Capítulo 1 - Os doces mais doces

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Lié del Paso

Amor é o que sinto pelos doces, mas com certeza não é o que sinto pelo horário que preciso acordar para fazê-los. Acordar às 6 horas da manhã todos os dias por quatro anos, dedicando-me à minha doceria, é um sacrifício que pesa no meu corpo e no meu humor. Quatro anos atrás, minha irmã Jael fez um grande — tudo bem, um grandíssimo — investimento em meu sonho, confiando em mim quando ninguém mais o fez. Sua fé e o apoio da família me deram forças para entrar de cabeça nesse mundo de açúcar e confeitos.

Ainda assim, quatro anos acordando cedo significam que eu perdi 4.380 horas do que considero um "sono justo". Vivo para fazer doces, criar novas receitas e misturas, mas, sinceramente, não é possível funcionar apenas após às 9h da manhã? Minha melhor amiga, Camika, uma viciada em trabalho, fica profundamente ofendida toda vez que cito essa possibilidade.

— Ora, que gosto tem comer algo tão bom, tão cedo? — a parte lógica do meu cérebro diz. Mas a parte que costumo chamar de inimiga replica: — Deve ser por isso que você tem esses pneuzinhos aí; se fosse verdade, você não estaria desse tamanho. Essa batalha interna me leva a um pensamento que venho tentando evitar: Jael se casa na próxima semana, e eu não tenho par, nem vestido, e, sinceramente, nem o peso adequado para entrar em um belo vestido. Não posso simplesmente desistir de ir ao casamento, pois ela é minha irmã.

Isso me leva ao próximo dilema que quero evitar. Não posso ir sozinha ao casamento porque cometi a burrice de, ao me esquivar de um encontro arranjado, dizer que já tinha um encontro marcado. Contudo, não quero colocar meu orgulho de lado e admitir para as meninas — vulgo, irmãs e primas — que não deu certo, deixando que elas escolham um "bom partido" para ir à festa comigo.

Claro que poderia convencer Camika a emprestar o marido dela por algumas horas, só para aparecer com um homem racionalmente bonito e evitar os olhares de piedade. Até daria em troca o meu par de ingressos para os playoffs, Patriots vs. Packers. O problema é que, se eu contar para ela que não tenho par ainda, com toda certeza ela vai tentar oferecer o irmão dela para mim. E eu tenho fugido desse encontro faz um bom tempo.

Toda vez que Camika o convida para jantar conosco, ele aceita. Preciso dizer que já esgotei o estoque de desculpas para não ir a esse encontro duplo? Tudo que eu não preciso é um cara me dando atenção por piedade. Já ouvi muitos homens dizerem que, já que sou gorda, devo me esforçar para agradar mais em "outras áreas". Tipo, você está brincando comigo, certo? Sou relativamente arrumada, inteligente e sei fazer doces como ninguém. Não preciso agradar ninguém em outras áreas.

Eu sinceramente não quero incomodar, nem o irmão de Camika, nem ninguém. Especialmente porque ele deve ser basicamente perfeito, se for minimamente parecido com a irmã. Camika tem cerca de 1,75 cm de altura, cabelos loiros bem curtos, olhos verde-folha e é magra; se qualquer desconhecido olhar para ela na rua, parece uma bailarina, maravilhosa e com uma postura de ferro. Então, sim, se o cara for, em algum nível, parecido com ela — o que é bem comum para irmãos, né? — não consigo nem pensar na cara dele quando me visse.

Não que eu seja péssima, calma aí, tenho um rosto e um corpo bonitos dentro do possível. É só que, provavelmente, meus 1,68 cm de altura, cabelos ruivos e gorda não vão atrair o homem dos meus sonhos. Na verdade, até então, só atraí os homens dos meus pesadelos. Nos meus sonhos — aqueles bonitinhos, tá? Com cerca branca e tudo mais — o homem que segura meus filhos no colo tem pelo menos 2 metros, loiro, barbudo, parecendo uma parede de tão construído. Não importa se sou gorda, nos meus sonhos posso ter o que eu quiser, certo?

O único homem que já vi em pessoa que se aproxima disso foi um cliente aleatório. Ele veio aqui na Lié, e eu me lembrei dele até agora. Tinha um rosto sério, com um nariz grande e um pouco torto. De longe, já dava para dizer que era muito alto e bem musculoso. Na hora em que ele entrou pela porta, me escondi na cozinha e fiquei observando pelo vidro, agradecendo à Jael por insistir em um vidro escuro por fora. Ele veio até o balcão, pediu alguma coisa e foi se sentar. Quando estava mais perto do vidro, deu para ver que os olhos eram um verde bem escuro, quase preto.

— Parece uma fonte de chocolate com kiwis e talvez castanhas? — pensei, enquanto a criatividade borbulhava em minha mente. — Acho que farei algumas bavaroises de kiwi...

Passei as próximas três horas preparando uma receita nova para degustação e pedi para minha assistente, Lisa, levar os doces para a bancada quando ficaram prontos. No fim da tarde, Lisa — a assistente — enfiou seu rosto jovem na cozinha e pediu:

— Lié, tem um cliente que voltou agora pela fornada fresca de cookies e acabou provando uma das bavaroises de kiwi que acabaram de sair. Ele disse que precisa de pelo menos mais uns 30 desses para ir embora — deu uma risada — Você consegue fazer para hoje ainda? Ele disse que pode pagar o dobro.

Uau, obrigada, senhor inspiração. Conquistando clientes em apenas um dia.

— Ai, que legal! — bati palmas empolgada. — Mas espera, criei esse doce hoje, está em fase de degustação ainda e... — olhei para o relógio na parede, três e meia. — Acho que não consigo fazer todos em tão pouco tempo e refrigerá-los o suficiente. Fechamos às seis.

— Todos que conseguiram provar amaram. Dos dez que você fez, ele comeu quatro! — disse, arregalando os olhos. — Expliquei a necessidade de tempo e ele está disposto a esperar até as seis. Ele está com o computador aí, nem notará o tempo passar — falou, piscando.

— Ai, Lisa, tudo bem. — falei, suspirando. — Avise-o que isto era só um prato em degustação e que o sabor pode não estar completamente estável ainda! O cliente é um dos nossos regulares?

Ela abriu um sorrisão.

— Não, Lié! Um novo! Ele veio aqui mais cedo pegar alguns cookies, mas havíamos acabado de mandar uma fornada para o escritório aqui do lado e estávamos com poucos cookies, e ele precisava de mais. É um loiro muito bonito. Você precisa ver! É tão educado.

Senti um calor subir pelo meu pescoço e rosto. Se for quem penso, talvez não precise agradecer de fato pela inspiração; posso apenas fazer uma remessa maior de doces.

— Certo, então preciso correr com esses doces. Vá repassar o que te falei, senhorita. — Corri fazer os doces, fiz os trinta solicitados, mas também adicionei alguns cookies de sabores especiais que os assistentes haviam preparado. Penso que ele vá gostar; posso anexar uma nota dizendo ser um agrado pelo extenso pedido.

Ao finalizar tudo, peguei um post-it rosa em meu escritório e escrevi:

"Duvido que consiga acertar todos os sabores dos cookies, mas acredito que irá gostar. Obrigada pela preferência e considere o agrado. Lié."

Colei na cesta e chamei Lisa pelo intercomunicador para levá-la. Apesar de sentir-me tentada a entregar pessoalmente, para não ficar pensando nisso, me agarrei na limpeza com os auxiliares para encerrarmos o dia. Logo que minha mente começou a divagar com o que tinha em casa na geladeira para fazer de janta, Lisa chegou falando:

— Chefa, o loiro ficou encantado com a cesta. O que deu em você para dar tantos doces assim, hein? Ele estava pasmo, e pude jurar que ele iria comer tudo aquilo sozinho.

Dei uma risada envergonhada.

— Olha, fiz um agrado. Sabemos conquistar clientes e queremos fazer isso diariamente — tentei disfarçar com o discurso de empresária, mas a cara dela disse que não acreditou em uma palavra do que eu disse. — Sobre comer, duvido que alguém consiga comer tanto doce de uma só vez!

Ela continuou me olhando em silêncio por alguns minutos, enquanto eu sentia novamente o calor no pescoço, e com certeza estava corando.

— Aham, certo. Penso que você quer conquistar o cliente em si e não a clientela — riu quando percebeu que eu corara ainda mais. — Mas tudo bem, na próxima você que terá que lidar com ele mesma. Ele pediu você.

Pediu por mim? 

Minha mente começou a trabalhar a mil por hora. O que isso significa? Ele me viu e achou que eu era interessante? Ou ele simplesmente quer mais doces? A ideia de ter que encarar o loiro bonito que havia atraído minha atenção me deixou um pouco nervosa, mas a curiosidade era maior.

Enquanto pensava no que fazer, Lisa, ainda risonha, se despediu e saiu da cozinha. O resto da equipe começou a se preparar para o fechamento da doceria. O dia estava chegando ao fim, e eu sentia uma mistura de emoções no meu estômago: ansiedade, alegria, um leve medo de encarar o cliente atraente novamente.

Eu só espero que não fique tão nervosa que acabe derrubando a cesta de doces. Se bem que, com o tempo, sou capaz de fazer isso mesmo. A vida pode ser doce e azeda, mas, ao mesmo tempo, a vida é feita de sabores e oportunidades.

Doce LiéOnde histórias criam vida. Descubra agora