A névoa envolvia as ruas da cidade como um véu espesso e opressivo. Calton Carcovichi, jovem escritor e analista comportamental, se sentia afundar em um abismo de incertezas ao lado de Kazuki. Ambos haviam passado noites imersos em discussões sobre o assassino de Kossei, que vagava pelos bairros da cidade, espalhando o caos e o medo. Mas as pistas, por mais concretas que parecessem, deixavam um sabor amargo na boca de Calton — como se a realidade ao redor deles estivesse em frangalhos, despedaçada pela própria sombra do desconhecido.
Kazuki, sempre enigmático, compartilhava sua visão distorcida dos eventos, mas Calton começava a questionar se tudo aquilo era realmente verdadeiro ou apenas uma ilusão. Os fragmentos de déjà vu que invadiam sua mente o faziam duvidar até mesmo da sanidade, e a sensação de que ele ainda estava preso em uma cadeia, talvez mental, crescia a cada dia.
Ao retornar ao seu apartamento, Calton fitou o espelho como sempre fazia, tentando refletir sobre os acontecimentos do dia. Mas algo estava errado naquela noite. O reflexo que ele via não era o seu. Era Dominik, o alter ego sombrio de Henry, sorrindo de maneira perversa e perturbadora. O ar ao redor parecia congelar, e o quarto se tornava cada vez mais escuro.
"Você achou que isso havia terminado?", Dominik sussurrou, sua voz reverberando como um trovão distante. "A verdade, Calton, é que nunca termina."
Calton tentou afastar a visão, recusando-se a acreditar. "Você não é real. É apenas um fantasma... uma lembrança deturpada."
Dominik sorriu com desprezo. "Você acha que sou apenas uma sombra? Não, eu sou muito mais do que isso. Sou a verdade que você e Henry sempre temeram encarar. O reflexo distorcido que estava diante dos seus olhos, mas que vocês preferiram ignorar."
Calton sentiu a escuridão engolindo-o. O medo o consumia. "Você... você era apenas uma manifestação. Henry criou você."
"Não, Calton. Eu sempre estive aqui. Henry não me criou. Eu sou o que ele sempre foi... o que todos vocês são, na verdade. Uma máscara atrás de outra máscara. E por mais que tente se esconder, você é apenas mais uma peça desse jogo."
A pressão na mente de Calton tornou-se insuportável, como se as paredes de sua sanidade se fechassem ao seu redor. As vozes de outras personalidades ecoavam em sua cabeça, zombando de sua fraqueza. Mas então, com esforço sobre-humano, ele olhou diretamente para o reflexo distorcido e encarou Dominik.
"Você, Henry, Dominik... nós somos a mesma pessoa", ele murmurou, sentindo o peso de suas palavras.
Dominik sorriu, satisfeito. "Exato. E é por isso que nunca poderá escapar."
De repente, o espelho trincou. A imagem de Dominik se despedaçou em fragmentos, e Calton sentiu o chão desaparecer sob seus pés.
Calton acordou de repente, ofegante, o coração batendo descontroladamente. Ao olhar ao redor, percebeu que estava deitado sobre uma ponte na cidade de Divinópolis. O som do rio correndo abaixo misturava-se com o vento suave da noite. A visão da cidade ao longe era a única coisa que ancorava sua mente à realidade.
"Você está bem?" — a voz de uma mulher soou ao seu lado.
Calton virou-se para ela, ainda atordoado, tentando processar onde estava e como havia chegado ali. Ele apenas balançou a cabeça em silêncio, incapaz de formular uma resposta.
Mais tarde, ao chegar em casa, sentou-se em frente à televisão, tentando organizar os pensamentos que se atropelavam em sua mente. O noticiário exibia uma manchete perturbadora: "Caso Kossei reaberto nos Estados Unidos. O que pode ser legítimo ou uma conspiração?"
A notícia trouxe uma avalanche de questionamentos para Calton. Seria tudo aquilo real? Ou mais um fragmento de sua mente despedaçada? Ele havia passado tanto tempo analisando os eventos que, agora, já não sabia o que era verdade e o que era ilusão. A ideia de que sua própria existência pudesse ser parte de um jogo muito maior o assombrava.
Sentado em sua poltrona, ele começou a refletir sobre sua própria identidade. Quem ele realmente era? Não seria ele apenas mais uma personalidade entre tantas outras, vivendo em um ciclo de distorções e falsidades? Calton se lembrou de Friedrich Nietzsche, que falava sobre o abismo que olhava de volta quando o encaramos. Seria ele um reflexo do caos ao qual Henry, Kazuki e Dominik haviam sucumbido? Ele também pensou em Jean-Paul Sartre, que dizia que "o inferno são os outros". Talvez o inferno fosse ele mesmo, sua própria consciência fragmentada.
Calton pegou um livro de psicologia forense e abriu nas anotações sobre psicopatia. Lá, leu: "A verdadeira escuridão não é a falta de luz, mas a ausência de alma. Os psicopatas não apenas vivem nas sombras; eles são as próprias sombras." Essas palavras ressoaram em sua mente, enquanto ele refletia sobre sua própria natureza. Seria ele uma sombra? Ou alguém destinado a viver entre elas, preso no limiar entre realidade e ilusão?
Ao se levantar, viu algo que não havia notado antes. Uma faca de caça estava sobre a mesa. Ele pegou o objeto, girando-o nas mãos, sentindo o peso frio do metal. Foi quando notou seu próprio reflexo no espelho ao lado. Seu rosto estava marcado com uma cicatriz, uma linha fina que cortava sua bochecha. Como ele havia conseguido aquela marca?
Olhou para o braço esquerdo e viu algo que o fez gelar. Uma cicatriz, aparentemente antiga, formava as letras "HELP". Aquele era um pedido de socorro gravado em sua pele, mas ele não se lembrava de ter feito aquilo. A sensação de que sua própria mente estava se desfazendo o dominou. Quem ele era de verdade?
Calton largou a faca, seu olhar perdido na cicatriz. Dominik, Henry, Kazuki... seriam todos facetas da mesma pessoa? Ou ele estava se fragmentando, sucumbindo à mesma escuridão que destruiu os outros?
No final, talvez a verdade não importasse. Talvez, como as palavras que ele tanto estudara nos livros, ele fosse apenas mais uma personalidade, navegando entre a luz e a sombra, em busca de respostas que nunca viriam.
E assim, a cicatriz, a faca, e as palavras gravadas em sua pele eram tudo o que restava de sua sanidade.
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Fora do Ciclo III - O Diário de Henry.
Misterio / SuspensoSeis meses antes dos eventos principais, Henry luta contra seu alter ego perigoso, Dominik, nos Estados Unidos. "Fora do Ciclo - O Diário de Henry 2024" revela o tumultuado relacionamento entre Henry e Dominik, ilustrando a batalha constante causada...