wangji estava sendo irresponsável, constantemente arriscando sua vida assim. Será que Wangji não pensava em Lee, Mian ou nele — nas pessoas que se importavam que ele voltasse para casa em segurança todos os dias? Ele empurrou a mão no peito de Wangji, fazendo-o se afastar.
— Isso é trapaça — disse ele. — Por favor, não faça isso de novo.
— Eu senti sua falta. Isso é tudo. — Aquelas palavras aqueceram seu coração. Por um segundo, ele quase implorou para Wangji fazer de novo, para beijá-lo. Se Wangji espoliasse sua boca novamente, o corpo de Wuxian seria o próximo. Ele duvidava que fosse capaz de impedir Wangji de fazer o que quisesse porque queria a mesma coisa.
— E eu posso beijar você sempre que quiser — acrescentou Wangji.
Filho da puta arrogante. Não ajudou Wangji ter aquele olhar confiante no rosto, aquele sorriso que sempre deixava Wuxian fraco dos joelhos. Homem perigoso e sexy. Se ao menos Wangji fosse o homem dele. Se ao menos Lee fosse realmente sua filha.
Verdade seja dita, Wuxian odiava voltar para casa todas as noites. Era por isso que ele não se importava de ficar no apartamento com Lee. Ele dormiu tão bem no sofá com Lee no colo. Ela parecia um pacotinho de calor. Lee lembrou-lhe o sol, capaz de afastar todas as suas nuvens escuras. Wuxian queria demais, e no final, isso acabaria o machucando.
O mesmo aconteceu com seu relacionamento com Ming . Ele se dedicou muito a esse relacionamento infeliz. No final, Ming o quebrou.
A mesma coisa aconteceria aqui?

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