Halley - A Ascensão Dos Bastardos

Capítulo 3

Stella parou em frente à entrada de um dos lugares mais frequentados da Capital, baixou o capuz para que os homens que vigiavam o local vissem seu rosto. Ela fez um rápido sinal usando as mãos, seu passe para entrar. Os guardas abriram espaço, e puxaram a cortina que mantinha o local fechado.

O som suave de uma arpa invadiu seus ouvidos, e um aroma adocicado deleitou suas narinas. A humana fechou os olhos por um momento enquanto entrava, e quando os abriu novamente, parou para observar.

O sol que entrava pela janela iluminava a pele da mulher que tocava o instrumento, no canto da sala, coberta com uma fina camada de seda branca. Próximo a ela, uma moça mais jovem com as mesmas vestimentas, fazia questão de registrar o momento nos mais mínimos detalhes em sua pintura. Do outro lado da sala, sentado em uma poltrona vermelha um belo rapaz se concentrava em sua leitura. Mais próximo dela, dois oponentes se enfrentavam em uma partida de xadrez, enquanto mais alguns assistiam ao redor. Todos com as mesmas vestimentas brancas, seda macia como uma nuvem, ela sabia.

Tudo ali parecia continuar igual. Os mesmos vitrais floridos de cinco anos atrás. O cheiro de baunilha dos doces, as cortinas vermelhas.

A única coisa que havia mudado era ela.

- Você já foi atendida? – uma voz disse ao seu lado.

Um jovem de pele escura e cabelos longos a encarava, esperando por resposta. Stella o analisou, imaginou que teria entre treze e quinze anos.

- Não – respondeu. – Gostaria de ver Caim.

- Infelizmente ele não se encontra, saiu para fazer...

Stella pode identificar a mentira antes mesmo que ele terminasse a frase, logo se adiantou, e usando a linguagem de sinais, ela disse:

"Diga a ele que o Corvo Dourado está aqui"

O jovem parou, captando a mensagem rapidamente, ele cruzou os braços atrás das costas e assentiu. A jovem observou enquanto ele atravessava a sala e seguia por um corredor extenso. Aproveitou para beliscar um pãozinho doce que pegou da mesa farta, mas mal deu duas mordidas e o garoto apareceu novamente, chamando-a com um aceno para segui-lo pelo corredor.

Ao entrar pela passagem, a música da arpa deu lugar aos gemidos de prazer dos cômodos ao redor do corredor, fechados apenas por uma cortina vermelha.

Muitos que visitavam a casa de prazeres de Caim, procuravam por conforto, gentileza, conselhos ou até mesmo amor. Mas Stella sabia melhor que ninguém, que aquele era o melhor local para se obter informação. Os segredos eram revelados com suspiros, e mantidos encobertos por uma fina cortina vermelha.

O extenso corredor terminou com o único cômodo do lugar que não era trancado por um tecido, mas sim por uma porta de verdade. O jovem deu duas batidas suaves, e abriu a passagem para ela, fechando-a assim que ela entrou.

Stella já sabia o que encontraria quando entrasse ali, mas não conseguiu deixar de olhar ao redor, procurando por novos rostos. Cada um dos funcionários de Caim estava presente naquela sala, antigos e novos, rostos e corpos. Eternamente gravados através da tinta vibrante e pinceladas suaves. Todos nus, como no dia em que nasceram.

Entre todos os quadros, a jovem concentrou-se em um em especial. Pendurado ao lado de duas outras jovens próximo ao teto, estava seu próprio rosto, cinco anos mais jovem. Pele parda, olhos amendoados, cascatas castanhas descendo pelas costas com mechas douradas. Caim havia pintado como se fossem fios de ouro, havia marcado um brilho em seu olhar que ela não sabia se existia mais.

Stella sentia saudade de ser uma criança.

Retornando ao presente, ela encontrou o autor das pinturas observando-a por trás da escrivaninha. Parecia exatamente igual ao dia em que se conheceram. Os dedos sujos de tinta, a camisa branca amassada e meio aberta, o cabelo loiro preso em um rabo extenso, e os olhos azuis límpidos como a face da verdade.