1. Ecos do Passado

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Escuro e sombrio. Esse é o clima que temos para hoje. Típico dia em que o céu parece se fundir com a cidade em uma paleta cinza melancólica. As nuvens espressas bloqueiam a luz do sol, e os postes são praticamente a única fonte de claridade nas ruas silenciosas, onde apenas o som distante de carros passando e o leve chiado das folhas caindo com a ventania existem.

O display na parede marcava dois graus Celsius. Este inverno será mais frio do que os passados. Por sorte, tenho meus aquecedores para manter minha casa quente durante esse período.

Envolto no casaco grosso de lã e esquento as mãos com luvas de veludo, antes de deixar o condomínio. A cidade parece adormecida com a chegada do inverno, em outras estações o fluxo seria maior nesse horário. Nem mesmo os trabalhadores tiveram coragem de deixar suas casas hoje.

Estava próximo à biblioteca municipal, um prédio antigo e imponente que parecia ainda mais solene sob o céu nublado.  Costumo passar diariamente apenas por suas extremidades, sem nunca adentrar. 
Porém, para tudo tem sua primeira vez.

A estrutura por dentro parece maior do que vista ao lado de fora. As estantes altas, repletas de livros empoeirados, tornavam os corredores apertados e labirínticos, onde era fácil perder-se. O ar estava impregnado com o cheiro de papel envelhecido, uma mistura de nostalgia para os clientes fiéis e desconforto aos novos. Estava praticamente vazio, exceto pela presença de uma garota sentada nos fundos, fazendo dever de casa.

Prossegui com cautela pelos corredores estreitos, o som dos meus passos abafado pelo piso coberto de tapetes antigos. Cada estante carrega uma história própria, dívida entre variados gêneros literários, não pude deixar de imaginar quais segredos estavam escondidos nas páginas daqueles livros folheados por cada geração. Particularmente, os de mistério continuam sendo meus preferidos.

Enquanto explorava, o ambiente parecia ganhar vida própria, como se os livros ao meu redor sussurrassem histórias não contadas ou silenciadas.

De repente, um vento forte soprou através das frestas das janelas, invadindo a biblioteca sem aviso prévio. O ar gélido fez com que as páginas dos livros nas prateleiras se agitassem, e um deles escorregando da parte superior, caindo ao meu lado com um baque surdo. O impacto fez com que a capa se abrisse, revelando uma única palavra escrita na página de rosto, com letras tortas em tons vermelhos, "Salve-me". Meu coração disparou, fazendo um arrepio imediato percorrer minha espinha. Pode ser apenas uma brincadeira deixada por um adolescente, da mesma forma que alguém realmente precise de ajuda. Por via das dúvidas, agacho para pegar o livro, mas a mensagem não era a única coisa estranha.

Sob a prateleira inferior, um pedaço rasgado de papel parcialmente visível, provavelmente deixado ali há muito tempo pela sujeira acumulada. Puxei a folha e descobri uma carta amassada. Seja quem deixou-a, gostaria que fosse encontrada. As letras apressadas e desordenadas revelam um apelo desesperado e aflito, mas isso era o de menos. "Benjamin", era o nome assinado nas entrelinhas. O mesmo nome do garoto que supostamente havia tirado a própria vida cerca de um mês atrás. Conhecidencia? Talvez. Suspeito? Totalmente.

Com a carta em mãos, levantei-me e olhei ao redor da biblioteca, agora ainda mais silenciosa e pesada. A garota no fundo não parecia mover um único músculo, completamente mergulhada em seu caderno.

Minha mente estava como um tornado, rápido e perigoso. Benjamin. Esse nome martelava em minha cabeça. É muita conhecidencia para ser simplesmente ignorada. Soava como um sinal. Considerar a possibilidade de que o livro e a carta não eram apenas artefatos de uma brincadeira de mau gosto, mas sim um indício que algo estava profundamente errado, parece cada vez mais certa. Tenho impressão que minha vinda à essa biblioteca não foi à toa. Tudo parece de alguma forma estar ligado. Mas as peças ainda não encaixaram-se totalmente. Preciso investigar.

Let me goOnde histórias criam vida. Descubra agora