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JJK

Posso dizer que eu não fui um filho que deu muitos problemas para a família. Eu os evitava - os problemas e a minha família. O filho que não deu trabalho. Tudo o que eu podia fazer era não jogar mais peso nas costas de todos.

Com a descoberta da doença do meu pai, tudo e todos em casa mudaram. 

A doença de Huntington veio para a nossa família há muito tempo. É uma doença neurodegenerativa que afeta o sistema nervoso central, o que dificulta no funcionamento dos membros, pensamentos, humor, memória... isso muda toda a rotina do indivíduo e, consequentemente das pessoas a sua volta. Meu avô faleceu com essa doença, portanto esperávamos a possibilidade de isso acontecer, seja com Dongyeon - meu pai -, ou com Dongsuk, meu tio. 

Os sintomas começaram a aparecer quando Jihye — minha irmã mais nova — nasceu, eu ainda era criança. Ele começou a ter leves tremores enquanto a segurava, até mesmo a sentir enfraquecimento do músculo. Eram espasmos leves que davam para esconder, mas suficientes para causar-lhe pânico. Meu avô teve os mesmos sintomas, então ele já tinha uma ideia do que poderia ser, até por ser uma doença hereditária.

Ele procurou o médico sem a família saber. Não quis contar a alguém para não se desesperar ainda mais com as reações. Achava que seria melhor digerir sozinho primeiro para depois contar para nós. Sinto que eu faria mesmo em

Demorou um tempo até que contasse para toda a família sobre o diagnóstico. Foi confirmado que era DH. Foram nos contando aos poucos. Ainda estava leve, então começou o tratamento. Mas foi ficando cada vez pior.

Depois que Jihye completou seis anos, meu pai já não conseguia mais agir como antes. Como havíamos crescido sabendo sobre ele, aprendemos a lidar com o que a doença dele. Tínhamos esperança de que ele poderia melhorar, se cuidássemos dele.

Aos poucos ele foi se afastando de nós e quem mais tinha comunicação com ele era a mamãe e — depois os sintomas foram se intensificando até chegar ao ponto de não conseguir fazer algumas tarefas sozinho — os enfermeiros.

No entanto, não pude deixar que minha irmã ficasse sem a presença de amor, carinho e respeito. Enquanto nossos pais estavam ocupados demais, eu a tomei como minha responsabilidade, ainda que também tentasse cuidar dele.

Na frente das pessoas, tentei mostrar o lado mais forte que tinha. Mas as pessoas conheciam minha vulnerabilidade e se aproveitaram disso. O que faltou para mim na infância, as pessoas me ofereciam e eu achava lindo. Achava que me sentiria menos sobrecarregado tendo em mente que alguém estava cuidando de mim enquanto eu cuidava da minha família. Me enganei com pessoas que só dependiam de mim, usavam minhas condições financeiras para bancar diversões. Acredite ou não, demorei anos para entender o que acontecia.

Esse é o ponto. A carência. A necessidade de afeto. Dei tudo de mim, tudo o que as pessoas precisavam, mas não tive uma retribuição. Não pude receber dos meus pais pois estavam ocupados com consultas, com a empresa, algumas vezes internação... Ainda assim, eu não falava sobre isso com eles. Mas quando alguém, que não era próximo a eles, me perguntava sobre como me sentia, eu me abria facilmente me sentindo tão importante a ponto de parecer irritante e me sentir culpado por falar apenas sobre mim.

Durante as férias, antes de ingressar no meu último ano do ensino médio, na primeira semana do ano novo, aconteceu algo que nos assustou muito.

Meu pai surtou no escritório dele, começou gritar e bater nas móveis, jogou alguns objetos no chão, extremamente irritado e chorava muito. Jihye havia o encontrado primeiro. Ele estava de costas e a viu na porta. A cena era ele batendo em si mesmo e atirando os livros no chão. "Não, eu não posso... eu não posso esquecer", repetia. Nunca o vimos chegar a tal estado. Minha irmã ficou assustada e ele se jogou no chão chorando quando a notou. É isso o que ela lembra.

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