Capítulo 4

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A bolinha esverdeada de silicone é lançada e camuflada na grama verde pela quinta vez, fazendo com que o cachorro corra atrás do brinquedo. Victor observa a casa silenciosa de sua vizinha à frente, enquanto se diverte com Barry, que corre pelo gramado.

Mais cedo, ele viu a moça saindo, com o cabelo loiro preso em um rabo de cavalo e jeans folgados. Esperava que ela aceitasse sua sugestão, mencionada na carta que deixara poucos minutos após voltar a sua casa, quando Rose ficou abalada depois da descoberta de que ele tambem era viúvo.

— Bom dia, Victor. — O vizinho do lado o chama, interrompendo seus pensamentos.

—  Bom dia, Sr. Richard. — Victor vira a cadeira em direção ao vizinho e se inclina um pouco mais perto.

— Sabe se ela está melhor? — O médico aponta para a casa de Rose.

— Não sei, espero que sim. — diz Victor, lembrando do olhar perdido da viúva. — O senhor a conhece? — pergunta, curioso.

O cachorro retorna com o brinquedo na boca, e seu dono o pega novamente, arremessando-o para longe.

— Sim, conheço a Rose. Ela passou por muita coisa e ainda não se recuperou. — O rosto de Richard expressa pesar.

— Então o senhor sabe da perda dela. — Victor conclui, e o homem grisalho assente.

— Sim. — Ele concorda, como se fosse difícil até para ele. — O marido dela era meu filho. — O vizinho mais velho revela, com um olhar melancólico.

Victor fica em silêncio, sem palavras, olhando para o gramado bem aparado.

— Jared lutou contra o câncer. Tentamos todos os tratamentos possíveis durante cinco anos, consultei colegas médicos e laboratórios, mas infelizmente ele se foi há dois anos — comenta, sem tirar os olhos da casa da mulher que foi sua nora — Ainda estamos superando a sua morte. Não é fácil perder um filho, mas a dor da Rose é ainda mais profunda; até hoje, ela não conseguiu se recuperar. Ela não se alimenta corretamente e não consegue viver plenamente. Minha esposa e eu tentamos ajudá-la, mas chegou um ponto em que nossa ajuda parecia um fardo para ela. Eu entendo. Fui médico por trinta e dois anos e já vi todo tipo de dor física, mas a dor psicológica é a mais difícil de suportar.

— E a família dela? — Victor questiona, após terem conversado alguns minutos sobre a perda.

— Os pais dela moram na Inglaterra, vieram visitá-la algumas vezes, mas ela sempre os distanciava, assim como todo o resto das pessoas.

Eles conversam por mais alguns minutos, até decidirem entrar em suas casas. Pouco depois, Rose chega em seu carro. Da janela da cozinha, Victor observa seu semblante, que parece mais relaxado, o que o alivia de alguma forma.

Decide que uma boa maneira de ajudá-la seria preparando algo nutritivo. Resolve fazer uma sopa tailandesa que aprendeu com o marido de sua irmã, descendente de tailandeses. Ele acredita que isso poderia ajudar Rose a superar seu preconceito em relação a sopas.

Antes, porém, ele precisa buscar alguns ingredientes especiais que só encontra em mercados asiáticos. Junto com Barry, Victor dirige até o mercado mais próximo, com seu carro adaptado a sua deficiência.

Horas depois, já na hora do almoço, ele decide que a receita está pronta para ser entregue à vizinha.

///

— Você cozinha muito bem. É chef de cozinha? — Rose dá uma longa colherada na sopa asiática, composta por camarões, cogumelos, gengibre e capim-limão.

Victor hesitou mais cedo em chamá-la, não queria ser incômodo ou invasivo. Ele se perguntava se ir novamente até a porta da vizinha a deixaria desconfortável. Se ela realmente estivesse buscando ajuda, sua tentativa de apoiá-la poderia ter o efeito oposto, trazendo mais gatilhos. Mas para sua surpresa, Rose havia ido até sua casa, alegando que o aroma da comida estava invadindo sua casa.

— Não, na verdade sou advogado. Estou de férias do trabalho. Raramente tenho tempo livre para cozinhar, então aproveito essa pausa para treinar minhas habilidades culinárias. — Victor sorri, contente com o elogio à sua comida inspirada na cultura do cunhado.

— Estive na clínica mais cedo e fui apresentada ao seu cunhado pela sua irmã. Falei que tinha vindo através de você. Eles realmente são pessoas gentis. Me senti muito acolhida. Terei acompanhamento toda semana com a sua irmã, e ela me garantiu que, se eu não me sentir confortável, posso trocar de profissional facilmente. Mas, com certeza, vou ficar com ela até o fim. — Rose explica, confiante. — Muito obrigada, Victor, de verdade. Você me deu esperanças. Já me sinto mais leve apenas no primeiro dia de terapia. — Ela o olha nos olhos.

— Fico feliz que você tenha ido e se sentido bem. É só o começo. — ele garante, sorrindo alegremente.

Enquanto isso, Barry está em um canto da cozinha, saboreando sua própria comida, enquanto o casal desfruta da sopa rica em especiarias.

— Quanto tempo você sentiu que estava realmente bem? Que podia voltar a viver após a sua perda? — Rose pergunta interessada.

— Senti-me de fato melhor um ano depois. Mas, no meu caso, o processo foi mais rápido porque aceitei a ajuda da minha irmã sem hesitar. Então, não se compare, Rose. Você esteve enfrentando todo esse tempo de dor sozinha e agora está começando seu processo de autocura. Você vai conseguir, acredite, mesmo que pareça impossível neste momento. — tenta confortar ela.

— Posso fazer outra pergunta, se não se importar? — pergunta ela, e Victor assente. — Como a Clare faleceu? — Rose se sente um pouco invasiva, mas a curiosidade é maior.

— Num acidente de carro. Estávamos voltando do aeroporto em um táxi. Havíamos passado nossa lua de mel na Itália. Nova York estava chovendo muito e havia um trânsito terrível num domingo à noite. Um carro colidiu com o nosso e, num piscar de olhos, aconteceu o acidente fatal. — respira fundo, e retoma: — Infelizmente, a Clare não sobreviveu, junto com o motorista; apenas eu tive o privilégio, ou a desgraça de sobreviver, era o que eu pensava na época.  A cadeira de rodas agora é minha companhia diária. — Victor conta tudo com uma naturalidade impressionante. Rose não consegue interpretar seu olhar; ele está sério, como nunca o viu antes, mas logo sua expressão se transforma.

— Caramba, Victor. Eu não posso imaginar como deve ter sido dolorido ter perdido a sua esposa voltando de um momento tão especial, vocês haviam acabado de se casar. Isso foi tão... injusto com vocês dois. — lamenta a viúva, com os olhos marejados. — Eu sinto muito.

— Não, está tudo bem agora. Hoje me sinto muito melhor. Mas parecia o fim do mundo no início, foi definitivamente o pior dia da minha vida. Eu havia casado com a minha melhor amiga e perdido ela sete dias depois. — explica ele com pesar, mas o seu olhar permanecia leve de algum forma. — Clare era um ser humano incrível, ela odiaria me ver sofrendo e odiando o mundo.

Sua fala incomodou Rose profundamente, imaginando que Jared pensaria o mesmo.

— Minhas pernas foram prejudicadas, mas fiz fisioterapia, as dores diminuíram, junto com as dores psicológicas e do coração. — o viúvo sorri, melancólico. — E o Barry entrou na minha vida no momento em que eu mais precisava. Ele dá um pouco de trabalho, é um menino teimoso, como você já pôde perceber, mas é um ser adorável e sempre disposto a ajudar. Não sei o que seria de mim sem ele.

Rose e Victor sorriem juntos, admirando o animal que foi o grande responsável pelo encontro repentino dos dois viúvos e agora podiam compartilhar suas dores em comum e os processos distintos e pessoais.

Abraçando RecomeçosOnde histórias criam vida. Descubra agora