Quando li as primeiras páginas deste livro e me deparei com os escritos que diziam sobre carruagens, fadas, anjos e tantas outras asneiras como aquela, tive a certeza de que eu enlouqueci. Onde estou agora? Era só isso que eu me perguntava. Se estou louco, nada disso é real. E se nada disso é real, estou sonhando ou vendo coisas. Se estou sonhando, onde estou para dormir? Se estou vendo coisas, onde estou agora que minha imaginação consegue transformar tudo o que é existente, em algo aparentemente mágico? Toda essa natureza não era comum onde eu morava. Eu morava na cidade. As únicas matas que eu via como essa, eram nas beiras do rio ou onde não haviam urbanizado para construírem novas fábricas ou novos bairros para a cidade. Se não fosse isso, eu estava bem longe de casa. Ou sei lá... Eu não estava, apenas vivenciando de fato tudo isso, só podia ser algo da minha cabeça. Um sonho, ou uma loucura. Mas não era, e sei que não era pois eu sentia dor quando pisava numa pedra ou quando formigas me picavam. Eu sentia fome, eu sentia sede, eu me sentia triste ou com raiva. E eu também ria da minha cara. Querem saber a verdade? Eu achava que saberia viver na mata após assistir tantos programas de televisão, novelas de época e vídeos da internet de pessoas que viviam no meio do nada. Mas não. Eu não sabia. Bastava um único dia para eu pensar que enlouqueci.
Mas querem saber a verdade? Acho que se estou mesmo louco, sei que uma hora vou acordar. E quando eu acordar, espero de verdade que ao menos eu não esteja nu no meio do rua como estou nu agora no meio da floresta. E se eu estiver sonhando, sei que vou acordar e vou rir com Isabel e Sammael durante horas enquanto conto tudo o que iria vivenciar aqui. Foi isso que pensei na verdade.Mas eu sabia que talvez não fosse algo tão simples. Eu sinto e vejo mais do que conseguiria sentir e ver em um sonho. E sabia que eu não estava louco - mesmo ainda tendo dúvidas. Afinal, pessoas loucas muitas vezes não sabem que estão loucas - e ainda preciso procurar saber o que fazer na situação em que eu estou.
Sinceramente, era tudo muito mais fácil quando eu via as pessoas construindo casas de barro ou fogueiras. Mas só uma fogueira já foi o suficiente para me deixar exausto. Talvez seja meu corpo que não recebe comida de verdade há tanto tempo.
Eu me sentia tão sozinho e tão estanho. Eu não sabia para onde ir, o que fazer a partir dali e nem se haveria alguém além de mim ali por perto. Mas ainda assim, decidi andar por aí sem rumo até encontrar algo ou alguém. E foi o que fiz, afinal, não foi pense decisão, foi também ação e atitude.
Fiz o que decidi. Andei horas e horas pela floresta, sem rumo. Levei comigo uma bolsa de couro que eu armazenava água. De tanto andar, encontrei num lugar - que creio eu que seja bem longe de onde eu vim - onde havia uma cabana de madeira. O sol estava se pondo. Eu estava com uma das adagas na mão, pronto para atacar qualquer um que viesse tentar contra mim - mesmo eu sendo um covarde que sabe que minha primeira reação vai ser tentar matar. Eu não sirvo para lutar, e se eu matar alguém, ainda vou me sentir culpado pela vida toda - mas eu não tenho muita escolha, então se eu quiser sobreviver, tenho que usar o que tenho de melhor em minhas mãos. Afinal, se não for eu a matar, será o outro. Ou talvez, seja lá quem estivesse ali, fosse alguém piedoso e que me desse informações, comida e quem sabe, roupas.
Me aproximei lentamente da cabana. Agachei e andei até me aproximar da janela, e vi que o caldeirão sobre o forno estava ardente. Essa parte da casa era feita de barro. Havia encima da mesa, um arco com uma aljava cheia de flechas, pratos e vasilhas de barro, tendo um desses pratos, um grande pão que parecia fresco, e uma jarra também de barro que provavelmente estaria cheia de água. Era só o que eu precisava, não aguento mais comer nozes e beber água com gosto de comida velha - vulgo o couro que parece existir desde a era paleolítica. - mas eu não poderia contar com uma coisa. Haviam livros. Muitos livros. E junto dos livros, uma caneca com várias possíveis canetas em madeira. Seja lá quem more aqui, essa pessoa só pode ser um poeta ou um político. Mas não faria sentido que um advogado ou prefeito morasse uma cabana no meio da mata virgem. Ao que eu saiba, eles sempre moram no meio da cidade, em áreas urbanas.
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Adagas ao Alto
FantasiaApós um grave acidente, Wase Peletier entra em um estado de coma que o permite viajar para uma realidade paralela de mil e um anos-luz de distância da vida real em que vivemos; tendo esta realidade, um atraso de 600 (seiscentos) anos de diferença de...