Um.

65 7 0
                                    

alerta de gatilho: violência contra mulher e assalto a mão armada.

— Acabei de sair do presídio, Cidinha. Daqui a pouco chego em casa.

Minha mãe parecia tão inquieta, sua agitação era notável, mesmo pelo telefone.

Caminhei apressada até o ponto de ônibus que ficava a uns 10 metros da entrada do presídio. O lugar era extremamente afastado e só tinha eu parada.

— Viu que horas o ônibus passa aí? Não dá mole, filha! Fica atenta, me avisa assim que chegar no terminal e guarda o seu celular, esses lugares são perigosos... Acho que seu tio já avisou aqui que você vai chegar depois do toque de recolher, mas mesmo assim, Fernanda... tô tão nervosa!

— Aparecida por deus, fica tranquila! Esse medo só me deixa mais aflita também, mãe. Deus é comigo, e já já tô em casa. — tentei passar toda a calma que eu não sentia para minha mãe, mesmo estando morrendo de medo.

Nossa cidade estava um caos! Todo  dia tinha um tiroteio diferente e não adiantava chamar a polícia, porque eles não faziam questão de se meter no confronto entre as facções.

A verdade é que desde que baco foi preso, a mais ou menos 4 meses atrás, nossos "vizinhos" pensavam que tinham o direito de tentar se infiltrar e tomar o morro a qual ele comandava.

Óbvio que nenhuma tentativa deu certo, ou essa maldita guerra não estaria acontecendo. Eu não fazia a menor ideia de quem era o chefe do morro rival, mas atualmente, quem comandava o Leopoldina, era Proeza, sub e braço direito do Baco.  Eu o conhecia porque haviamos estudado juntos, mas Baco era um verdadeiro mistério pra mim. Num dia, o morro estava nas mãos de um canalha carniceiro e no outro, Baco tinha assumido, Proeza tinha virado sub e agora as coisas estavam do jeito que estão.

O toque de recolher era uma medida de segurança, já que uma criança tinha sido vítima de uma bala perdida. Pra evitar a morte de mais inocentes, os salvadores da pátria, vulgo chefes do tráfico de Leopoldina, deram duas opções: ou fica em casa ou morre.

Claro que a vida não podia parar, então quem precisava ir a escola, trabalhar e afins, tinha até, no máximo, dez horas da noite para chegar, passando disso, teria que avisar a alguém responsável para que a passagem fosse segura. Durante o dia, era comum ver homens mascarados e com grandes fuzis por toda comunidade. As crianças passavam de cabeça baixa, era notável o terror nos rostos de todo mundo. Ainda assim, era uma medida de segurança para proteger os deles. E tudo isso era ordem direta de Baco, nosso presidente atualmente preso!

Irônico que, nas palavras dos diretores do EDETEN, traficantes, assassinos e marginais como eles se preocupassem mais com a segurança dos moradores do que nossos próprios governantes.

Guardei meu celular na bolsa e acenei com a mão no instante em que vi o ônibus se aproximando do ponto. Graças a Deus que ele não estava tão lotado, só de pensar em ir de pé com minha bolsa cheia de livros e meu notebook, me dava um cansaço gigantesco! Minhas pernas doíam só de imaginar. Porém, sabia que assim que chegasse no terminal e pegasse o segundo busão, a coisa mudaria de figura, porque todo mundo estaria preocupado em chegar cedo e se trancar em casa.

Ignorei a cara de deboche do motorista quando notou de onde eu estava vindo. Ele certamente pensava que eu estava visitando um dos presos, fiz questão de mostrar a carteirinha de professor para ele me dar passagem e um sorriso de satisfação apareceu em meus lábios no momento que a expressão de sarcasmo dele murchou.

Não era a primeira vez que alguém me olhava daquele jeito. Outro dia, o Uber que me trouxe me deu um sermão indiretamente por horas quando soube meu local de destino. Me doía que as pessoas ainda tratassem como um tabu tão grande o sistema carcerário. A maioria dos ouvintes que entrevistei, defendiam que a única situação possível era matar presos no geral. Não passava pela cabeça deles que, com a exclusão, favorecia muito mais novas ondas de crimes!

AMOR EM CADEADO [degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora