Capítulo 2

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Horas se passaram desde que a vizinha de Victor o ajudou após seu acidente doméstico. Mas, estranhamente, ele não conseguia pregar os olhos. Não era apenas pela dor persistente na lombar, mas pela instigante mulher que saíra rapidamente, como se estivesse cometendo um grande erro. Ele tinha quase certeza de que ela deveria ser casada e que seu marido a aguardava em casa.

Rose apareceu de surpresa em sua casa, seguiu um cachorro desconhecido e o ajudou sem hesitar, utilizando uma força que ele jamais imaginaria que uma mulher tão franzina pudesse ter.

Ele se recordava de já tê-la visto pouco depois de se mudar para a vizinhança, quando estava organizando os objetos em seu novo lar. A mulher de cabelos claros e rosto pálido estava encarando a janela à sua frente com um olhar distante, como se estivesse entorpecida, sem esboçar reação alguma. Ela não o viu; apenas ele prestou atenção em sua presença do outro lado da rua. Aquela mulher estranha chamou sua atenção e deixou curiosidade em sua mente.

Após vê-la pessoalmente em sua casa e perceber mais detalhes de sua aparência, ele se surpreendeu. Ela era peculiarmente bonita, apesar das olheiras e da mandíbula fina, como se não se alimentasse. Então vieram as dúvidas e preocupações. Sua imaginação vagou longe. Ele acreditava que ela poderia estar em um relacionamento abusivo, mas, após meses morando de frente para a casa dela, nunca havia notado uma presença masculina.

Barry dorme como um anjo ao seu lado, ocupando quase toda a metade da cama, muito mais espaçoso do que a mulher que ele amara ocupava um dia. O cachorro substitui o espaço com prazer.

Victor permanece incomodado, incapaz de pregar os olhos. O breve sorriso que Rose deixara não saía de sua cabeça.

— Clare, o que eu faço? — Victor pergunta ao nada, buscando uma resposta sobre como agir.

Agora já no andar de baixo, arrastando-se ansioso pela imensa cozinha, ele se inclina levemente sobre a cadeira de rodas em frente ao forno e verifica se a massa da torta está dourada o suficiente.

— Clare, espero que você não se importe que eu tenha roubado a sua sobremesa favorita — ele sorri nostálgico, colocando a forma curvada de alumínio quente sobre a bancada de mármore claro.

Barry desce as escadas em alerta ao ouvir o barulho vindo da cozinha, já preocupado com seu dono.

— Estou aqui, irmão. Estou bem, só aprontando um pouco na cozinha. Acordei inspirado — Victor diz, verificando pela milésima vez sua criação, inseguro quanto ao sabor, apesar de já ter feito a mesma receita várias vezes. — Vamos acordar a vizinha comigo? Será que ela gosta de doce logo cedo, hein, Barry? — pergunta ao cachorro, que encara a massa doce com olhos famintos — Acalma aí, preciso que você lata na porta da vizinha e não que coma o café da manhã dela — o cadeirante adverte o animal guloso. — Vem, vamos lá, Barry Allen.

Victor começa a atravessar o gramado em direção à casa de Rose, enquanto Barry já estava na varanda da vizinha, latindo barulhento. O rapaz para a poucos centímetros dos degraus da varanda, ansioso e ainda mais curioso. A frente da casa, assim como o gramado descuidado, está cheia de pó e bagunças ao redor. Mas, ao contrário das pessoas que olhavam a casa da vizinha com desprezo, Victor observa com preocupação e incômodo. Não um incômodo pessoal pela desordem, mas pela angústia que aquilo poderia representar. Ele percebeu que Rose não estava bem emocionalmente e queria ajudar de alguma forma, retribuindo a assistência que ela lhe dera no dia anterior.

Não demora muito para que ela apareça na porta, vestindo um pijama que parece pelo menos dois números maiores do que ela. Com o rosto de quem foi acordada às pressas, encara-o, assustada, junto de Barry.

— Bom dia, Rose. Perdão por incomodá-la tão cedo. E desculpe se te assustamos. Mas, dessa vez, o Barry latiu em paz, e viemos trazer algo como um pequeno agradecimento por ontem — diz Victor, erguendo uma travessa de vidro para ela.

Abraçando RecomeçosOnde histórias criam vida. Descubra agora