Beelzebub estava em seu laboratório, cercado por instrumentos e criaturas, mas, pela primeira vez em eras, sua mente vagava. Ele fitava as cobaias grotescas à sua frente, criaturas que normalmente despertariam seu interesse, mas agora pareciam apenas um fardo sem sentido. Soltou um suspiro longo e, num gesto quase automático, jogou o corpo para trás na cadeira. O braço descansava sobre os olhos, enquanto o outro pendia ao lado.
Ele se levantou lentamente, ajeitando a postura, tirou o jaleco branco e o pendurou no cabide ao lado da porta de metal. Colocou as mãos nos bolsos, um velho hábito que mantinha desde os primórdios de sua existência. Caminhou pelos corredores vazios do Inferno, o som dos passos ecoando nas paredes de pedra, enquanto os poucos servos que passavam por ali abaixavam a cabeça, temendo sequer cruzar os olhares com ele.
"Vá atrás da garota." A voz de Satanás ressoava em sua mente, sussurrando com uma insistência irritante. Beelzebub estreitou os olhos, irritado com aquela presença constante. "Você sabe o que quer... o que nós queremos." A voz era quase zombeteira agora, como se tivesse certeza de que, no fundo, Beelzebub não resistiria.
Ele balançou a cabeça de um lado para o outro, tentando dissipar os pensamentos. Estava cansado. Cansado de Satanás, cansado das vozes, cansado de si mesmo. Os olhos negros pesavam, e as olheiras profundas denunciavam o cansaço que carregava há séculos. Dormir era um luxo que lhe havia sido negado por sua própria maldição. As memórias de sua própria condenação o assombravam como um pesadelo constante.
Beelzebub precisava de ar. Precisava fugir. Mesmo sabendo que não havia para onde escapar, o desejo de liberdade o sufocava. Ele desejava a morte mais do que qualquer outra coisa. O alívio da inexistência, a paz da dissolução. Mas como um deus imortal poderia morrer? Era uma pergunta que já havia se feito tantas vezes, sempre sem resposta. Ninguém jamais conseguirá pôr fim ao seu tormento.
Sem rumo, Beelzebub saiu de seus domínios. Pela segunda vez em tempos recentes, ele pisava no solo dos mortais. O ar do mundo humano era grosso com fumaça e poluição, cheio de caos. Curiosamente, o tumulto daquele ambiente oferecia uma distração temporária. Ali, ele não precisava se confrontar com a profundidade de sua própria existência. Havia algo na desordem da humanidade que abafava seus tormentos, mesmo que fosse por poucos segundos.
E então ele sentiu novamente. Aquele cheiro.
O mesmo aroma que havia captado da mulher antes. Vida. Pura e densa, tão vívida que seu corpo reagiu antes de sua mente. Como poderia, um ser tão antigo e cansado, alguém que ansiava pela morte, ser atraído pela essência de algo que representava o exato oposto?
"Vá até ela", a voz de Satanás era um sussurro vicioso. Beelzebub hesitou, mas logo começou a seguir o rastro, sem entender completamente o motivo.
E ele foi. Contra sua vontade, contra o próprio senso, ele seguiu o rastro de vida.
Beelzebub a observava atentamente. Aquele aroma de vida pulsante o puxava para mais perto, um fascínio que ele não conseguia explicar, mas sabia que algo estava diferente em seu comportamento. Não sabia ao certo se era ele ou se Satanás estava tomando controle, mas a vontade de tê-la por perto crescia cada vez mais. Quando ela praguejou contra ele, seus olhos se encontraram, e por um breve momento, ele sentiu como se ela estivesse tentando ler sua alma.
— Você de novo! — Exclamou a garota.
— Eu? — murmurou, mantendo o olhar firme. A garota suspirou, visivelmente nervosa, as mãos passando pelos cabelos como se tentasse encontrar alguma forma de alívio.
— O que você quer comigo? Pelo amor dos deuses, Beelzebub... eu sou uma mortal. O que eu fiz para merecer ser perseguida por você?
Ele pensou na palavra "perseguir". Era a segunda vez que a encontrava, e ainda que as noções de tempo fossem diferentes entre o mundo dos humanos e o Inferno, ele sabia que não eram dois dias seguidos. Mesmo assim, a ideia parecia absurda. Mas ao invés de tentar entender, deu de ombros, observando-a dar um passo para trás, como se instintivamente quisesse colocar distância entre eles.
— Você tem medo de mim? — Ele deu um passo à frente, imitando o movimento dela, quase brincando com a situação.
— Eu... eu não tenho medo de você — A voz dela tremeu, apesar de tentar soar firme. — Tenho medo do que você está pensando.
Ele arqueou uma sobrancelha, confuso. "Pensando? O que você acha que eu estou pensando?"
Ele ficou em silêncio por um momento, talvez tentando encontrar a resposta para a pergunta que havia feito a si mesmo. Beelzebub a fitou, ainda intrigado. Não sabia ao certo o que queria com ela. Era o cheiro, a vida nela que o atraía de maneira inexplicável.
— Quero que venha comigo — ele murmurou. A declaração foi tão inesperada que surpreendeu até a si mesmo.
— Com você? — Ela riu baixo, incrédula. — Olha... sério? — Ela negou com a cabeça, tentando processar o que acabara de ouvir — Que tipo de deus você é?
Beelzebub não sabia se era uma pergunta genuína ou retórica. Ela realmente não sabia quem ele era? Ele a fitou mais de perto.
— Sou um deus. E estou pedindo, mortal, que venha comigo — Sua voz agora soava mais séria, mais decidida, como se ele realmente acreditasse que essa era a única opção.
Ela arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços. Pela primeira vez, o medo começou a tomar conta de suas feições. Ele notou.
— Você não teme enfrentar um deus, mas teme quando ele a convida? — Ele sorriu de lado, uma expressão que parecia brincalhona.
Ela hesitou — Para onde iríamos?
— Para o Inferno — Ele falou baixinho, observando sua reação.
Ela deu outro passo para trás, seus olhos se arregalando em pânico. Estava prestes a correr.
— Não corra — ele advertiu, a voz agora mais baixa, quase gentil — Você vai comigo, para entender o meu fascínio por você.
Ele se aproximou devagar, os olhos fixos nela, enquanto seu olhar captava o calor sutil que coloria suas bochechas e a ligeira secura de seus lábios. Satanás murmurava em sua mente, como um sedutor insistente, incitando Beelzebub a reivindicar o que já parecia destinado a ser dele.Mas Beelzebub se conteve. Ele sabia o que aconteceria se ele se apaixonasse, conhecia muito bem a maldição que carregava.
"Você sente isso, não sente? O desejo crescendo, a fraqueza em suas mãos. Ela está tão perto... Tão fácil de tomar. Por que resistir ao inevitável, Beelzebub? Ela já pertence a você, só precisa estender a mão. Deixe-me assumir o controle. Eu cuidarei dela como você nunca poderia. Ou será que prefere vê-la escapar, enquanto você continua a se afogar nesse fardo miserável que chama de maldição?"
Mas será que essa maldição se aplicava aos mortais? Beelzebub se perguntava. Eles eram tão frágeis, tão transitórios... talvez o fardo de sua maldição não os tocasse da mesma maneira.
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Eco dos Pecados - Beelzebub +18
Fanfiction- Pensando em mim, talvez? - Ele a provocou, com um tom de brincadeira que fez seu coração disparar ainda mais. Ela hesitou, não queria dar o braço a torcer. - Você realmente tem uma alta opinião sobre si mesmo, não é? - Só o suficiente para saber...