3. Reflexos de Inverno

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Existe uma dor além da morte. Além do que se imagina. Além das palavras. A dor que não se apaga com o tempo, que se infiltra nos poros da alma e se transforma em um sussurro constante. É uma dor que ecoa nas memórias, uma presença que não se despede. As lembranças se tornam sombras, sempre à espreita, trazendo à tona sentimentos que preferiríamos enterrar. O passado não é apenas um conjunto de experiências, é uma ferida aberta que sangra a cada vez que somos lembrados do que perdemos.

O silêncio é como um eco persistente de meus próprios pensamentos, carregando as vozes daqueles que se foram, uma harmonia pesada que se entrelaça com os medos e inseguranças à minha volta.

O ambiente ao meu redor era um reflexo sombrio da confusão que se acumulava dentro de mim. Sentado no chão gelado do meu quarto, os azulejos frios parecendo penetrar na minha pele, causando calafrios contínuos. A energia estava pesada, e cada batida do meu coração parecia ecoar em meio à tensão que se estendia.

Fechei os olhos, tentando afastar a brutalidade do que havia escutado. Mas as vozes da fita pareciam memórias de tão vivas que se tornaram, como se estivesse vivendo tudo que havia sido propagado em tempo real. Como se o passado e o presente estivessem interligados, trazendo à tona não apenas a dor de Benjamin, mas também a pessoa perturbada que Jackson esconde ser.

Jackson, alguém que acreditava fielmente conhecer e poder confiar, agora parecia um estranho, vendo sua imagem distorcer diante de meus olhos. A versão de todos esses anos que ele apresentou é apenas um personagem? No final, ele é um agressor como os homens que apareciam nos noticiários da cidade? Não consigo separar a realidade do falso.

Tudo isso parece um quebra-cabeça, impossível de ser resolvido no momento. As peças todas embaralhadas, assim como as informações bagunçadas e incompletas que tenho. As perguntas se multiplicando em minha mente, enquanto tento decifrar o que realmente aconteceu. Como pode alguém tão próximo se tornar um enigma, uma incógnita distorcida por aquela maldita fita.

Quem realmente é você, Jackson Smith?

— Hiroshi, está na hora! - Minha mãe abre a porta de meu quarto e entra, segurando uma toalha. — O Jackson já chegou e está te esperando na sala, conversando com seu pai.

Droga. Como vou encarar Jackson com tudo isso que descobri? E ainda vou ter que passar a noite toda fingindo que nada aconteceu para não chamar atenção das pessoas na festa. Certo, Hiroshi, é o aniversário de Kento. Você precisa relaxar e esvaziar a cabeça, aproveitar o tempo com seus amigos que não tem nada a ver com essa história e depois pensar no que fazer.

— Você pode dizer a ele que vou descer em um minuto? - Respondo, calmamente tentando esconder o nervosismo.

— Claro, mas não demore. Ele parece animado para noite que terão - Ela sorri gentilmente. — Tenho certeza que será muito divertido.

— Será mesmo uma noite longa.

Sozinho novamente, pego a primeira roupa que vejo pela frente e coloco. Por conhecidencia, é meu moletom favorito, cinza, confortável e um pouco folgado, me sinto seguro quando estou com ele. A calça jeans é simples, mas se encaixa bem, o tecido um pouco desgastado. O espelho reflete um rosto que, apesar de forçar um sorriso, não consegue esconder a inquietação nos olhos. Mesmo com a roupa casual, sinto como se estivesse vestido um manto de tensão, efeitos da dúvida e incerteza sobre meu próprio amigo.

Com um último suspiro profundo, decido que é hora de descer. Cada passo em direção à escada pareciapesar mais do que o anterior, como se o chão fosse uma extensão do meu nervosismo. Pelo visto não poderei consumir nada forte hoje, se mesmo sóbrio estou dopado.

Let me goOnde histórias criam vida. Descubra agora