A Ilusão de Paz

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Século IV. a.C.
Grécia antiga

Selene nasceu em um dia ensolarado, cercada pela luz dourada que parecia abençoar sua chegada ao mundo. O palácio de Arcadia estava em festa, e os risos ecoavam por seus corredores. A alegria era palpável, e a pequena Selene, envolta em mantos brancos e delicados, era o centro das atenções.

Entretanto, enquanto todos celebravam, uma sombra se aproximava, uma nuvem que obscureceria a luz em que a menina vivia.

Desde os primeiros momentos de sua vida, Selene sentiu-se cercada por uma sensação de proteção. A presença de sua mãe, a rainha, era um consolo constante. Os sorrisos da rainha iluminavam o ambiente, e as histórias que ela contava à noite eram como canções de ninar que a embalavam em um sono tranquilo.

Selene adorava essas histórias, principalmente quando sua mãe falava sobre a coragem, amor e a luta contra o mal. Esses contos eram mais do que simples narrativas; eram lições que moldariam seu caráter, mesmo que ela não percebesse naquele momento.

Entretanto, à medida que Selene crescia, a realidade começou a se desenhar diante de seus olhos. A alegria que preenchia o palácio começou a vacilar, e a atmosfera leve que antes reinava deu lugar a um clima tenso e inquietante. O reino, apesar das festas e celebrações, escondia um lado obscuro, um abismo que Selene começava a vislumbrar.

Lembro-me de como, em uma tarde qualquer, enquanto brincava no jardim, uma discussão entre seus pais rompeu o silêncio sereno. As vozes elevadas eram um aviso do que estava por vir. Selene, assustada, parou de brincar e espiou através das flores. Sua mãe, com os olhos cheios de lágrimas, gritava palavras que Selene não conseguia compreender totalmente, mas sentia a dor que permeava cada sílaba.

A rainha clamava, sua voz cortante como vidro: "Você não entende, não é só sobre nós! É sobre o reino, sobre o futuro de nossas filhas!" O rei, em resposta, falava com um tom de desespero, tentando encontrar um meio de apaziguar a situação, mas Selene sabia que nada poderia ser feito. O medo começou a germinar em seu coração; a ideia de que o amor de seus pais poderia se transformar em raiva era uma verdade que ela se recusava a aceitar.

Os dias se passaram, e a vida continuou, mas a sombra da discórdia crescia. Selene e Helena, mesmo sem perceberem, começaram a se afastar de sua mãe. A bondade que uma vez preenchia seus laços estava sendo substituída por desconfiança. Selene via a raiva e o desespero nos olhos de sua mãe, mas não entendia o porquê de toda aquela confusão.

Uma noite, enquanto olhava para a lua pela janela de seu quarto, Selene fez um desejo silencioso. "Por favor, que tudo volte a ser como antes." O brilho prateado da lua parecia lhe responder, mas, no fundo, ela sabia que seus desejos eram apenas ilusões. A fragilidade da felicidade era evidente, como um castelo de cartas prestes a desmoronar.

Então, chegou o dia fatídico que mudaria tudo. Selene não conseguia imaginar que aquele dia seria um divisor de águas em sua vida. Ela havia acordado cedo, com a esperança de que a luz do sol trouxesse consigo um novo começo. Mas, ao descer as escadas do palácio, um grito cortou o ar como uma faca afiada. Era a voz de sua mãe, alta e ensurdecedora. O pânico tomou conta de Selene. Seus pequenos pés correram em direção ao som.

Quando Selene entrou na sala, o que viu a deixou paralisada. A rainha estava em uma explosão de emoções, sua figura que um dia irradiava calma e amor agora era uma tempestade de dor e fúria. -Traidor!-

A palavra escapou dos lábios de sua mãe como uma maldição, uma expressão do desespero que não poderia mais ser contida. Selene observava, seu coração apertado no peito, enquanto tentava entender o que estava acontecendo.

"Como você pode fazer isso? Como você pode me trair e ainda olhar nos olhos de nossas filhas?" As palavras de sua mãe reverberavam, e Selene sentia que o mundo ao seu redor estava desmoronando.

Ela tentou se aproximar, tentar confortar, mas o pânico em seus olhos a paralisava.

-Por favor, mãe, não grite!- Selene implorou, suas pequenas mãos levantadas em um gesto de apelo. Mas a rainha não a ouviu. O caos se desenrolava diante dela, um turbilhão de emoções e gritos que ecoavam em sua mente, deixando um rastro de confusão e medo.

Selene nunca imaginou que um dia sua vida pudesse ser assim, cheia de gritos e lágrimas. E, enquanto ela se perdia em seus pensamentos, percebeu que a imagem de sua mãe, tão forte e protetora, agora estava quebrada. A dor, a traição, tudo isso se tornava mais do que apenas palavras; eram sentimentos que ela nunca soubera que existiam.

A rainha, em sua fúria, parecia não perceber a presença de Selene, e isso a machucava profundamente. Ela se sentiu invisível, um fantasma que vagava em seu próprio lar. O amor que sempre soube existir estava se transformando em algo obscuro e imprevisível.

Com o coração pesado e a mente em tumulto, Selene finalmente compreendeu que a ilusão de paz que sempre houvera em sua vida estava se desvanecendo. A inocência que a cercava havia se perdido naquele momento, e, ao olhar para sua mãe, viu não apenas uma mulher em desespero, mas a fragilidade de sua própria existência.

Naquele instante, Selene soube que a vida no palácio não seria mais a mesma. O reino de Arcadia estava à beira de uma mudança devastadora, e a história de sua família estava prestes a ser reescrita em páginas manchadas de dor e traição.

~ Continua~

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