4- CELULAR

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Um reflexo esmaecido das luzes amareladas dos postes cintilava nas poças d'água da rua. Lucas, de mãos trêmulas de excitação, carregava aquele pacote enquanto caminhava apressado para casa. Dentro, embrulhado em plástico simples e seguro numa caixa, estava o que ele tanto esperava: o celular "novo" que comprara a preço de barganha.

Juntou dinheiro há meses para conseguir comprar o novo aparelho e a ansiedade tomava conta todos os dias desde que finalizara a compra. Por mais que o objeto fosse usado, ele se sentia feliz em finalmente ter um iPhone novo em mãos.

No quarto, iluminado apenas pelo brilho frio da tela do computador em repouso, Lucas desembrulhou o celular. Era um modelo seminovo, e bordas quase intactas, nada desgastadas e com arranhões sutis no vidro. Ele o ligou. O visor acendeu, refletindo em seus olhos cansados.

Continuava fascinado com o aparelho, olhando suas configurações, os acessos que aquele modelo possuía. A primeira coisa que que notou foi a ausência e qualquer redefinição de fábrica. O sistema não fora apagado. Isso o fez ficar curioso, como se uma pulga lhe ficasse atrás da orelha. Ele abriu os arquivos internos e várias pastas ali residiam.

Havia fotos, vídeos e áudios armazenados. Era como se o antigo dono tivesse desaparecido subitamente, deixando para trás os rastros de uma vida incompleta.

Lucas, vamos ir ao mercado, quer ir junto? — Sua mãe gritou para ele.

— Não, estou ocupado. — Respondeu sem tirar os olhos do aparelho.

A tela iluminava o rosto agora e ele via inúmeras mídias presentes lá dentro. São do antigo dono mesmo, pensou ao abrir um vídeo com a data de 23 de agosto de 2022, às 22h26. No vídeo, apenas mãos eram vistas a princípio, como se tivesse sido filmado em primeira pessoa, caminhando com pressa pelas ruas de uma cidade qualquer.

Uma câmera escondida na roupa, talvez?

O áudio mostrava a pessoa ofegante e rindo baixinho. Havia ela acabado de sair de uma corrida noturna? Não sabia dizer, a câmera mostrava seus pés de vez em quando e aqueles não eram tênis ideias para corrida. O vídeo acaba quando a pessoa em questão vira numa esquina.

Outra mídia estava presente. Mesma data, às 21h49.

Uma grande calçada se estende, os ventos balançam as árvores, mas nenhum sinal de chuva. O homem agora está mais quieto, não anda com a pressa de antes e também não ri. A iluminação é péssima assim como a qualidade do vídeo. Uma silhueta se aproxima dele, a voz mansa, sedenta e calorosa:

— Procura por diversão aqui, meu bem?

Uma prostituta.

— Sempre. — O homem diz. A voz grave, como de um locutor de rádio.

Ela desliza uma mão em seu braço, sentindo os músculos dele, depois as passa em seu corpo e, sem querer, bate na câmera que estava escondida. Lucas observa vem o rosto dela mudar quando percebe que há algo a mais ali.

— Você está me filmando, porra? — Pergunta a mulher. Tinha uma fisionomia fina, morena, de cabelos lisos e negros, um shortinho jeans e sutiã vermelho. Usava por cima um casado também jeans que cobria os ombros. O casaco caiu quando ela o empurrou, enfurecida. Praguejava e jogava os cabelos para as costas.

O homem riu. A princípio, era uma risada fraca, depois, ao se aproximar novamente dela, a risada se tornara mais frenética.

— Tá maluco, caralho?

— Sim. Sim. Sim.

Ele a eletrocutou com uma arma de choque, o brilho azulado em seu pescoço, a forma como o corpo tremia e se debatia no chão, os gritos dela que foram abafados quando o homem chutou sua barriga, tudo isso somado fez o cérebro de Lucas parar por um instante. Assimilar toda a situação o fez ficar mal.

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