Cinderela tinha medo de vidro.

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"Eu vejo ela, No fundo da minha mente .
O tempo todo, como uma febre. Como se estivesse queimando viva.
Como um sinal."
-WILDFLOWER, Billie Eilish

Alice Williams
Acordei atrasada.
Meu alarme tocava desesperadamente e eu tinha feito um esforço para ignora-lo , mas se Margaret descobrir que eu faltei provavelmente vai tentar me sufocar com o travesseiro enquanto durmo . Então levantei, me arrastei até o banheiro do meu quarto me olhando no espelho. Meu cabelo tinha acordado relativamente bonito hoje , observei meu corpo também. Amava como ele ficava quando eu acordava, completamente desinchado . Minha cintura era fina e seguia pelas minhas coxas grossas e quadril largo , Maya gostava de fazer comentários maldosos sobre. Do tipo "você é uma falsa magra" ou "você precisa emagrecer! olha a grossura dos seu braços", foi uma insegurança pra mim por muito tempo mas com a minha idade eu percebi que se Maya está falando então provavelmente a verdade é outra.

Joguei água no meu rosto e enrolei meu cabelo com a chapinha, fazendo cachos nas pontas de meus fios loiros, passei um batom de tom terroso e vesti uma blusa preta de mangas curtas que deixava as costas nuas, expondo minha tatuagem que aliás Margaret não tinha idéia que existia. Agradeço imensamente a mãe de Clary por ter assinado o termo. Era uma frase simples , escrita na vertical da minha coluna "Si vis pacem para belum" . Eu amava essa tatuagem, era definitivamente minha parte favorita em mim.

Segui caminho subindo o lance de escadas para o primeiro andar da minha casa, indo em direção a cozinha. Não consegui esquecer a casa dos Delacroix a minha era tão sem vida comparado a deles.
Entrei na cozinha, lá as cozinheiras trabalhavam a todo vapor já preparando o almoço, Maya comia muito regrado por sua "carreira" de modelo .
-Bom dia senhora Alice!
-Bom dia Ana! e é só Alice . - Eu disse para cozinheira mais antiga ali em casa, ela trabalha aqui desde...Bom acho que sempre.
-Você está igualzinha a sua mãe! - disse ela colocando o braço em volta do meu pescoço e afastando um cacho que escapava de sua touca.
ah se eu ganhasse um real a cada vez que ouço isso...
-É o que dizem- respondi meio sem ânimo, nunca sabia o que falar quando faziam essa comparação. Pego uma maçã e mordo.
- Mas é mesmo Alice- Ana continua - Olhar para você é como ver ela! até mesmo a voz... Você não tem nadinha do seu pai.
-Como ela era Ana? - Eu nunca perguntava sobre ela para ninguém. De certa forma eu tinha vergonha mas hoje eu não sei o que deu em mim. Ana se surpreendeu com a pergunta , Mas logo abriu um sorriso e começou.
-Ela era Gentil.
Gentil que dormiu com homem casado. Ah ta...
Ela deve ter percebido, pela minha expressão que eu estava incrédula então continuou um pouco mais séria agora:

-É sério Lice, Ela era Gentil. Eu sei que nesta casa te ensinaram a odia-la mas você não deveria. Sua mãe era linda não só de aparência mas também de alma. Ela vivia fazendo graça e todo mundo ria com ela . Seu pai vivia atrás dela porquê simplesmente não tinha como não se apaixonar por ela. O sonho dela era deixar essa casa e ser bailarina.
-Minha mãe queria ser bailarina? - Meu coração apertou ao ouvir as palavras de Ana , era como se eu tivesse perdido uma parte de mim bem ali na cozinha.
-Sim! ela era um talento... Mas não pense que ela não queria você. Ela sonhava em ter uma menininha loira para que ela chamasse de Alice , igual a Alice no país das maravilhas.
Eu senti a primeira lágrima escorrer pelos meus olhos e depois outra, o nó no meu estômago se formou. Me senti...Me senti orfã. A palavra "mãe" sempre foi estranha para mim , distante. Um mistério mas um mistério ruim. Uma vez , quando era bem mais nova e inocente perguntei para Margaret sobre minha mãe, ela não me respondeu. Mais tarde eu ouvi ela gritando com meu pai no escritório dele.
"Eu odeio essa menina!" "Margaret! ela é minha filha" "Sim! sua filha mas toda vez que olho para ela eu vejo Richard. Eu vejo aquela mulher como se fosse uma febre, uma praga! no fundo da minha mente. Como se estivesse me queimando viva! como se estivesse lá para me lembrar que você teve outra mulher. Eu te perdoei mas odeio essa garota. Odeio. Tentei ama-la como minha mas só vejo nos olhos dela a sua amante."
"Tentei ama-la mas só vejo nos olhos dela sua amante" .
Eu tinha oito anos...
Desde então eu só sinto nojo de mim, nojo de quem eu sou e raiva da minha mãe por me colocar nessa situação. Ouvir alguém falar dela com tanto carinho como Ana estava fazendo, me confundia muito. Ela agora me abraçava e enxugava minhas lágrimas.
-Sinto muito Lice, -Ela começa me tirando da bagunça que estava minha cabeça- Eu estava lá quando ela te teve e morreu. Ela te amou muito eu sei que sim.
-Obrigada Ana, tenho que ir para escola estou atrasada. Mas obrigada mesmo, acho que precisava ouvir isso.
Mentira.

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