Capítulo 1

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Há certas coisas na vida que são difíceis de esquecer. A sensação de adrenalina ao andar de bicicleta pela primeira vez e o amargo arrependimento que vem com as lágrimas quando você machuca o joelho no calçamento após a sua primeira queda. O primeiro beijo também é algo inesquecível; é sempre mais constrangedor, por isso é marcante, seja pelo momento, seja pela pessoa. Você se lembra da maneira como seus lábios tocaram os de outra pessoa, da euforia sedutora provocada pelos hormônios, do prazer escondido na saliva e do calor do corpo humano ao toque. Como esquecer o primeiro momento de desobediência e rebeldia? — experimentar a sua primeira cerveja escondido dos pais, sentindo o frio na barriga e o gosto áspero da bebida espumante. A primeira decepção amorosa, então, é uma dor que fica marcada, como se cada lágrima fosse um lembrete da fragilidade dos sentimentos. Claro, você nunca vai esquecer esses momentos, assim como nunca esquecerá seu primeiro cadáver.


O sol brilhava intensamente em um céu vívido, enquanto nuvens preguiçosas flutuavam lentamente, e o calor esquentava o asfalto com uma luz ofuscante, típica das tardes nordestinas. No estacionamento, um homem se apoiava desconfortavelmente contra a árvore, buscando abrigo do calor implacável. O suor escorria pelo seu rosto, deslizando até o pescoço e manchando a gola da camisa, que passava de um branco sujo para um amarelo pálido, como se o calor tivesse deixado sua marca.

Era visível que a mente do homem estava inquieta; ele encarava um ponto fixo no chão, apenas pensando nos acontecimentos atordoantes daquela manhã. Um pouco trêmulo de ansiedade, segurava um cigarro na mão, já no segundo que estava prestes a acender. Não costumava fumar, pelo menos não como fazia nos seus vinte e poucos anos, mas aquele dia estava sendo uma verdadeira merda.


Pela manhã, a secretária da delegacia telefonou para o homem enquanto ele ainda estava na cama, dormindo quase tranquilamente em um sono sem sonhos. O barulho angustiante da ligação superou o zumbido do ventilador velho, despertando-o de forma abrupta e confusa.

"Você precisa vir para cá agora, Romero!", disse a secretária, sua voz rouca revelando anos de cigarros e falta de paciência para lidar com as pessoas. O tom impaciente e desgastado parecia refletir a urgência do momento.

"Bom dia para você também, Marta", disse ele, mas não obteve resposta, apenas o som da ligação sendo desconectada.

Sentando-se na beira da cama afim de despertar, Romero se sentia enjoado com seu próprio hálito; sua língua estava áspera devido à comida oleosa que havia jantado antes de dormir. Ele ficava tão cansado com a correria do dia a dia que, na maioria das noites, sua única refeição era comida aquecida no micro-ondas ou frituras da rodoviária. Era um hábito deselegante, assim como fumar, mas certas coisas um homem só pode lidar uma de cada vez.

Ele se levantou, espreguiçando-se enquanto tentava espantar a sonolência. Pela urgência na voz estridente de Marta, o dia prometia ser longo, e o peso das responsabilidades começava a se instalar em seus ombros. Era o delegado da cidade, o cargo chefe, não era algo que ele almejava no início da carreira policial, mas acabou satisfeito com os benefícios.

No banheiro, escovou os dentes com pressa e molhou o rosto, olhando-se no espelho com desdém. O reflexo de um homem cansado o fitava de volta. Ele havia cortado o cabelo recentemente em um estilo militar, conferindo-lhe uma aparência austera, enquanto sua barba crespa pedia uma atenção especial.

Hoje é um novo dia, murmurou para si mesmo, algo que seu irmão sempre lhe falava. Ao sair do banheiro, a rotina o aguardava, como sempre, pronta para engoli-lo novamente.

Enquanto dirigia em direção à delegacia, Romero observava atentamente as ruas de General Terra.

É uma cidadezinha simples, com uma arquitetura histórica que recebe um banho de tinta a cada ano, buscando melhorar sua visibilidade. Os tempos mudaram, e quem não se adapta à modernidade corre o risco de ser engolido pelo passado.

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