Teresa reapareceu em Santa Aurora na calada da madrugada, por volta do raiar do dia. O mundo ao seu redor ainda estava envolto em escuridão, com apenas os primeiros traços alaranjados do sol começando a tingir o horizonte. O ar estava úmido e carregado de uma sensação de expectativa, como se a terra inteira soubesse que algo importante estava prestes a acontecer.
Ela despertou dentro do mesmo casebre onde havia aparecido com Leônidas da primeira vez. O local estava empoeirado, e o silêncio era absoluto, interrompido apenas pelo som distante de galos anunciando o amanhecer. Teresa sentiu um arrepio percorrer sua espinha. O medo e a adrenalina começaram a tomar conta de seu corpo; ela sabia que precisava sair dali, e rápido. Qualquer hesitação poderia custar caro.
Movida por uma urgência incontrolável, Teresa saiu correndo do casebre, tomando o cuidado de não fazer barulho. O ar estava frio, cortante, e a cada passo seus pés afundavam levemente na terra úmida, como se o clima daquela época fosse um lembrete do quanto ela estava distante de sua própria realidade. O frio era uma sensação quase esquecida para ela, que agora vivia em um tempo onde o calor era opressor e constante. O Rio de Janeiro de 2023 era absurdamente quente, e, mesmo com as pessoas usando roupas leves e mais apropriadas para o calor, Teresa ainda estranhava como suportavam temperaturas tão elevadas.
Enquanto caminhava pelas ruas desertas de Santa Aurora, as construções ao redor surgiam como sombras indistintas na penumbra, cada uma guardando seus próprios segredos. Teresa sentia que pouco a pouco ia se esquecendo das características de seu tempo original, como se sua mente estivesse se adaptando lentamente à nova realidade, mesmo que seu coração ainda estivesse preso ao passado. Ela andou durante o que pareceram horas, sua mente girando com pensamentos confusos e emoções conflitantes.
Finalmente, ao avistar a velha Fazenda Alvarenga, seu coração bateu mais forte. A familiaridade do lugar trouxe uma sensação agridoce. Ela conhecia cada centímetro daquele solo, mas agora parecia tudo tão distante, como se estivesse invadindo uma memória.
Com cuidado extremo, Teresa entrou na casa. Cada passo era silencioso, como se o peso de suas preocupações impedisse qualquer ruído. Subiu as escadas até o segundo andar, evitando ranger os degraus. Ao chegar no quarto de seus pais, ela parou por um momento, contemplando a porta fechada diante de si.
Abrindo-a com o máximo de cuidado, Teresa entrou no quarto escuro. Seus olhos se ajustaram rapidamente, e ela pôde ver seus pais deitados na cama. Eles pareciam exaustos, as feições marcadas pelo tempo e pelas preocupações. Teresa sentiu um nó na garganta ao vê-los assim. Sabia que, desde seu desaparecimento, eles haviam passado por momentos difíceis.
A ideia de contar a verdade a eles foi imediata e urgente. Eles mereciam saber tudo. Ela se aproximou da mesa de cabeceira e encontrou papel e caneta. Sentou-se em uma cadeira próxima e começou a escrever. As palavras fluíam como um rio, cada uma carregada de sinceridade e emoção.
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"Queridos pais,
*Sei que essas palavras podem parecer insanas, mas, por favor, acreditem em mim. Algo extraordinário aconteceu comigo. Estou escrevendo para vocês do ano de 2023. Sei que parece impossível, mas é a verdade. Quando desapareci, não foi por vontade própria. Fui transportada para o futuro, para um tempo distante, onde estou vivendo uma outra vida.*
*Neste tempo, conheci pessoas que jamais imaginei conhecer, e aprendi coisas que não existiam em nossa época. No entanto, apesar de tudo, nunca deixei de pensar em vocês. Nunca deixei de sentir saudades de nosso lar, de nossas terras, e de vocês, que sempre foram meu porto seguro.*
*Estou em uma missão, algo que preciso cumprir antes de poder retornar para vocês. Sei que é difícil de entender, mas não pensem que estou louca. Eu jamais faria algo que pudesse feri-los, mas preciso que compreendam que minha jornada ainda não terminou. Estou fugindo de algo maior do que eu, algo que não posso ignorar. Quando tudo terminar, voltarei para vocês, para nossa casa, para nosso tempo.*
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A Lenda do Véu de Ouro
FantasíaVila Santa Aurora, 1906. Escondida entre as montanhas da capital, Rio de Janeiro, a pacata Vila Santa Aurora guarda segredos ancestrais. Ana Teresa Alvarenga, uma jovem da aristocracia local, herda um véu dourado de sua avó, um objeto aparentement...