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MARIANA

Fui até a cozinha, sentindo a falta de qualquer propósito em meus passos. Agora, parecia que o tempo se arrastava, como se a casa estivesse esperando por eles para voltar a ser o que era antes.

O silêncio aqui em casa sempre me incomodou, mas hoje ele parece mais cruel. Meus dedos seguram um pequeno cupcake, ridículo e solitário, com uma vela amarela já torta no meio.

Comprei de última hora na padaria da esquina, fingindo para a atendente que não era importante. E de certa forma, não era mesmo. Como poderia ser, quando não há ninguém mais para comemorar comigo?

Esse é meu segundo aniversário sozinha e enquanto olho para a chama trêmula da vela, sou tomada pelas lembranças. 

Eu tento afastá-las, mas é impossível. Faz dois anos que o mundo inteiro desabou em uma curva qualquer da estrada. Dois anos desde o acidente.

Deixaram um vazio que eu não sei como preencher, por mais que tente seguir em frente, e eu queria isso... desesperadamente.

Meus olhos começam a arder, e eu mal percebo que uma lágrima escapa e cai no cupcake, molhando a cobertura colorida.

Limpo rapidamente o rosto com a manga da blusa, mas é inútil. As lágrimas continuam a escorrer, uma após a outra, sem que eu possa impedir.

— Parabéns pra mim. — murmuro baixinho, minha voz embargada pelo choro.

O som ecoa na cozinha vazia. O silêncio responde de volta, como uma companheira cruel que se diverte com a minha dor. Fecho os olhos por um momento, tentando controlar a respiração.

Tento, mas a saudade é tão grande que me sinto sufocada por ela. Queria poder ouvir a voz da minha mãe, me chamando de "minha menina" de novo, nem que fosse por um instante.

Ouvir meu pai contar uma de suas piadas bobas, aquelas que me faziam revirar os olhos, mas que agora eu daria qualquer coisa para ouvir.

E meu irmão, sempre implicante, sempre me provocando. Até das provocações de Felipe eu sinto falta.

Parece que parte de mim ficou presa naquele dia, naquele exato momento em que recebi a notícia. A vida continuou para o resto do mundo, mas não para mim. Para mim, tudo congelou.

Seguro o cupcake com mais firmeza, como se isso pudesse me ancorar no presente. A vela ainda trêmula à minha frente, a chama pequena e fraca. Observo-a, hipnotizada, por alguns segundos. Nunca me senti tão sozinha, tão perdida.

Uma lágrima escorre e cai na minha mão, e eu finalmente percebo o que estou fazendo. Estou aqui, chorando sozinha, em frente a um bolinho patético com uma vela igualmente patética.

Por que ainda estou fazendo isso? Para quem? Ninguém vai aparecer. Ninguém vai bater na porta e me surpreender com um abraço apertado. Não há bolo, não há risos, não há presentes. 

É só o vazio.

Eu me viro para a janela. Lá fora, a vida continua, indiferente ao meu luto. As pessoas têm suas rotinas, seus afazeres. Elas continuam, mesmo que o meu mundo tenha parado.

Eu sei que preciso seguir em frente. É o que todos dizem. Mas como? Como você segue em frente quando tudo o que conhecia e amava foi arrancado de você? Meu emprego, que eu mal me importava, foi a última coisa que me restava, e até isso perdi.

Faça um desejo, minha menina. — Uma voz suave, doce, quase como um sussurro, acaricia meus ouvidos. Viro a cabeça bruscamente, os olhos percorrendo cada canto da sala vazia.

Um arrepio percorre minha espinha, fazendo os pelos dos meus braços se erguerem. Era impossível... mas, ao mesmo tempo, aquela voz... Ela soava exatamente como a da minha mãe.

Agora estou alucinando também? Minha cabeça rodava com aquela ideia. Talvez fosse isso... talvez a dor finalmente tivesse me quebrado. O sofrimento transformado em uma loucura silenciosa, pronto para me consumir.

Respiro fundo, lutando para não rir da minha própria loucura. Tão clichê quanto possa parecer, tudo o que eu queria era um respiro de felicidade.

Ou talvez... qualquer coisa que me faça sentir viva de novo, pensei.

Com a vela ainda acesa diante de mim, eu faço um pedido. O mais simples e puro que já fiz em anos.

"Só queria ser feliz de novo", pensei, silenciosamente, antes de soprar a vela.

A chama desaparece em um instante, e a sala mergulha na escuridão. Tudo que resta é o cheiro de cera queimada e a quietude sufocante. Abro os olhos e vejo o minúsculo fio de fumaça subindo da vela, se dissipando no ar.

Acabou.

Eu deveria sentir algum tipo de alívio, mas tudo que sinto é um buraco ainda maior no peito. A vida não é um conto de fadas. Não há magia aqui.

Mas algo estranho acontece.

Por um momento, há um frio repentino no ar, um arrepio que corre pela minha espinha. Olho em volta, confusa. De repente, sinto uma leve tontura, como se o mundo tivesse girado rápido demais por um segundo. Seguro a mesa para não cair.

— O que... — murmuro, olhando em volta.

Algo definitivamente está errado. A escuridão parece mais pesada, mais densa. Eu ouço um som estranho, um zumbido distante, que cresce aos poucos, ecoando na minha cabeça. Fecho os olhos novamente, tentando dissipar a tontura.

Quando abro os olhos de novo, o mundo à minha volta desapareceu. A sala, a mesa, a vela... tudo havia desaparecido. Em vez da minha cozinha, me encontro ao ar livre, cercada por árvores enormes e um campo vasto que se estende até onde minha vista alcança.

O ar é diferente, mais fresco, mais puro, diferente do ar denso e pesado da cidade, e o som da natureza ao meu redor é intenso demais, como se alguém tivesse aumentado o volume de repente.

Dou um passo para trás, mas tropeço e caio de joelhos no chão, sentindo a grama úmida sob as mãos.

— Como assim? — minha voz é um sussurro assustado, mal reconhecível.

Olho em volta, meu coração martelando no peito. Isso só pode ser um sonho, ou talvez um pesadelo. Não há outra explicação.

Um minuto atrás eu estava na minha cozinha, e agora...

— Isso não pode ser real. — digo a mim mesma, tentando me acalmar. Mas nada ali faz sentido.

Ocupada demais com o pânico que cresce dentro de mim, mal percebo quando ouço passos pesados se aproximando.

Levanto a cabeça devagar, e meus olhos se arregalam.

Acordo com a Fera [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora