Salém

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• Por favor, não faz isso... Eu te imploro! Me peça qualquer coisa - as lágrimas rolavam incessantemente - me leve em seu lugar, ele só tem 13 anos!

• Isso não foi minha culpa, eu fiz tudo que pude, ele já não esta mais aqui. - a voz embargada tentava explicar.

Foi naquele momento em que o olhar de Agatha se modificou, a súplica pela vida de seu filho, se transformou em puro ódio pela pessoa em que ela mais confiou em toda sua vida.

• O seu único interesse é...

• Se você falar mais uma palavra, eu juro... - Rio impõe o limite.

• eu não estava aqui quando ele estava doente, eu não estava aqui quando não cuidaram dele, nós não estávamos aqui, e isso tudo é culpa sua!

Ao som do choro e dos berros de Agatha, Rio ergue o corpo de Nicholas já sem vida com ambos os braços como se carregasse a coisa mais preciosa que já tivesse em mãos, caminha para longe da visão de Agatha para que ela não precise ver.

• Eu sei que você ainda consegue me ouvir - diz Vidal, para o menino em seu colo que parecia apenas dormir - mas eu também sei que você ainda não pode me responder, e vou estar aqui eu vou estar esperando você.

Rio ergue os olhos para o céu e vê que a lua está cheia

• A maré está cheia. - a mulher constata esperançosa.

Ao invés de fazer o ritual como sempre faz, como teria feito com qualquer outra pessoa, ela decide tomar um outro caminho. Com o mesmo cuidado, ela deita o corpo de Nicholas na beira de uma cachoeira e conversa com outra força tão antiga quanto a dela.

• Eu nunca te pediria nada, você sabe muito bem o porque eu estou aqui - o tom era frio e seco - a hora chegou mais cedo do que eu imaginava, mas eu preciso que você leve essa alma e essa matéria para um lugar onde eu não seja tentada fazer uma coisa que eu não deveria por amor.

O choro de Agatha ainda ecoava fresca na cabeça de Vidal, ela abaixa o rosto levemente e espera que a força a escute e tenha piedade para atender o seu pedido.

• Você vai voltar de qualquer jeito, e você sabe disso. - diz a mulher de pele negra, cabelos lisos e brilhantes.

• Mas que não seja agora, que eu pense melhor, e que eu aceite as consequências dos meus atos quando eu errar.

• Levar ele pra mim é a adiar uma coisa que está escrito no destino, a magia pode mudar o caminho mas objetivo é sempre atingido. - Gaia sai da cacheira e sobe tranquila pelas pedras até estar próxima o suficiente de Rio.

• Por favor só faça o que eu peço

Gaia acaricia os cabelos do menino e sorri terna.

• nunca negaria o pedido de uma mãe - a mulher encara os olhos de Vidal - você realmente achou que eu nunca ia descobrir o que fez? - ela sorri tranquila novamente - eles já estavam no seu destino.

A mãe natureza passa a mão direita em cima do corpo de Nicholas, e enquanto passa o menino perde sua matéria, se tornando um amontoado de partículas de cor roxa e esverdeada, até sumir por completo.
A cada momento que Rio perdia o menino de vista, lágrimas em seu rosto rolavam, e a dor em seu peito era algo que ela nunca havia experienciado antes.

Salém, 1693

A magia faz com que almas se encontrem das maneiras mais inesperadas possíveis.

Agatha é a filha caçula de cinco irmãs, todas as meninas com apenas um ano de diferença de idade e extremamente talentosas e belas.
Porém a Agatha ainda não tinha descoberto o que tinha de especial em si mesma, por isso buscava nas irmãs uma inspiração e tentava aprender de todas as maneiras o que suas irmãs tinham de melhor.
Sempre gostou de artes, mexer com plantas e andar pelos bosques próximos ao seu vilarejo.

Liana, a filha mais velha, sempre teve muito talento com a cozinha. A mistura de temperos e óleos era o que mais sabia fazer.

Ella, tinha nascido logo após Liana, sua beleza era estonteante, fazia vestidos encantadores para todas as suas irmãs, sua mãe e às vezes até para algumas vizinhas.

Porém nada dessas coisas agradava a Agatha, sempre foi uma menina muito curiosa. Em um desses passeios pelos bosques onde recolhia plantas que sabia que poderiam te ajudar em algum outro momento, percebeu que não estava sozinha. Ao ouvir o barulho de passos em folhas secas, se levantou e começou a olhar em volta.

A cidade estava perigosa, as pessoas começavam a acusar umas às outras de bruxaria para igreja, e as acusadas sumiram de maneiras muito misteriosas. Enquanto procurava quem era sua companhia inesperada no bosque ouviu um assovio.

• Não precisa se assustar - a jovem de cabelos negros e olhos marcantes sai de trás de algumas árvores.

• Quem é você? - o medo de Agatha se foi, dando lugar para curiosidade.

• Pode me chamar de Vidal

• Quantos anos você tem?

• Quantos anos você tem? - Rio devolve a pergunta.

• Completei 15 semana passada.

• E o que faz aqui no meio do bosque, desacompanhada? - Vidal se aproxima devagar da nova conhecida.

• Só pegando umas flores, as minhas favoritas - Agatha exibe o amontoado de flores roxas em sua cesta de palha.

Vidal observa a quantidade exorbitante de flores que Agatha carregava em suas mãos.

• Pra que são?

• Pra me deixar um pouco mais feliz. - responde Agatha sorrindo.

• Pois então que pegue todas, acredito que quem toma conta desse bosque não se importaria em ver alguém tão feliz quanto você está, com apenas a existência de uma flor roxa.

• Ninguém toma conta de um bosque - ela disse rindo

• Absolutamente tudo que existe nessa terra tem os seus Cuidadores.

• Eu preciso ir, minha mãe deve estar me esperando, te vejo logo?

• Amanhã mesmo estarei aqui, quem sabe com novas flores pra te ensinar que a felicidade pode ter várias cores

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