Quanto mais Rose tentava esconder a dor, mais latejava. Ela estava bem, o vizinho e o cachorro estranhamente a faziam acalmar e esquecer por um momento a solidão e a escuridão. Mas como se ela não pudesse ficar em paz por mais que poucos minutos, algo sempre a fazia voltar para a sua realidade sufocante.
Era a primeira vez após dois anos de perda, que Rose se sentiu confortável para dialogar e escutar abertamente alguém. E não pessoas que queriam conversar sobre a morte de Jared e ficar a observando com pena.
Mas como se o Universo estivesse zombando dela, justo o seu vizinho que ela permitira se abrir, possuía uma perda semelhante a dela. Que ironia. Victor perdera a sua esposa. Mas ao contrário dela, ele parecia muito bem. Sempre sorrindo e sendo gentil. E ela sempre amargurada e apática.
Rose queria sair daquele casulo, queria poder voltar a ter vida, mas ela não sabia como poderia. Como se seguir em frente fosse fazer Jared ficar para trás, o deixando partir para sempre de sua mente e seu coração.
Lágrimas fervilhantes escorriam dos olhos da viúva desamparada. Assim que entrou em casa deixando o vizinho viúvo para trás, Rose se permitiu se jogar no colchão bagunçado e ficar presa entre as cobertas, mesmo que o sol estivesse penetrando nas janelas e deixando o ambiente interno mais quente do que o normal. Ela não se importava de estar molhada de suor, assim como as lágrimas umedeceram a sua face.
A mente de Rose era um turbilhão. Era como se milhares de sussurros desesperados quisessem capturar a sua atenção, bombardeando a sua mente frágil em um emaranhado de pensamentos sabotadores. O seu coração palpitava junto com a dor aguda em sua cabeça que latejava proveniente das lágrimas.
Mais de uma hora depois, Rose não suporta mais a temperatura alta embaixo dos lençóis, a pressão de sua cabeça e dos pensamentos guerreando dentro dela. Ela se joga no chuveiro e deixa a água gelada escorrer por sua pele despida. Quando não aguenta ficar de pé por muito tempo, senta no chão e deita o rosto inchado do sufoco lacrimal em seus joelhos, enquanto a água escorre por seu corpo.
Soluçando, ela se ergue com toda a força que consegue e desce rumo ao andar de baixo, e entra na cozinha desesperada para saciar a sua fome. A torta faltando dois pedaços ainda se encontra na bancada da cozinha bagunçada de Rose. Ela enfia uma grande garfada da sobremesa, que fora motivo de sua crise de choro e reclusão, e deixa-se saborear por um momento daquela torta, que era uma mistura de anseio com tristeza ao mesmo tempo.
A mulher não compreendia a si mesmo. Havia momentos que não conseguia comer nem sequer cinco miligramas de alimento e outros ela comia compulsivamente, mas acabava por vomitar tudo em seguida.
E perdera o seu bom humor, ela que sempre fora elogiada pelos amigos e familiares sendo a garota mais sorridente e engraçada que conheciam. E foi essa sua personalidade que encantara Jared, revelou ele quando começaram a namorar sério após um ano de amizade que derivou do trabalho.
Jared era gerente em uma das maiores imobiliárias da cidade e ela arquiteta
que fazia trabalhos para a mesma empresa. Se conheceram no começo da carreira. Jared ainda não era gerente na época, mas se destacava na área financeira, enquanto Rose começou na imobiliária como arquiteta recém formada. Ambos de personalidades distintas, ela divertida e bem humorada e ele mais tímido e reservado.
Se sentindo satisfeita como se estivesse comido a melhor sobremesa da vida, mas com uma angústia persistindo o seu ser, Rose deixa a cozinha para trás e está prestes a subir a escada quando avista um papel branco, quase imperceptível embaixo da porta. Curiosa, ela vai em direção a mesma e pega o papel grosso dobrado em duas partes.
Uma caligrafia em caneta preta, estampa o papel pálido e sem pauta.
Rose, não quero incomodá-la, mas não quero te deixar sem receber nenhuma ajuda. Quero que você saiba que a sua luta não precisa ser carregada sozinha. Você já passou por tanto, não deveria continuar segurando todo esse peso sobre si. Eu sei que parece ser fácil falar, pois só você sabe a capacidade da sua perda, mas eu já passei por isso e sei o quão doloroso é perder alguém que você depositou todo o seu amor sem reservas e de repente essa pessoa se vai sem dizer adeus, te deixando sem chão e razão para continuar vivendo.
Clare, a mulher que eu amei muito e a única e nem em outra vida imaginei a perder tão precocemente. Nos conhecemos na infância, nossas mães eram melhores amigas, começamos a namorar na adolescência. Então eu nunca aprendi a viver sem ela, tudo fazíamos juntos e antes de namorados éramos amigos. Foi a dor mais destrutível e esmagadora que eu já senti na vida. Pessoas que não me conhecem não acreditam que eu perdi o amor da minha vida. Quando descobrem por outra pessoa elas se sentem mal e perguntam como eu superei. Eu sempre rio internamente, e me pergunto como elas têm a coragem de falar que eu "superei"? Porra, a gente nunca supera uma perda de alma, não tem como superar alguém que você deixou o seu coração entrelaçado. Então não tenho como te dizer que você vai superar, Rose, porque não vai. Mas eu prometo que um dia não vai doer tanto assim, vai incomodar algumas vezes, vai, mas essa dor que você está guardando pode ficar mais leve. Não é fácil, caramba, não é mesmo, mas você consegue, você é uma mulher forte, conseguiu levantar um homem de 86kg, vai conseguir arranjar força e coragem para aliviar essa dor.
Então me promete que vai procurar sair dessa dor, Rose? Vai procurar ajuda e perceber que você é a mulher mais incrível e que conseguirá superar a sua própria dor. Isso sim você vai conseguir superar, eu garanto.
Atrás da folha estarei deixando o contato de uma clínica que cuida da saúde mental, se quiser pode ligar ou ir até lá quando se sentir à vontade. Lá, há diferentes profissionais, você pode escolher o que mais se sentir à vontade. Essa clínica é da minha irmã com o marido, ambos terapeutas. Juro que é totalmente confiável, não estou indicando por ser a minha irmã, mas prometo que ela é maravilhosa e afirmo ser a melhor terapeuta da cidade. Os profissionais de lá tiveram uma grande parcela na minha superação da dor.
É possível sim superar a dor da perda, mas não a pessoa perdida. Quando eu entendi isso de alguma forma ficou mais leve e eu pude começar a viver novamente. Mas é um processo que cada um de nós terá no seu tempo. Estou aqui na casa à sua frente. Se um dia se sentir à vontade não hesite em bater à porta. O Barry está te esperando para brincar. E eu ainda devendo retribuir a sua ajuda. — Victor
Um misto de emoções afloram em Rose. Lágrimas de tristeza misturada com esperança rompem os olhos da jovem mulher. Pela a primeira vez, Rose se permite ter esperanças em buscar ajuda e ser ajudada a romper sua própria dor. Ela sabia que não traria uma cura de uma hora para outra, sabia que precisava de ajuda de profissionais especialistas para ajudá-la a ser mais forte contra a dor que esmagava o seu ser. E entender como Victor se sentia em relação a sua própria dor da perda, a fez se identificar e acreditar em dias melhores.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Abraçando Recomeços
Short StoryRose e Victor têm algo doloroso em comum, uma perda de alguém amado, e o que diverge entre eles é a forma que cada um administra essa dor. Enquanto Victor foi capaz de superar a sua perda e continuar vivendo, apesar das sequelas físicas e internas...