Entre𝑁𝑜́𝑠 - Ana Carolina.

• prólogo

🏐🪢💙

Sabe quando tudo que você mais quis, está tão próximo de você que chega ser assustador? Pois é, é esse o sentimento. Eu sinto um emaranhado de angústia e caos interno que me faz repensar se de fato tenho feito boas escolhas ao longo de minha trajetória. As coisas foram simplesmente acontecendo e hoje eu me sinto como se o chão fosse sumir dos meus pés a qualquer momento, é angustiante.

Todos esses anos foram simplesmente incríveis, eu diria que quase perfeitos, qualquer pessoa estaria agradecendo aos céus pelas oportunidades, eu também agradeço, não sou hipócrita, mas falta algo. Falta desatar o nó entre o hoje e o ontem, falta a parte importante desse todo, falta ela.

Hoje eu vivo o auge da minha carreira profissional, sou reconhecida, reverenciada, aplaudida, ovacionada aonde eu vou levando a minha arte, perdão pela falsa modéstia, mas sim, eu considero uma obra de arte fazer o que eu faço tão bem, mesmo que tenha quem não ache, coisa que eu não me importo, afinal de contas, eu sei do meu valor.

Estou em um clube importante europeu, tenho a oportunidade de jogar na maior liga de vôlei do mundo, sou respeitada por ser quem eu sou, não há do que reclamar. Mas há. Porque quando eu deito a cabeça no travesseiro eu sinto meu peito apertar, me dói. É como se fosse difícil respirar, me sinto incompleta. Mas calma, para você entender precisamos voltar no tempo... mais precisamente 2017.

𝗥𝗶𝗼 𝗱𝗲 𝗝𝗮𝗻𝗲𝗶𝗿𝗼, 𝟮𝟬𝟭𝟳 -
𝗠𝗮𝗿𝗮𝗰𝗮𝗻𝗮̃𝘇𝗶𝗻𝗵𝗼.

Estávamos em êxtase total, Regis levantava o troféu que se juntava aos outros 11 que já tínhamos em nossa galeria vitoriosa, o ginásio vindo abaixo gritos ensurdecedores dos torcedores fiéis do nosso time, que na época era o time a ser batido, eu uma promessa do vôlei nacional sendo projetada para o que eu sou hoje, estava radiante de felicidade, sabia que seria a minha última temporada no clube que me projetou anos antes a convocação para as seleções de base. Sai jovem do Mackenzie para treinar com o melhor técnico do Brasil à época e vivi feliz, apesar das lesões e cortes, inclusive das olimpíadas do 2016.

No entanto, tudo que era turvo e conturbado foi esquecido com aquela vitória, eu era tetracampeã da Superliga no time dos sonhos, não era capaz de reclamar de absolutamente nada. Tinha a sorte de estar com as melhores companheiras que uma atleta nova como eu, poderia ter, meu Deus eu tinha jogado anos antes com a Fofão, Sheilla, Mari e ainda jogava com a Fabi, campeãs olímpicas. Lá em 2017, eu tive sorte e tinha ela.

Elis, também comemorava o título com alegria e felicidade, enquanto trocamos olhares discretos, muito por conta de querer nos preservar, do que qualquer outra coisa, já que nossas colegas sabiam de nós. Mas eu sabia que teríamos um momento só nosso de comemoração, sempre era isso, confraternizar em coletivo e depois nos encontrávamos para partilhar as alegrias pós-vitórias sozinhas dividindo o quarto do hotel ou qualquer outro lugar que fosse acolhedor e aconchegante.

"Parabéns garotas! Vocês são merecedoras de tudo que estão conquistando, me sinto muito feliz e grato por poder tê-las comigo nessa jornada tão especial que é comandar o Rexona!" Bernardo finalizou sua fala quando já estávamos no vestiário, após as comemorações em quadra. "Quero agradecer em especial uma menininha que eu conheci no Mackenzie batendo bola com muita força no chão, mas que ainda com toda braveza, não tirava o sorriso do rosto, Carol..." sua mão direita me alcançou e eu já senti meus olhos se inundando de lágrimas. Bernardo foi e sempre será muito importante na minha carreira, serei grata para sempre por tudo que ele fez por mim, mas eu odiava despedidas e aquela era a minha. "Espero que você possa ser imensamente feliz na Turquia..." sua fala foi brevemente interrompida por sussurros de incredulidade, fechei meus olhos tentando me acalmar, ouvi ao fundo Elis proferir um palavrão, e depois daí agi no automático. "Quando quiser voltar, saiba que o Rio também é a sua casa!" Finalizou sob os aplausos de todo mundo, quase todo mundo, e me abraçou calorosamente.