MARIANA
Eu estava sentada ao lado da cama, observando Augusto ainda desacordado.
Cada respiração dele parecia tão frágil que me dava medo. Medo de que, a qualquer instante, parasse.
Fiquei assim até que o ranger apressado da porta me tirou do transe.
— Onde ele está? — A voz grave e urgente do doutor Coutinho encheu o ambiente.
Levantei-me de imediato, sentindo o coração acelerar.
— Aqui, doutor! — falei desesperada.
Ele se aproximou com passos rápidos, a maleta balançando em sua mão. Rute, Ofélia e Geórgia surgiram logo atrás dele, seus rostos uma mistura de preocupação e medo.
Coutinho lançou um olhar severo para o grupo.
— Preciso que saíam, por favor. Tenho que ficar sozinho com o paciente para fazer o meu trabalho, senhoras.
Rute estremeceu e se apressou em sair junto com Ofélia, mas Geórgia hesitou, lançando-me um olhar breve antes de sair, mas eu não me movi.
— Senhora Mariana... — a voz do médico carregava um tom de aviso.
Eu ergui o queixo.
— Eu fico.
Nada iria me tirar dali. Nada.
Ele me encarou, avaliando a teimosia que eu tinha certeza que estava estampada no meu rosto.
— Vou precisar tirar a máscara dele. — Avisou, como se aquilo fosse me fazer sair. — Não sei se é algo que a senhora deva ver.
— Eu vou ficar, doutor!
Coutinho suspirou, cansado da discussão.
— Como quiser. Mas não reclame depois. Não quero problemas com Augusto quando ele acordar.
Coutinho pousou a maleta sobre a mesa e começou a preparar alguns instrumentos.
Minha respiração ficou presa no peito quando ele se inclinou sobre Augusto.
— Ele ainda está desacordado, mas está respirando e os sinais estão bons. — Coutinho murmurou, a concentração estampada no rosto. — Isso é um bom.
Então, ele começou a remover a máscara que cobria parte do rosto de Augusto. Meus olhos seguiram cada movimento, como se o tempo tivesse desacelerado.
Assim que ele retirou, vi as as marcas.
A pele deformada pelas queimaduras que cruzavam parte do rosto dele. Cicatrizes profundas, a carne marcada pelo fogo.
Minha respiração ficou presa no peito.
Não era choque. Não era nojo. Era dor.
Uma dor tão intensa que me roubou o ar.
— Ah, Augusto... — Sussurrei, quase chorando.
Coutinho não parou. Com cuidado, começou a abrir a camisa do meu marido, revelando as cicatrizes que eu já conhecia. Mas, ainda assim, nada se comparava ao que estava no rosto dele.
Minha garganta queimava, mas engoli as lágrimas. Ele não precisava da minha pena.
— Ele as escondia até mesmo da senhora, não é?
— Sim. — Respondi sem desviar os olhos de Augusto. — Ele nunca me deixou ver.
— Augusto tem vergonha. — O médico continuou enquanto organizava seus instrumentos. — Mais do que deveria.
— Ele não precisa ter vergonha de mim. — Murmurei, estendendo a mão e tocando de leve as cicatrizes em seu rosto.
A pele ali era áspera, irregular, mas aquilo não importava. Era Augusto.
— Nunca iria abandoná-lo por isso.
Coutinho ergueu os olhos para mim, avaliando minha reação. Depois de um momento, soltou um suspiro.
Percebi um movimento discreto. O médico, ainda concentrado nos cuidados, esboçou um sorriso de canto.
— Augusto tem sorte de ter uma mulher como a senhora ao lado dele.
Desviei o olhar por um segundo, surpreendida pelo comentário.
— Não... — murmurei, voltando a olhar para Augusto. — Sou eu quem tem sorte, doutor.
Coutinho parou, os dedos ainda segurando um instrumento qualquer, e me olhou.
Acariciei o rosto do meu marido, sentindo a textura áspera das cicatrizes sob os dedos.
— Ele é tudo o que eu precisava.
— Um homem tão difícil, teimoso e reservado... como pode ser "tudo o que você precisava"? — brincou.
Soltei um riso curto e sem humor, ainda sem desviar os olhos de Augusto.
— Porque ele é mais do que isso. Augusto tem tantas camadas. Ele tenta ser frio, impassível, mas é tão humano... tão quebrado. — Meus olhos marejaram, mas segurei as lágrimas. — E ainda assim, ele me faz sentir como se eu fosse a única coisa que importa.
Coutinho inclinou a cabeça, interessado.
— E isso basta?
— Não é só isso. — Balancei a cabeça, me forçando a organizar os pensamentos. — Ele é o tipo de pessoa que você quer proteger, mesmo quando ele insiste que não precisa. O tipo que te ama do jeito mais bruto e intenso, mas que faria qualquer coisa para te manter segura. Ele é tudo para mim.
Houve um momento de silêncio. O médico me observou com uma expressão indecifrável antes de dizer:
— Você realmente o ama.
Sorri, com lágrimas nos olhos.
— Infinitamente.
Coutinho voltou a organizar os instrumentos em sua maleta, a expressão suavizando um pouco.
— Nesse caso, senhora Mariana, talvez vocês mereçam essa sorte. Ambos.
Não respondi. Em vez disso, voltei a me concentrar em Augusto, deixando minhas mãos descansarem sobre a dele.
— Eu só quero que ele saiba disso. — Sussurrei, mais para mim mesma. — Que ele não precisa carregar tudo sozinho.
Coutinho fechou a maleta e se preparou para sair, mas parou antes de abrir a porta.
— Ele vai saber, Mariana.
O som da porta se fechando foi a única resposta que ele deixou para trás.
Inclinei-me para mais perto de Augusto, meus lábios tocando seu rosto marcado.
— Você é tudo o que eu precisava, querido. E eu nunca vou te deixar esquecer disso.
Fiquei ali, deitada ao lado dele, ouvindo o som de sua respiração enquanto o mundo lá fora parecia tão distante.
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Acordo com a Fera [Concluído]
RomanceTrilogia Paixões Rurais | #2 Mariana estava acostumada a perdas. Mas no dia de seu aniversário, ao fazer um simples pedido, sua vida vira de cabeça para baixo. Sem entender como, ela acorda em uma fazenda no ano de 1859, diante de um homem misterios...