Capítulo 4 - Um belo vestido

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Lié del Paso

Sinto-me extremamente desconfortável enquanto essas duas moças me manipulam, apertando as dobras do meu corpo como se fossem moldes de cerâmica. É uma sensação estranha, como se elas estivessem tentando esculpir uma nova versão de mim que não existe. O espaço está repleto de espelhos, refletindo a imagem da insegurança que carrego comigo.

Atendente: Querida, mantenha os braços levantados, por favor. Já tem uma ideia do vestido que deseja? Algum modelo ou cor em mente?

Eu gostaria de poder olhar para o espelho e imaginar um vestido perfeito, mas a verdade é que meu corpo não se encaixa na ideia do que a sociedade considera belo. Se eu fosse magra, com certeza escolheria aquele lindo vestido azul adornado com pedras brilhantes. É tão deslumbrante que quase me tira o fôlego, como diria minha avó, com seu jeito poético de ver as coisas.

Lié: Não pode ser rosa; é a cor das madrinhas. Amarelo é uma opção bonita, mas me deixa pálida como um fantasma. Vermelho chama muita atenção, e preto... Bem, não posso usar preto, ou minha mãe vai me matar por parecer estar de luto no casamento da minha irmã. E eu também acho isso desnecessário.

Jael, minha irmã, me convidou para ser madrinha de seu casamento, mas de jeito nenhum eu usaria um vestido rosa e andaria de braço dado com um pobre coitado que escolheriam para mim. Não mesmo.

Concordamos em que eu participaria de todas as etapas, fazendo tudo o que uma madrinha faria: a despedida de solteira, o chá de lingerie e todas aquelas celebrações típicas, mas entrar em um vestido rosa? Isso estava fora de questão.

Jael chorou e gritou, mas, no final, entendeu que se me forçasse a entrar naquele vestido, quem choraria seria eu. O desespero em seus olhos refletia a pressão que as noivas sentem antes do grande dia. Afinal, a felicidade dela não deveria depender da cor do vestido que eu usaria.

A atendente, uma mulher de sorriso gentil e olhos brilhantes, me guiou até a sala dos vestidos.

Atendente: Vamos então ver algumas opções. Que tal um vestido verde? Acredito que ficaria lindo com seus cabelos ruivos. O azul também é maravilhoso; temos vários modelos que vão servir bem em você.

Cami: Na verdade, eu acho que ela vai querer aquele vestido que estava exposto lá na recepção. O azul, estilo sereia, com tomara que caia.

Camika, como sempre, ordena as coisas com a segurança de uma capitã. Sua voz firme não permite que ninguém hesite, e as vendedoras imediatamente começam a procurar o vestido indicado.

Lié: Mas, talvez, elas não tenham aquele vestido no meu número, Cami — digo, revirando os olhos, enquanto ela gesticula como se dissesse "bobagem".

Cami: Isso é bobagem! Claro que tem. E, só para constar, assim que sairmos daqui, você tem algumas horas para fazer o arroz doce. Jantamos com meu irmão hoje às 20h.

O jeito como ela fala me faz rir. O vestido, o doce e seu irmão, todos de volta à minha vida em uma só noite?

Lié: Você não desiste, não é? Eu e seu irmão não vamos nos interessar um pelo outro; não teremos nada, Cami. Pare de bancar a casamenteira!

Sinto-me exasperada, quase desesperada. Não sei de onde ela tirou a ideia de que ele poderia se apaixonar por mim. Isso é pura bobagem.

Cami: Ah, cale a boca! Eu disse que iria apresentar a melhor chefe que conheço para ele, e você é essa pessoa. Não tem desculpas, mocinha. Se você não aparecer, eu vou até a sua casa te buscar!

As moças que estão me ajudando a escolher o vestido já estão voltando, então só consigo mostrar minha língua para Cami. Ela, em resposta, me devolve uma careta que é simplesmente hilária.

Nós duas começamos a rir, um momento leve em meio a essa pressão toda.

Atendente: Bem, encontramos o vestido. Sem dúvidas, você ficará fabulosa! Quer ajuda para vestir?

Considerando que elas já viram parte suficiente de mim nua hoje, nego a oferta e entro no provador.

O lugar é repleto de espelhos. Será que uma mulher não pode ter a paz de se ver em um único espelho frontal? Por que é que esses refletores estão aqui, apenas expondo cada uma das minhas gordurinhas nas costas?

Tiro minha roupa e coloco o vestido rapidamente. Quando olho no espelho, meus olhos se arregalam de surpresa.

Cami: Está tudo bem aí? Deixe-me ver!

Saio do provador e giro para que a atendente possa ajustar o espartilho.

Lié: Ficou bonito, né? Eu gostei — digo, sentindo-me um pouco acanhada, mas a verdade é que gostei mesmo.

Cami: Uau! Ficou muito mais que bonito! Você está uma verdadeira deusa. O espartilho marcou bem sua cintura, e seus cabelos estão tão brilhantes assim! No dia, você tem que deixá-los soltos, com bastante volume, e marcar bem os olhos. Você ficará perfeita!

Ela bate palmas empolgada, e, por um instante, não parece a mulher de negócios furiosa que todos conhecem. A energia dela é contagiante, e eu não consigo evitar um sorriso.

Não quero me empolgar demais, mas, nesse vestido, sinto-me como se tivesse uma força interna maior.

Lié: Bem, vamos lá. Eu tenho um doce para fazer. Aliás, para onde vamos?

Cami: Black Wolf. É um restaurante temático. As paredes têm desenhos enormes de lobos negros, e tem toda uma decoração de Chapeuzinho Vermelho. É lindo!

Lié: Ah, é um dos lugares onde você investe?

Cami: Pode-se dizer assim. Te encontro lá às 20h ou precisarei te buscar? Vá com aquele vestido vermelho, por favor!

Começo a rir muito, imaginando a cena de eu usando aquele vestido chamativo que ela me deu no natal passado.

Lié: Não se preocupe, eu vou! Agora, me deixe em casa?

Ela me ajuda a alugar o vestido para a data certa e me leva de volta para casa.

Assim que chego, passo as próximas duas horas focada no doce que estou fazendo. O arroz precisa ser cozido no leite com açúcar calmamente, e depois temperado com casca de limão, canela em pau, água de flor de laranja e cravo. Depois, polvilho com canela para dar o toque final.

Faltando meia hora para a hora marcada, Cami passa em casa para pegar o doce. Ela diz que precisa chegar um pouco antes e me manda ir me arrumar.

Assim que ela sai, vou me vestir. Coloco um jeans preto, uma blusa e uma jaqueta preta, além de um coturno de salto baixo também preto.

Lembro que Cami brigaria comigo por todo esse preto, mas decido que uma cor mais vibrante no batom poderia compensar. Assim, passo um batom vermelho escuro e prendo meu cabelo, preparando-me para sair.

Já falei da minha primeira paixão, certo? Os doces. Mas tenho outra, que é muito mais radical: motos.

Cresci em um lar onde meu pai era militar e sempre estive cercada por vários irmãos, cada um com suas peculiaridades e paixões. Nossos momentos eram repletos de risadas e competições, e eu sempre quis mostrar que poderia ser tão destemida quanto eles. Por conta disso, minha tia sempre foi uma aliada. Ela foi casada por muitos anos com um mecânico e aprendeu a profissão com ele. Sempre teve uma moto em casa, e quando fiz 16 anos, ela me ofereceu uma.

Agora, tenho uma moto mais forte e bonita, mas tudo começou com ela. A sensação de liberdade que sinto ao pilotar é inigualável.

Estou pronta e, com um sorriso no rosto, sigo em direção ao Black Wolf, imaginando como será a noite. Afinal, a vida pode ser cheia de desafios e inseguranças, mas estou decidida a aproveitar cada momento.

Doce LiéOnde histórias criam vida. Descubra agora