Melinda Hoffmann
Era difícil não acreditar; as semelhanças eram incríveis. No entanto, mamãe nunca mencionou ter uma irmã gêmea ou qualquer outro membro da família. Então por que eu deveria confiar em alguém que ela nunca mencionou?
Para mim, família sempre foi apenas papai, mamãe, e eu.
Como isso mudou tão drasticamente?
Passaram-se algumas horas e paramos em frente a um portão com alguns seguranças, que, ao verem o carro, abriram depressa. Antes mesmo de descer, fiquei boquiaberta com o imenso jardim da casa, repleto de um verde tão vivo, com a grama bem aparada e árvores altas, como o carvalho da casa de campo. Tudo era tão vasto e com cores claras, que era impossível não compará-la à nossa.
Hanna entregou a chave do carro a um jovem de terno preto, e seguimos em direção à mansão, que chamei de "a casa grande" por muito tempo. Hoje, percebo que moramos em um lugar muito elegante e moderno, para considerar apenas uma casa grande.
Estranhei, percebendo que aquela pessoa que dizia ser da minha família tinha condições muito melhores do que a nossa. Meus pais e eu vivíamos em uma casa simples no interior de Minas, frequentemente recebendo doações de vizinhos e amigos, já que o trabalho de pintor do meu pai não era suficiente para nos sustentar. Mamãe nunca conseguiu um emprego, mas, às vezes, à via abrir um envelope amarelo repleto de notas, o que a deixava tão emocionada, que nos abraçava com gratidão.
- Por que está sorrindo como uma maluca na frente do espelho? - Sofia grudou no meu pescoço, desfazendo as lembranças da minha cabeça.
- Estava lembrando do dia que cheguei aqui.
- Você está rindo do dia mais triste da sua vida? - indagou, confusa. - O dia que você se trancou no quarto por vinte e quatro horas, porque a nossa empregada revelou à você que seus pais haviam morrido?
- Argh... Você sempre tão direta. - bufei, enquanto puxava seus cabelos loiros, que logo resmungou. - Estou lembrando de como fiquei espantada com essa mansão... De como tudo aqui é tão grande e exagerado... ou talvez eu era só muito pequena para esse lugar.
- Talvez a segunda opção. - ironizou, por ser mais alta que eu.
Sofia Hoffmann: minha prima e melhor amiga. Quando nos conhecemos, ela parecia uma boneca de porcelana, delicada e frágil. Com o tempo percebi a sua força e determinação, o que me levou, involuntariamente, a me comparar a ela. Meu vestido azul estava completamente sujo, e meus sapatos eram grandes demais, feitos para durar.
Uma onda de vergonha me invadiu, e eu queria me encolher, mas isso parecia irrelevante para ela. Assim que me viu, puxou meu braço e me levou até seu quarto, onde me obrigou a escolher um de seus melhores vestidos e bonecas. Naquele momento, decidimos, sem dúvida alguma, que seríamos melhores amigas, e não havia espaço para contestação. Apesar de ser apenas dois anos mais nova, ela parecia muito mais esperta - e realmente era.
- Eu sinto muito, Mel - declarou baixinho, enquanto penteava meus cabelos castanhos. - Sempre que esse dia se aproxima, eu sofro junto com você.
- Já se passaram doze anos... - Virei o rosto para ela e lhe dei um breve sorriso. - Com o tempo, a dor diminui e o que fica é a saudade.
Os seus olhos dispararam os meus, receosos, como se quisesse encontrar a verdade por detrás deles.
- Você é uma péssima mentirosa.
Era inegável o sofrimento, mas fazer com que ainda se preocupasse comigo, era opcional, apesar que, essa data tem o poder de trazer a tona todo sentimento que eu jogo embaixo do tapete durante todos esses anos. Eu tenho colocado minha máscara de força e resistência, mas, sinto que posso ser eu mesma, com toda a minha vulnerabilidade e fraqueza, ao voltar para lá. Posso me permitir sentir e fazer o que eu quero, sem toda a pressão que a família impõe sobre mim. Mesmo que seja apenas por um dia.
Me levantei em direção a Sofia e a abracei.
- Como estou? - perguntei, enquanto dava uma volta para que ela me visse por completo.
- Está linda! Só falta um detalhe... - respondeu, enquanto abria meu closet correndo e me entregava um suéter amarelo. - Use isso... combina com sua calça jeans, e pode esfriar. Ah, mais uma coisa - Sofia me entregou um pequeno buquê de flores brancas. - É para sua mãe.
- Obrigada, irmã.
- Ok, agora vai. - disse, me empurrando para fora do quarto. - E se esbarrar com a minha mãe por aí...
- Eu sei. Não direi que essa ideia foi sua. - Pisquei para ela e sai.
Desci as escadas com passos cautelosos, sentindo meu coração acelerar a cada degrau. A escada, ampla e imponente, se abria elegantemente pelos lados direito e esquerdo, culminando no centro da mansão. Era quase uma obra de arte, com degraus de madeira polida que refletiam a luz natural que entrava pelas grandes janelas. As paredes brancas decoradas com pinturas clássicas, sempre me faziam lembrar do meu pai, já que eram suas favoritas. Acima, o lustre de cristal brilhava intensamente, criando um espetáculo de luz que iluminava o âmago da casa grande, realçando sua beleza.
Meu suéter amarelo brilhava sob essa luz suave, ressaltando a cor vibrante como um raio de sol. Sofia havia escolhido aquele suéter perfeitamente, sabendo que o tom alegre combinava com a energia que eu precisava naquele momento.
Os empregados que passavam por ali me olhavam com respeito e acenavam levemente, e eu retribuía com um sorriso discreto, sentindo que, apesar de todas as memórias pesadas, aquela mansão também era um lugar onde eu pertencia. Os sorrisos dos funcionários me faziam sentir acolhida, como se fossem cúmplices da minha pequena aventura.
Mas ao chegar ao último degrau, avistei minha tia Hanna saindo da sala de jantar, vestindo um vestido verde musgo que contrastava com a luminosidade do ambiente. Seu olhar era intenso e penetrante, como se já soubesse onde eu estava indo, e ela sabia. Não há nada que ela não saiba.
Meu sorriso hesitou por um instante, mas a determinação em meu coração me impulsionou a seguir em frente. Aquele dia era importante para mim, e eu não deixaria que ela o estragasse.
- Não vai se despedir de mim? - indagou, pretensiosa.
Respirei fundo e caminhei em direção a ela. Apesar de morarmos no mesmo lugar, nosso contato era mínimo, e não sabia se isso se devia a mim ou a ela. Nunca fizemos questão de nos aproximar; nunca recebi seu carinho ou cuidado, apenas ordens, conselhos repletos de chantagens e preocupações disfarçadas. Ao analisar seu rosto, era impossível negar sua beleza. Seus cabelos escuros como os meus, estavam presos em um coque sofisticado, e a maquiagem leve ressalta ainda mais suas feições. Minha mãe teria essa aparência se ainda estivesse aqui, mas seus olhos nunca teriam aquele ar tão soberbo.
- Até quando você vai se prender ao passado e continuar visitando aquela casa caindo aos pedaços? - perguntou, com sua voz carregada de desdém.
- Para você, pode ser apenas passado. Mas, para mim, é uma vida. É a minha história, a história dos meus pais... - Elevei um pouco o tom, olhando ao redor. Hanna tinha o poder de me desestabilizar, mas o antídoto era tratá-la com indiferença. - Mas o que se pode esperar de você? Abandonou nossa família e virou as costas quando mais precisávamos. - Dei de ombros. - Ela era melhor do que você.
Hanna soltou uma risada contida, mordendo os lábios, engolindo suas próprias palavras.
- Sinto falta daquela garotinha de oito anos que chegou aqui... tímida, reprimida, e que aceitava tudo sem questionar.
- Sinto muito em decepcioná-la, mas ela não existe mais.
Virei as costas para a pessoa que afirmava que eu podia confiar e que me protegeria de tudo, e segui em direção à saída da mansão. Do lado de fora, Martin me esperava ao lado do carro, e ao me ver, abriu a porta de trás e guardou minha pequena bagagem no porta-malas. Pude notar como o tempo passou ao vê-lo, com seus cabelos levemente grisalhos, vestindo seu terno preto e luva branca, um andar cansado, arqueado, mas com sua postura digna e inabalável, como se carregasse o peso da responsabilidade e dos segredos dessa família, com a mesma firmeza que carregava o seu quepe.
- Bom dia, senhorita. Para onde vamos? - perguntou, ao me olhar pelo retrovisor.
- Vamos para a Casa de Campo.
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Memórias de Novembro - Dark Romance
Storie d'amoreDARK ROMANCE LEVE - HOT - SLOW BURN - ELE ME IRRITA! - POLÍTICA - CRIMES - PODER Melinda Hoffmann é uma jovem marcada pela tragédia desde a infância. Após perder seus pais de maneira brutal, ela é acolhida pela misteriosa tia Hanna, irmã gêmea de...