𝗦𝗘𝗘 𝗬𝗢𝗨 𝗔𝗚𝗔𝗜𝗡

𝗣𝗥𝗢𝗟𝗢𝗚𝗢

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Já passava das onze da noite quando Jeff voltou para a pequena kitnet onde morava há seis meses. O lugar estava todo revirado, e com um suspiro, ele começou a recolher os cacos de vidro quebrados durante mais uma de suas brigas com seu parceiro, que a essa altura, ele sequer podia chamar de seu.

Entre as coisas quebradas, ele encontrou o porta-retrato com a única foto que tinha de seus pais. A imagem, felizmente, estava intacta, o mesmo não se podia dizer do porta-retrato. Olhando para a fotografia meio envelhecida, ele se perguntou como seria se seus pais estivessem vivos. Ele viveria com eles? Ele seria mais feliz? Provavelmente.

Jeff tinha cinco anos quando seus pais faleceram, obrigando-o a morar na casa de parentes. Quando estes alegavam que não tinham condições de criá-lo, o mandavam para a casa de outras pessoas. E assim foi sua vida até os vinte anos. Ele perdeu a conta de quantas vezes se mudou, em quantas cidades morou. A última foi no interior de São Paulo, na casa que era de sua tia - a única que não o desprezava -, e ficou vazia depois que ela se foi. Jeff se viu sem saída quando o marido da senhora o expulsou da casa. Ele meio que esperava, o senhor o detestava. Juntando suas poucas economias, o jovem rapaz saiu em busca do seu sonho.

Desde que se entende por gente, Jeff sonha em ser músico. As escassas lembranças que tem dos pais são de quando eles cantavam para fazê-lo dormir. Essas doces memórias serviram de combustível para enfrentar diversas situações adversas ao longo do caminho em busca do estrelato.

Dois anos se passaram, e o caminho para o tão sonhado sucesso revelou-se mais desafiador do que ele havia imaginado. De emprego temporário em emprego temporário, ele conseguia dinheiro para se manter, mas pouco sobrava. Isso não o abatia, afinal, Jeff é um ser determinado; a vida o provou de todas as maneiras possíveis, e ele estava pronto para tudo.

Mais um ano se passou, e tudo que Jeff conquistou foi um emprego de meio período num bar no centro e um relacionamento extremamente problemático.

Quando cruzou o caminho de Code, Jeff não poderia sequer imaginar que o garoto com a aparência de um anjo pudesse ser um demônio disfarçado, destinado a confundir pecadores como ele e arrastá-lo para os confins do inferno, onde arderia por toda a eternidade.

Agora, encarando o caos de seu miserável apartamento, ele consegue entender por que dizem que o amor é pior que qualquer droga. Desde que começou a se envolver com Code, Jeff sente como se estivesse viciado, e o simples pensamento de o garoto deixá-lo desencadeia uma crise de abstinência.

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Code, apelidado assim por uma jovem noviça, foi deixado em frente a um convento com poucos dias de vida. Criado nos preceitos cristãos, sua destinação era ser um homem de Deus, mas sua verdadeira vocação clamava pelo mundo, afastando-o dos crentes que o acolheram. Expulso do convento após um encontro íntimo com outro jovem, Code reconhece a imprudência, mas parte da culpa recai sobre o garoto que o seduziu, introduzindo-o aos prazeres da carne. Seu único arrependimento real é não ter se despedido da senhora que o educou; o restante, ele aceita sem remorso. Se isso o levar ao inferno, que assim seja.

Code encarou a dura realidade das ruas e precisou se reinventar. Criado em um ambiente que provia tudo, descobriu-se despreparado para a vida na cidade grande, sem habilidades práticas ou diploma. Entretanto, uma oportunidade surgiu quando conheceu o dono de uma boate, que ofereceu seu primeiro emprego como dançarino. O tempo revelou sua verdadeira paixão pela dança, mas conforme seus sonhos cresceram, ele deixou para trás um empregador abusivo em busca de liberdade.

Jeff e Code, ambos órfãos e desafiados por sonhos além de sua realidade, cruzaram caminhos numa noite que muitos descreveriam como "amor à primeira vista", mas que, na verdade, era uma atração irresistível. O que começou como encontros casuais e apaixonados, evoluiu inadvertidamente para algo mais profundo, apesar de ambos fingem não perceber.