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“Eu lembro de tudo, quando anoitece. Hoje eu tenho de tudo, e ninguém me aquece”. 

( 5 anos depois ) 

Jeff — 23:40 AM

Ponho a chave na fechadura e empurro a porta — se não for à base de força, ela não abre. A poeira irrita meu nariz, fazendo-me espirrar. Pago uma senhora para fazer a limpeza semanalmente, mas pelo visto, estou jogando dinheiro fora. Ligo o interruptor, tendo uma visão mais ampla do ambiente; fora a poeira, parece que está tudo no lugar. Deixo minha bagagem na porta e ando até o sofá. O espaço é tão pequeno que apenas dois passos e eu já estou sentado sobre o móvel duro. O sofá é tão desconfortável quanto me lembro, mas guarda memórias, lembranças essas que me impedem de me livrar dele — e de todo esse lugar.

Há mais ou menos três anos, eu deixei essa kitnet e minha vida miserável para trás. Quando Code me deixou, foi uma merda. Parei de comer, não conseguia dormir, e a dor no meu peito era sufocante. Passei umas boas semanas apenas existindo. Precisei parar na emergência do hospital para só então me dar conta de que ele não ia voltar, e eu precisava continuar com a minha vida. Depois de dois dias internado, recebi alta e resolvi reagir. Peguei as músicas que escrevi — a maioria tendo o garoto como inspiração — e tentei a sorte em algumas gravadoras. Apenas uma me retornou, e marcaram um encontro. Eu sabia que era tudo ou nada, talvez nunca mais tivesse uma chance como aquela, e por isso dei o meu melhor. Meu esforço valeu a pena; os produtores gostaram, e quiseram fechar um contrato temporário. Minhas músicas tornaram-se virais apenas alguns dias depois de serem lançadas. Foi questão de algumas semanas para minha vida mudar da água para o vinho; eu finalmente estava alcançando o meu tão almejado sucesso. Eu estava feliz, apesar do buraco no meu peito. Eu ainda sentia falta do meu garoto, eu ainda torcia para que ele voltasse, mas estava seguindo em frente como ele gostaria que eu fizesse. Um ano depois, fechei contrato com uma gravadora internacional e deixei o Brasil; eu arrisquei tudo ao sair da minha cidade e ir para um lugar onde nem a língua natal eu sabia. Foi um inferno, para dizer o mínimo. As pessoas me olhavam com um certo desprezo, como se eu não fosse digno de estar ali. Precisei engolir alguns sapos, como minha tia dizia, mas mostrei a eles que eu não estava ali à toa.

Hoje, cinco anos depois, tenho uma carreira internacional em ascensão e uma vida confortável. Não preciso mais contar moeda por moeda para comprar comida, e nem me preocupar com as contas para pagar, sequer preciso limpar a casa; tenho pessoas para isso agora.

Passaram anos, mas o sentimento que tenho por Code ainda está aqui. Eu fiz de tudo para esquecê-lo, me concentrei na minha carreira, me relacionei com outras pessoas, mudei até de país, mas quando anoitece, eu lembro de tudo. Eu ainda o amo, e cansei de tentar esquecê-lo.

Tive esperanças de que ele viesse me procurar quando meu rosto começou a aparecer em todos os lugares possíveis, mas ele nunca voltou, sequer entrou em contato. Usei meus contatos para encontrá-lo, mas é como se o garoto tivesse desaparecido sem deixar rastros, o que me deixa aflito. Já se passou tanto tempo, como ele está? Essa pergunta não sai da minha cabeça, e eu preciso de uma resposta — alguma que não seja esse silêncio. Voltei para São Paulo para encontrá-lo e não irei embora enquanto não achá-lo. Preciso vê-lo, ainda que de longe, apenas para ter certeza de que ele está bem, confortável, feliz. Talvez assim eu finalmente possa superá-lo e seguir em frente.

Suspiro, penteando meus fios com os dedos. Eles estão curtos agora; cortei para gravar alguns episódios de uma série para a qual fui convidado. Além de cantor, tentei a sorte na TV, mas logo percebi que não fui feito para isso. Não consigo me expressar tão bem, e mesmo com o roteiro, ainda me perco. Por isso, decidi ficar somente na área musical, para o total desgosto dos meus fãs, que vivem dizendo que serei o próximo galã de Hollywood. Pois esse galã só quer encontrar sua musa inspiradora e, quem sabe, continuar de onde paramos. Pode parecer loucura querer reatar uma relação tão problemática como a que tínhamos. Meu assessor pessoal e também amigo, Win, diz que preciso urgentemente de terapia, e não posso dizer que ele não tem razão. A questão é que eu não sou mais o Jeff de antes, e tenho quase certeza de que Code também não é. Agora tenho uma vida confortável, posso ajudar o garoto, posso fazer dar certo dessa vez. Mas será que Code quer isso? Será que ele ainda me vê da mesma maneira, ou apenas como uma lembrança distante de um passado tumultuado? São perguntas que ecoam em minha mente, alimentando minhas incertezas e receios.

𝗦𝗘𝗘 𝗬𝗢𝗨 𝗔𝗚𝗔𝗜𝗡Onde histórias criam vida. Descubra agora