GABRIEL ALVES
Carlos estava morto.
Simples assim. Não era uma constância difícil de entender ou uma questão matemática sem solução. Seu coração parou de bombear sangue para o cérebro e não existia mais ar em seus pulmões. Ele estava morto.
Aconteceu na madrugada. Ele se enforcou em seu quarto quando estava sozinho, sem ninguém que pudesse impedi-lo. Sabe se lá quantas horas ele tinha ficado daquele jeito antes que seus pais o encontrassem.
Gabriel tinha acordado sobressaltado com o barulho das sirenes. O som agudo cortava o silêncio da madrugada como uma melodia fina e macabra. Com os olhos ainda semicerrados de sono, ele cambaleou para fora de seu quarto, guiado pelas luzes azuis e vermelhas que iluminavam o quarto pela janela.
Não demorou para que encontrasse a fonte do barulho. Vinha de uma ambulância estacionada em frente à casa de Carlos.
Depois de alguns minutos observando a cena ele viu saírem de dentro da casa dois paramédicos, carregando uma maca com um corpo coberto por um tecido branco. Após isso, foi a vez dos pais de Carlos deixarem o imóvel, a mulher em prantos. Seu choro era a coisa mais angustiante que Gabriel já ouviu em sua vida. Não demorou para ele descobrir a quem pertencia o corpo.
Isso havia sido há dois dias.
E a ficha ainda não tinha caído. Parecia algo surreal demais para acreditar. Não que ele realmente acreditasse que Carlos estava vivo, mas a sensação que permeava era a de que a qualquer momento ele encontraria Carlos, fosse na escola, na padaria que ele trabalhava ou o veria pela cidade. Tudo estaria normal.
Mas isso não aconteceu. A padaria sequer havia sido aberta, em sinal de luto. A notícia se espalhou mais rápido do que uma onda de mar se quebrando, toda a cidade sabia. Ele ouviu as pessoas comentarem, algumas lamentaram, outras ridicularizaram quando descobriram o motivo da morte. Não era um segredo afinal.
Porém, não importava quantas vezes ele ouvisse sobre isso, ele só conseguiu de fato acreditar quando a prova mais irrefutável de todas estava bem na sua frente.
O corpo de Carlos, adornado de flores fúnebres, dentro de um caixão marrom. Ele estava sendo enterrado, era seu enterro. Ele realmente estava morto. Não tinha prova maior que essa, não havia mais esperança infundada.
Ele não podia continuar se enganando, se permitindo acreditar que tudo não passava de um sonho. Uma coisa era ouvir as pessoas falarem, encarar o corpo sem vida era outra completamente diferente. Não havia mais dúvidas, apenas a certeza corroente que tudo de fato acabou.
A chuva castigava o cemitério como se chorasse por aquela vida tão jovem. O chão estava lamacento, sujando seus sapatos. Gotas d'água caíam nos olhos de Gabriel, embaçando sua vista. Mas ele não parou de olhar. A imagem era mórbida, quase cruel de se observar, e fez seu estômago se revirar.
As dezenas de lápides ao redor, de pessoas que um dia já tiveram sonhos, já amaram e foram amados, conseguiram deixar o clima ainda mais pesado. A maioria delas estavam cheias de musgos, com a estrutura rachada e danificada. Foram abandonadas ao relento, esquecidas pelos anos.
A lápide de Carlos era a mais nova dali, internamente Gabriel prometeu a si mesmo que faria o que estivesse ao seu alcance para não deixar ela se tornar como aquelas outras. Era o mínimo que ele poderia fazer.
Olhando ao redor, Gabriel não pode deixar de se sentir triste. Não porque tinha alguém jogado sobre o caixão de Carlos chorando sua morte, e sim porque não havia ninguém. Conseguia ser pior.
As poucas pessoas reunidas ao redor do caixão consistiam apenas em um pequeno grupo. Alguns meros parentes, o pai de Carlos estava aqui, mas sua mãe não. Renata muito provavelmente estava dopada nesse momento, incapaz de lidar com a dor da morte do seu único filho.
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O Mar Do Tempo
Storie d'amoreO que aconteceria se um dia você acordasse e se deparasse com seu vizinho na sua porta? Esse cujo o enterro foi a poucos dias? Foi isso que aconteceu com Gabriel. Ele havia visto Carlos, seu vizinho, colega de classe e aquele que deveria estar mort...