III - Olivier Florence

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2 de Agosto de 2015

Lugar sombrio

— O que achou?

— Sobre o internato?

— É claro, fiz um tuor com você. Eai, o que achou?

— É um lugar diferente.

— Diferente? Só isso?

— Sim, diferente.

O refeitório inteiro ecoa com a algazarra animada dos alunos. No meio da confusão, o celular de Gabriel começa a vibrar. Sua expressão confusa desperta minha curiosidade, rompendo nossa conversa, ele se levanta.

— Vou ter que ir agora.

— Vai me deixar sozinho?

— Não tenho opção. Mais tarde a gente se vê, prometo.

Gabriel sai, levando sua bandeja do almoço, e aproveito o embalo para me retirar da mesa. Deixo minha bandeja junto com as outras, mas ao me movimentar, acabo esbarrando no garoto, fazendo com que seus livros caiam da bolsa, criando um breve tumulto de papéis e páginas espalhadas pelo chão.

— Desculpa, desculpa… — repito várias vezes recolhendo a bagunça.

— Não tem problema, isso acontece.

Recolhendo os livros e papéis, um deles chama minha atenção. Sua capa exala um aspecto antigo, adornada por uma tranca. A joia vermelha na capa exerce um brilho unico, como se algo invisível me puxasse até ela. Ao observar mais de perto, noto a palavra “Marcados” escrito abaixo.

Enquanto analiso o livro, meu foco é interrompido quando ele põe a mão sobre a capa. Meus olhos se fixam no seu anel por um instante, mas rapidamente são capturados por seus olhos. Um deles âmbar, o outro azul, destacando-se na sua pele adornada por sardas. Seu cabelo castanho claro completa o quadro, tornando seu rosto notavelmente belo aos meus olhos, criando uma imagem que permanece por um instante na minha memória.

— Vou ir, se não me atraso. — Puxa o livro e caminha para fora do refeitório.

Uma gritaria repentina ecoa da cozinha, desencadeando uma corrida frenética de alunos curiosos em direção ao tumulto. Tento me aproximar para entender o que está acontecendo, mas a multidão densa dificulta meu caminho. A curiosidade paira no ar enquanto a agitação cresce, e, mesmo sem poder chegar mais perto, sinto a ansiedade coletiva se espalhando entre os estudantes.

Psiu!

Olhando para trás, percebo a garota novamente, espreitando o corredor. Desisto da multidão agitada e me encaminho em direção a ela.

— Preciso de você em outro lugar.

Sem uma palavra, ela me arrasta pelos corredores com pressa, segurando meu pulso. Seu toque em mim provoca uma sensação estranha, meu coração acelera, e uma energia desconhecida percorre minhas veias. Sinto-me bem, como se a adrenalina do momento tivesse despertado algo em mim. Seus cabelos balançam conforme corremos, e a excitação do momento cria uma conexão única entre nós, alimentando a chama de uma experiência inesperada.

— Por que paramos?

— Porque chegamos.

Estamos de frente para uma porta dupla, e ela me olha antes de abri-la. A porta revela um lugar que não estava incluído no tour de Gabriel.

— Outra biblioteca?

— Essa infelizmente está desativada, disseram que foi por reforma, mas isso já faz tanto tempo.

— E o que fazemos aqui?

— Preciso que você pegue aquela caixa ali. — diz ela apontando pro topo da estante alta.

— E por que tem que ser eu?

— É uma caíxa pesada, e outra, quem eu chamaria? Tem que ser você, só pega pra mim, vai.

— Só pego se me disser seu nome, até agora você não me disse.

— Certo, eu digo.

O lugar se revela vasto, com estantes espalhadas e livros desorganizados. O centro é aberto até o teto, sugerindo a presença de um possível segundo andar. Ao subir a escada para pegar a caixa, seu peso me desequilibra, levando-me a uma queda. Quando me recupero, percebo que tudo mudou. O ambiente está invertido, mais bagunçado, com estantes quebradas e uma atmosfera carregada de medo e dor.

Saindo desse lugar perturbador, noto um barbante vermelho amarrado na maçaneta, estendendo-se pelo corredor. Seguindo-o, chego à janela que revela um céu escurecido, contribuindo para a aura sinistra do local. Não resta alternativa senão seguir o fio. A inversão confunde minha mente, levando-me à entrada do refeitório e, em seguida, à secretaria.

O barbante passa por cima do balcão e termina na maçaneta da sala da diretora. Ao entrar, percebo que o caos também se estabeleceu ali. Contudo, uma luz dourada brilha sob os livros em uma prateleira. Ao retirá-los, a folha rasgada que brilhava é titulada como “08 de março de 2015”. Ao prosseguir a leitura, outra luz branca e flutuante surge atrás da mesa.

Minha atenção é capturada por ela, e, num piscar de olhos, tudo se desfaz.

E o lugar deixou de ser sombrio

Não há Nada no Vazio - Despertar Onde histórias criam vida. Descubra agora