Como tudo começou.

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Tudo começou no dia cinco de maio, quando eu nasci. Sou Caio, futuro rei de Aquira. Minha família sempre foi muito tradicional, o que se deve esperar da família real. Como mencionei antes, sou o herdeiro do trono e sempre almejei estar na linha de frente, sucedendo meu pai. Meu pai é e sempre foi o meu ídolo; sempre quis ser como ele: forte e destemido. Mas meu pai nunca me pareceu se importar tanto com o cargo. Aliás, ele sempre dizia que aquele não era o que ele queria, mas o que ele precisava fazer. Eu nunca entendi meu pai... Mas nosso reino sempre foi calmo e pacífico com os outros reinos. Meu pai era cheio de bravura, respeito e honra, e era admirado por todos. Minha mãe, por outro lado, não era vista da mesma forma. Confesso que minha mãe é mais controladora, cabeça quente e se importa mais com a família real do que meu pai. O casamento deles foi por questões políticas. Para quem vê de fora, acredita-se que sejam um casal perfeito, mas todos que estão dentro da família real, incluindo a corte, sabem muito bem que não é assim que funciona. Desde os meus quatro anos, aprendi tudo o que um príncipe deveria aprender: ler, escrever e lutar esgrima. Mas meus momentos favoritos eram andar ao lado do meu pai pelo jardim. Desde que nasci, aquele jardim existe e é o único lugar onde minha mãe não pode opinar em nada. Meu pai, o rei, sempre quis me tirar de todas as tarefas designadas. Minha mãe se irritava com esse comportamento, mas meu pai é quem ordena dentro de casa, então ela nunca fez comentários sobre isso.
Minha vida mudou quando Davi, meu irmão mais novo, nasceu no dia seis de junho. Minha mãe começou a ficar com ocupações a mais; ela gostava de estar atenta a tudo. E minha mãe já havia perdido um filho, então ela sempre quis se certificar de que tudo estava certo. Sendo assim, meu pai conseguia me tirar muito mais de minhas responsabilidades. Passeávamos pelo jardim com mais frequência e lutávamos esgrima com mais frequência também. Meu pai me contava que sempre quis ser um guerreiro, mas que não podia por conta de seus deveres de rei. Ele me levava para o centro de concentração dos guerreiros e me deixava vê-lo treinar. Até que, aos oito anos, tomei gosto por isso. Minha mãe não poderia nem sonhar com isso; já até pensei na fala dela:
— Mas que absurdo o futuro rei andar treinando em centro de concentração, como se fosse um guerreiro. Você não é um guerreiro, você é um rei!
Minha mãe podia ser bem severa em seus discursos de como eu era rei e não poderia fazer isso ou aquilo. Conheço esse reino como a palma da minha mão, graças ao meu pai, já que, se dependesse de minha mãe, eu iria ficar trancado dentro do castelo e só me veriam no dia da coroação. Quando meu irmão completou oito anos, minha mãe voltou a me controlar, e eu comecei a ter mais responsabilidades do que antes e acabei me afastando de meu pai. Davi, meu irmão, refletia muito a imagem de meu pai, ambos com um espírito livre, como minha mãe dizia. Mas eu confesso que me identificava mais com minha mãe. Acabou que Davi era bem mais íntimo do meu pai do que eu. Mas Davi, com esse jeito dele muito solto, fazia minha mãe temer que ele tivesse filhos bastardos da coroa. Por medo que isso acontecesse, ela comunicou ao conselho, e o conselho decidiu encontrar uma esposa para ele. Com oito anos, claro que eles se casariam quando completassem a idade, mas... Eu achei correto, mas meu irmão ficou devastado e meu pai até mesmo ficou enfurecido. Lembro-me desse dia como hoje. Era à noite e meu pai estava falando em tom alto e severo com o conselho... Foi ali que entendi que nem tudo é um jardim de flores. Meu pai, sendo a maioria dos membros do conselho, decidiu ceder à decisão e minha mãe, mas usou sua autoridade e decretou que ele escolheria a família e a mulher com quem Davi se casaria. Meu pai, nessa mesma noite, não dormiu em casa... Voltou apenas na hora do almoço do outro dia. Meu pai tinha o costume de sair por longas horas do dia, mas as que mais mexiam com minha mãe eram as noites... O conselho, com base nas sugestões de minha mãe, decidiu organizar um festival para receber a família da futura esposa de meu irmão. Eu não era tão importante nesse festival e, conhecendo bem meu pai, sabia que ele estava tramando algo contra minha mãe... E eu não queria mesmo ver minha mãe com raiva, isso acabaria caindo sobre mim. Então, antes do festival começar, peguei um livro que, sinceramente, não era muito do meu perfil ler e me direcionei ao jardim. Mas não na parte linda das flores; fui um pouco mais adentro, onde havia um lago. Sentei-me; era um livro grande para durar o dia inteiro. Quando eu já havia lido quase a metade, escutei alguém se aproximando. Não me assustei, minha mãe não pode nem pisar o pé naquele jardim. Meu pai disse que somente pessoas com permissão podem estar lá, pessoas que amamos e que não sentíamos que tínhamos deveres a cumprir... Aquilo mexeu com minha mente quando ele disse, mas não vem ao caso agora. Até que ficou em minha vista... Era uma menina? Mas quem era ela? Eu nunca a vi naquele reino... Deduzi que deveria ser da família da futura esposa de meu irmão. E assim que a vi, entendi o que meu pai tramou... Fechei meu livro e me levantei.
— Saudações, sou o jovem príncipe Caio. No futuro, sucederei ao trono como rei, mas, por ora, sou apenas um menino. E vós, como sois chamada? — disse, sério e coberto de formalidade.
Eu a analisava discretamente, claro. Mas até o tecido de sua roupa era diferente das outras damas; ela claramente não era do nosso reino. Quem é ela?
— Chamo-me Violet, sou a futura duquesa de Terraza. É um prazer conhecer o futuro rei de Aquira — ela respondeu, fazendo uma saudação formal.
Claro... A duquesa de Terraza. Sabia que ela não era daqui. Mas seria ela a futura esposa de meu irmão? Coitada... Mas como ela não é daqui, não vejo o motivo de tanta formalidade.
— Será que poderíamos conversar sem tantas formalidades? — perguntei a ela.
— Claro, até prefiro. Posso saber o motivo do futuro rei estar aqui? — perguntou, aproximando-se da árvore onde eu estava lendo.
Eu não iria dizer a uma estranha que ela era o motivo de eu estar ali, já que minha mãe surtaria apenas de entender que ela se casaria com alguém de nossa família e, como ela diz, "mancharia a linhagem da família". Mas confesso que ela era uma dama linda... Aqueles cabelos negros e sua pele de melanina eram fascinantes... Mas meu pai deixou-a entrar no jardim?
— Só não gosto de estar com muitas pessoas. E você? Acredito que nem tenha autorização para estar aqui — falei com seriedade.
— Se não quiser que eu fique, eu me retiro — ela disse, levantando-se para partir.
Como assim? Eu disse algo errado? Ela se sentiu ofendida? Mas, de fato, ela não me parece ter autorização. Confesso que não sei lidar com mulheres...
— Espere, não vá — eu disse, aproximando-me.
Acredito que devo me desculpar, não é? Não sei... Ou não sabia naquele momento. Depois de alguns segundos de silêncio, ela se virou e disse:
— Então venha me pegar! — e começou a correr em direção ao jardim.
— Está falando sério? — Eu olhei-a com um semblante analítico, mas logo sorri de lado e comecei a correr atrás dela.
Mas o que? Eu, o futuro rei, indo brincar...? Eu confesso que ri internamente. Naquele momento, eu deixei de lado isso... Ela estava me chamando e eu queria ir atrás dela... E não me arrependo.
E assim é "Como tudo começou." Passamos a tarde brincando e rindo juntos. Fazia tanto tempo que não me sentia assim... Tão livre de responsabilidades. Eu me sentia tão leve que sorria apenas de vê-la sorrindo. Quando o sol começou a se pôr, sentávamos cansados com os pés dentro do lago, ainda rindo. Mas me caiu a ficha de que ela pode ser a futura esposa de meu irmão e que, de qualquer forma, não seria certo eu estar com uma dama a sós.
— Você sabia que damas não podem ficar a sós com cavalheiros? — perguntei a ela, olhando-a nos olhos.
Até então, ela estava a sós, então nada com damas... Será que é coisa do reino dela? Eu não sei, só sei que no nosso reino isso não é certo.
— Bem... Sei, mas não entendo o motivo disso — respondeu, brincando com os pés na água do lago.
Eu não contive o riso; ela parecia e era tão inocente... Como uma pétala de flor, sua delicadeza era tamanha que quase não parecia real. Era como se ela estivesse em outro mundo, vivendo uma história diferente da minha. E a única coisa que me vinha à mente era que eu não poderia a ver assim novamente. Não sei como, mas eu queria muito ver Violet novamente. Mais do que qualquer outra dama.
— Você já leu? — perguntou, alternando o olhar entre ela e o livro.
Foi o único jeito que encontrei para tentar não pensar tanto nela.
— Na verdade, não. Sou uma grande admiradora de livros românticos — respondi, olhando para o céu.
Claro que não. Mas que pergunta idiota. Nem deve haver livros como esses disponíveis para as damas. Mas aquele maldito sorriso de novo...
— Claro, não é surpreendente — disse, rindo sarcasticamente.
Ela levantou uma sobrancelha e cruzou os braços, mas logo deu um sorriso. O dia havia sido incrível, e o sorriso era o que melhorava tudo. Levantou-se, secou os pés, ajeitou os cabelos e o vestido.
— Bem, acredito que já esteja na hora de ir — disse-me tristemente.
Eu, vendo que ela já estava se preparando para partir, queria que ela ficasse por mais um tempo, mas não seria certo da minha parte pedir isso. Então levantei-me, coloquei meus sapatos e, em seguida, fui até ela. Decidi fazer um gesto de cavalheirismo, já que anteriormente ela poderia ter se sentido ofendida pelo meu comentário. Peguei os pés dela e coloquei seus calçados de volta. Mas o que estou fazendo?
— Que cavalheirismo! — disse ela, interrompendo meus pensamentos sobre o motivo de eu estar agindo assim.
— Estou na presença de uma dama, devo fazer isso — respondi, tentando justificar o que passava pela minha mente. Deve ser isso, certo?
E logo em seguida, dei um beijo em sua mão. Sua pele era delicada; era a primeira vez que beijava a mão de uma dama.
Depois daquele dia, aquela menina não saiu da minha mente. Mas como nem tudo é um jardim de flores, naquele mesmo dia... Quando o festival acabou e restavam apenas a família real e os serviçais...
— Você só pode estar brincando, essa garota vai estragar a linhagem de nossa família... Você odeia tanto assim a família real? — minha mãe dizia ao meu pai, andando de um lado para o outro.
— Não permito que fale assim comigo. Sou o rei, lembre-se disso. E quem decidiu casar nosso filho antes mesmo dele ter consciência do que é uma mulher foi você — meu pai dizia em tom rígido à minha mãe.
Meu pai estava verdadeiramente abalado com essa decisão, mas o que ele queria? Davi tem mesmo um jeito de quem vai trazer filhos bastardos para a coroa, mas não opino em nada. Eu queria saber o motivo de minha mãe detestar tanto a ideia dessa menina escolhida por meu pai.
— E você? Onde estava que não vi? — minha mãe me perguntou, dirigindo-se a mim.
E agora? Minto?
— Estava no jardim — eu disse, alternando o olhar entre meu pai e ela.
— Maldito jardim — minha mãe disse baixo, mas mesmo assim eu consegui ouvir, e para azar dela, meu pai também.
— Como é? Não pense em pisar naquele jardim, ouviu? — ele falou em um tom bem mais alto do que o convencional. — Vá para seus aposentos! — ele ordenou.
Eu fui, mas a discussão não parou. Davi estava chorando em seu quarto; eu pude ouvir. Decidi não ir vê-lo. Afinal, o que eu diria? Não sei o que ele está sentindo. Pode ser muito egoísta da minha parte, mas tudo isso não me afetava e, de certo modo, eu concordava com o casamento.
Com toda essa confusão, a visita dessa menina começou a ser mais frequente, e Violet também aparecia. Então, sinceramente, para mim só havia vantagens. Brincávamos tanto naquele jardim... Eu permitia que ela entrasse, tomávamos banho no lago também. Eu me sentia muito mais leve, não sentia responsabilidade perto dela... Não sentia que precisava ser o futuro rei perto dela. Será que é esse sentimento que meu pai se refere? Sempre às tardes, nos encontrávamos. Confesso que era minha parte preferida da semana. Até que chegou um trágico dia. Quando eu tinha 12 anos, recebi uma carta de Violet... Dizendo que eu estava desrespeitando a honra dela como dama na sociedade e que meu jeito irresponsável a enojava... A cada palavra, um furo em meu peito. Mas que influência aquela garota tem sobre mim? Por quê? Eu sabia que não deveria ter deixado isso acontecer. Depois dessa carta, nem mesmo ao castelo ela foi. Decidi que tomaria uma postura mais reservada do que antes e prometi que não deixaria ninguém mais ter esse efeito sobre mim. Passaram-se 2 anos, e eu evitava olhá-la nos olhos. Após uma reunião longa com o conselho, Leoni veio até mim com uma postura raivosa. Meu Deus, eu deixava mesmo as mulheres com raiva, não é?

— Eu poderia saber o motivo de o senhor ter mandado uma carta tão cruel para Violet? Você sabe o quanto ela é importante para ela? Como pode ser tão monstruoso...? É igual a sua mãe — ela dizia com raiva, mas eu percebia uma tristeza imaculada.
Como assim, igual à minha mãe? Mas o que? E que carta? Não mandei nada a Violet. O que essa compulsiva está falando?
— Leoni, fale baixo. Que carta? Eu não mandei nada a ela — foi nesse dia que percebi que nunca se deve pedir para uma mulher falar baixo.

— Como é? Eu não estou gritando! E como assim não mandou carta nenhuma? — ela me perguntou, falando mais alto do que antes.
— Acalme-se. Não, não mandei nada a ela. Muito pelo contrário, ela foi quem me mandou uma — eu disse a ela.
Fui até meu quarto e mostrei a carta que me foi entregue. Mas logo descobri que ela não havia enviado nada e que alguém próximo a nós havia feito essa crueldade. Eu iria descobrir, mas estava feliz demais para isso.
Com tudo esclarecido, decidimos voltar a nos falar, mas com muito mais cautela. Comecei a me encontrar com ela à noite. Minha mãe uma vez me viu chegando tarde e me olhou como olhava para meu pai quando ele voltava para casa... Era um olhar de desprezo. Aquele olhar mexia comigo, mas as memórias frescas do meu tempo com Violet apagavam esse olhar impiedoso. Fizemos isso por um bom tempo e percebi que minha mãe estava vigiando meus horários, mas não me perguntava nada.
Aos meus 17 anos, em um café da manhã comum... Meu pai chegou cantarolando uma melodia que nunca ouvi em minha vida, e minha mãe me disse...
— Bem, o conselho comunicou que você terá que fazer uma viagem — assim que ouvi isso, fiquei com um sentimento ruim.
Era comum eu fazer viagens, mas algo me dizia que essa não seria como as outras que já fiz.
— Para onde será? — perguntei, sentando-me à mesa.
Minha mãe olhou para meu pai com aquele olhar e depois se recompôs.
— Ele vai para o reino de Pyra — ela disse elegantemente, como sempre.
— Isso é longe; vai levar dias para ele chegar lá — disse Davi, meu irmão mais novo.
— Ele vai passar dois anos lá. Não precisa de pressa — ela disse tranquilamente.
— O QUÊ?!!!!! — eu, meu pai e meu irmão dissemos juntos.
Como assim? Dois anos? E Violet...?
— O que Caio fará lá por tanto tempo? Eu não fui comunicado de nada — disse meu pai, olhando com desaprovação para minha mãe.
— O conselho veio ontem à noite, mas nem você nem Caio estavam presentes. Parece que não é só o sangue que vocês compartilham — ela disse com um humor tão ácido.
— Se eu não estava, não era para ter sido tomada decisão nenhuma. Você é só a raizinha, e ele será o futuro rei. Posso saber o motivo dessa viagem? — perguntou meu pai com bravura.
— Ele vai conhecer sua futura noiva — ela disse com um sorrisinho cruel, não era um sorriso convencional.
Os olhos de meu pai, os meus e os de meu irmão se arregalaram. Todos sabiam dos meus sentimentos por Violet, e meu irmão já havia passado por isso. Todos nós ficamos minutos em silêncio, pensando o quanto esse conselho era cruel. Como pode?
— Não. Ele não vai — disse meu pai em um tom seco.
— O conce- — minha mãe foi interrompida por meu pai.
— Ele pode até ir e ficar esse tempo lá, mas não vai voltar casado ou noivo — meu pai disse secamente novamente.
O ambiente estava tenso. Eu e Davi nos olhávamos, e meu pai evitava olhar para minha mãe.
— Mas ele... — minha mãe foi novamente interrompida, desta vez pelo som do punho de meu pai batendo na mesa.
— Ela não vai. Entendeu? Não vai — disse meu pai em um tom violento. — Quando você fez isso com Davi, eu não pude impedir, mas com Caio eu vou intervir. E ele não vai.
Meu pai não conseguiu reduzir o tempo da viagem, mas conseguiu evitar que eu tivesse um casamento arranjado. E fiquei menos preocupado; claro que não compartilhei nada disso com Violet. Eu fui viajar, e nessa viagem conheci muitas coisas e aprendi mais sobre Leoni e Violet também, como eram amigas, entre outras coisas. Enviei diversas cartas a Violet, mas nenhuma foi respondida. Estranho, muito estranho. Mandei até mesmo uma joia para ela. Mas algo me assombrava; eu sabia que ela estava em idade núbil... Será que ela já havia encontrado outra pessoa e por isso não respondeu minhas cartas? Ou ela foi embora do reino para retornar ao reino de Terraza? São muitas dúvidas, mas a única certeza que tenho é que, durante todo esse tempo, eu jamais me esqueci dela.

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⏰ Última atualização: Oct 11 ⏰

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