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MARIANA

O som ritmado dos cascos batendo contra o chão preenchia o estábulo, misturado aos grunhidos graves e irregulares do cavalo.

Augusto segurava as rédeas com força, os músculos dos braços tensionados, tentando domar o cavalo arisco que se recusava a obedecer.

Eu olhava tudo de longe, com coração acelerado. Flora estava ao meu lado, tão atenta quanto eu, os olhos arregalados fixos na cena.

Mas alguma coisa estava errada.

O cavalo — um animal imponente, com músculos rígidos e olhos selvagens — estava mais agitado do que o normal. Suas narinas dilatavam, bufando alto, e os olhos brilhavam em puro desespero. Ele empinava violentamente, as patas dianteiras cortando o ar, enquanto Augusto lutava para mantê-lo sob controle.

Ele era louco!

— Vamos, garoto... calma — ouvi Augusto murmurar.

Mas não adiantava. O cavalo parecia fora de si.

Meu estômago se revirou, e meu corpo inteiro ficou tenso, como se eu também estivesse naquela arena.

— Augusto... — sussurrei para mim mesma, sentindo um nó apertar minha garganta.

Por que ele tinha que insistir em algo tão perigoso?

O cavalo empinou mais uma vez, com violência, e Augusto puxou as rédeas com toda a força. Mas aquele animal não cederia. Girou bruscamente, e naquele instante eu soube que algo ruim ia acontecer.

— Augusto! — meu grito escapou antes que eu pudesse impedir.

Foi rápido demais.

O cavalo se virou com brutalidade, e Augusto perdeu o equilíbrio. O corpo dele foi lançado para o lado como se não pesasse nada. Ele caiu com força no chão, o impacto seco ecoando alto no silêncio que se seguiu.

Flora engasgou ao meu lado, apertando meu braço com tanta força que doeu.

— Meu Deus... — ela sussurrou.

Eu não pensei. Simplesmente corri.

O som dos meus passos ecoava pelo estábulo, misturado ao som abafado da respiração pesada do cavalo, que ainda trotava inquieto, mas agora mais afastado.

— Augusto! — gritei, a voz falhando.

Ele estava caído de lado, e o peito subia e descia de forma irregular, mas pelo menos ele respirava. Seu rosto estava pálido, sujo de poeira, e um fio de sangue escorria de um corte na testa.

Me ajoelhei ao lado dele, as mãos trêmulas sem saber onde tocar.

— Augusto... — chamei de novo, mais baixo, como se sussurrar fosse fazê-lo acordar.

Nada.

— Flora! Chama ajuda! — gritei por cima do ombro, sem desviar os olhos dele.

Ela não pensou duas vezes. Saiu correndo.

Tentei controlar o pânico que subia pela garganta.

— Você vai ficar bem, tá me ouvindo? — minha voz tremeu.

Ele não respondeu.

Quando vi alguns homens se aproximando, gritei:

— AJUDEM, POR FAVOR! — gritei com toda a força que meus pulmões permitiram.

Dois homens que estavam próximos correram até mim, mas pareciam tão perdidos quanto eu.

— ELE DESMAIOU! PEGUEM ELE! — berrei, a voz trêmula.

Eles hesitaram por um segundo, parecendo em choque, antes de se agacharem para levantar Augusto. Eu me abaixei junto, as mãos tremendo ao tocar o rosto dele. Pálido. Frio.

— Augusto... — sussurrei, minha voz falhando. — Por favor, acorda...

Mas ele não se mexia.

— Vamos levar ele para casa! — ordenei, e minha voz soou estranha até para mim.

Os homens carregaram Augusto com cuidado. Eu os segui de perto, o coração martelando no peito. As lágrimas já começavam a turvar minha visão, mas eu não me permitia desmoronar. Ele precisava de mim.

Quando atravessamos a porta da casa, minha respiração já estava descompassada.

— No meu quarto! — ordenei, apontando com um gesto apressado.

Os empregados me obedeceram.

O quarto parecia pequeno demais com tanta gente ali, mas eu não me importava.

Augusto foi colocado sobre a cama, o corpo mole como se fosse feito de pano.

— Meu Deus... — minha voz saiu quase num sussurro.

Antes que eu pudesse pensar no que fazer, a porta foi aberta com força.

— O que aconteceu?! — Rute entrou, ofegante, o rosto banhado em lágrimas. Seus olhos arregalados buscaram Augusto, e um soluço escapou de seus lábios.

— O cavalo... — minha voz falhou. — Ele foi derrubado...

Ela levou as mãos à boca, chocada.

— Não! Não! Patrão, meu Deus! — Ela se aproximou, mas eu a segurei pelo braço.

— Rute, escuta! — Supliquei. — Manda o Quinzinho chamar o doutor Coutinho AGORA! RÁPIDO!

Ela assentiu com a cabeça, as lágrimas caindo.

— Vou... vou agora! — saiu apressada, gritando por Quinzinho pelo corredor.

Eu me virei de volta para Augusto.

Me ajoelhei ao lado da cama, as lágrimas finalmente escorrendo pelo meu rosto.

— Por favor, Augusto... — minha voz saiu baixa, quase sem vida.

Minhas mãos tremiam quando toquei seu rosto.

— Não... não faz isso comigo. — sussurrei, implorando. — Eu já perdi todo mundo.

As lembranças vieram como um golpe, pesadas e cortantes.

A casa vazia.

O silêncio.

O vazio que nunca passou.

— Eu não posso perder você também. — Um soluço rasgou minha garganta, e eu levei a mão ao peito, tentando conter a dor.

O medo me sufocava. Eu não suportaria passar por isso de novo. Não suportaria mais um luto.

Aproximei meu rosto do dele, sentindo sua respiração fraca, quase inexistente.

— Fica comigo, por favor. — Minha voz era um sussurro desesperado. — Não me deixa sozinha.

Meus dedos buscaram sua mão, apertando-a com força, como se assim pudesse trazê-lo de volta.

O tempo parecia parado.

Os segundos se arrastavam.

Até que ouvi passos apressados no corredor e Rute voltou, ofegante.

— Quinzinho já foi atrás do doutor! — Ela chorava, mas tentou se recompor. — Ele vai vir rápido, Mariana, ele vai vir!

Eu apenas assenti, sem forças para responder.

— Ele vai ficar bem... — Rute sussurrava mais para si mesma do que para mim. — Vai ficar bem...

Continuei ali, segurando a mão de Augusto, sentindo meu próprio coração despedaçar.

No meio de tudo aquilo, a única coisa que eu queria era que ele respirasse fundo, que abrisse os olhos e dissesse que estava tudo bem.

Acordo com a Fera [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora