IV

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   Fico pensando em como eu consegui pegar tal intimidade com Gael ao ponto dele dar em cima de mim e me dar presentes mais brega doque um pedido de namoro em público. Ele fica me dando flores e as vezes fica o dia todo abraçado comigo, dizendo estar carente. Já me chamou várias vezes para a casa dele, tanto que os pais dele estão começando a suspeitar oque fazemos no quarto. Sei que não fazemos nada de errado, mas vai que , na visão deles, dois homens ficarem se abraçando é errado? Não 𝙨𝙚 𝙖𝙗𝙧𝙖𝙘̧𝙖𝙣𝙙𝙤, mas ele ficar agarrado em mim enquanto tento mexer no celular. Gosto de ficar com ele, mas toque físico não é meu forte.

   Estava caminhando na praça com Gael quando ele se agacha do nada , pega uma margarita , e coloca no meu cabelo. Fico olhando pra ele por um tempo enquanto ele sorri e fica quase que me analisando.
   - Você é bem chato, sabia?
   Ele da de ombros e segura minha mão, me puxando para mais dentro do parque, me obrigando a sentar no banco.
   - Fica quieto aí - Ele manda - quero fazer uma coisinha.
   Reviro os olhos e solto um suspiro. Crianças. Até esses dias atrás era um adolescente chato que tomava cerveja sem lavar a latinha, e agora é uma criança encapetada que fica me dando florzinhas e dormindo agarrado em mim. Em qual momento ele olhou pra mim e pensou : "Com certeza ele é especial para mim". Não que eu me importe, mas nunca fui de demonstração de carinho.
   Ele começa a pegar várias florzinhas brancas da grama e a coloca-las no meu cabelo. Para quê? É bonitinho, mas vou ter que tirar tudo e ainda fico pensando se algum cachorro mijou em cima e agora ele está colocando essas coisas no meu cabelo. Hoje nem é dia de lavar o cabelo. Após alguns minutos ele para e fica na minha frente, com um sorriso de orelha a orelha , dando pequenos pulinhos.
   - Ta lindo! As margaritas combinam com seu cabelo.
   - Por que?
   - O ruivo da contraste e fica bonitinho.
   Sorrio levemente e solto um suspiro.
   - Você parece uma criança.
   - E você um velho ranzinza que não gosta de nada.
   Ele diz e se senta do meu lado, passando o dedo pelo meu cabelo.
   - Laranja é minha cor favorita.
   - Meu cabelo é vermelho.
   - Minha cor favorita é vermelho.
   Ele fica um tempo em silêncio e logo faz uma expressão de quem teve uma ideia, oque me assusta um pouco.
   - Sua raiz esta grande já. Posso colorir pra você?
   - Não. - Disse sem hesitar.
   Ele fica emburrado e faz biquinho.
   - Por queeee???
   - Porque você vai destruir o meu cabelo - Ele fica fazendo aquela carinha de criança quando quer alguma coisa. Solto um suspiro, me rendendo - Ok. - Ele sorri e posso ver o brilho em seus olhos. Ele praticamente se joga nos meus braços para me abraçar.

   No que foi que eu me meti? Estávamos em minha casa, estava sentado numa cadeira enquanto Gael tentava seguir um vídeo que ensinava a pintar a raiz do cabelo. Era só passar a tinta. As vezes a mente das pessoas riquinhas é tão fechada que me assusta. Me ofereci umas dez vezes para ajudar ou ensinar ele, mas ele não aceitou e continuou tentando seguir o tutorial.
   Meu cabelo ficou manchado. Ele não soube passar a tinta só na raiz e deixar o tempo certo. Ele ficou o tempo todo tentando me pedir desculpas. No final eu tive que descolorir meu cabelo ,que nunca precisou ser descolorido, e passar um tonalizante preto, já que se eu passasse o vermelho novamente iria ficar mais manchado ainda. Meu Deus. Onde foi que eu ke enfiei? Parece que vou ter que ficar longos meses passando por uma transição de cor - oque não vai ser difícil, já que meu cabelo natural é preto mesmo - só dai pra poder pensar em passar outra cor por cima. Para facilitar minha vida e eu souber exatamente o quanto meu cabelo cresceu, Gael me deu a ideia de deixar a raiz vermelha, já que não estava manchado, e ser meio que uma "divisória" do tonalizante preto para o meu cabelo natural e, conforme meu cabelo ia crescendo, eu pintava mais de vermelho. Iria ficar ridículo. Não precisaria fazer isso se ele não tivesse cagado no meu cabelo.
   Briguei com ele e ele está encolhido no canto da parece, em cima da minha cama, até agora fazendo birra. Ele deve estar lá á uns vinte minutos para mais. Não iria ficar insistindo o perdão dele, foi ele quem fez merda. Avisei a ele que iria dar uma saída e deixaria a porta aberta, se ele quisesse ir embora que trancasse a porta pelo menos.
   Sentia falta da minha mãe, ela voltou a trabalhar esses dias e agora estou ficando mais sozinho em casa, já que nossos horários não batem.
   Fiquei de baixo de um poste  aceso , encostado nele, enquanto fumava. Tentava tirar da minha cabeça que eu não deveria deixar um semi estranho na minha casa sozinho, estava com um presentimento ruim. Fumei uns três cigarros antes de voltar para casa. Quando entrei em casa, vi minha mãe e Gael conversando á mesa de jantar. Me sentei em uma das cadeiras, meio desconfortável com a chegada repentina de minha mãe, mas logo fui me acalmando quando percebi que eles estavam sendo simpáticos um com o outro.
   Minha mãe olha para mim e puxa minha orelha, que tenho me soltar dela.
   - Seu doido! Deixar a criança sozinha em casa sem supervisão e com a porta aberta!
   - Desculpa!
   Escuto Gael rindo de mim e minha mãe logo me solta. Passo a mão na orelha , de cabeça baixa.
   - Não aprende nunca, parece que não sabe como cuidar de criança.
   - Ele sabe se cuidar.
   - Você dizia a mesma coisa pro Heitor.
   Olho para ela e me levanto, ela logo entende que falou de mais.
   - Já está tarde. Gael tem que voltar para casa.
   Ele me olha sem entender nada e se levanta, se despedindo brevemente de minha mãe e eu o sigo até a porta. Quando estávamos fora de casa, ele olha para mim antes de sair andando.
   - Quem é Heitor?
   - Não é de sua conta. Vá para casa e esqueça isso.
   Ele bufa e revira os olhos. Estava com raiva e desconfortável, e ele notou isso. Eu não era de me abrir e não gostava de falar muito sobre meu passado, mas ele gostava de quando eu contava histórias sobre mim, e as vezes acabava ficando frustrado quando eu não lhe dava satisfação de alguma coisa que ficou pela metade.
   Ele ainda vai descobrir. Ele vai fazer de tudo para descobrir.
   Ele se vira e começa a andar em direção a própria casa. Fico observando ele de longe até ter certeza de que estava seguro e voltei para a minha própria casa.

O "Damo" e o VagabundoOnde histórias criam vida. Descubra agora