O crepúsculo tingia o horizonte de laranja e vermelho, enquanto o caos habitual da cidade parecia dar lugar a um silêncio inquietante. As ruas desertas refletiam o brilho das luzes dos prédios distantes, e o ar cheirava a fumaça e poeira, resquícios das últimas batalhas que marcaram o dia. Dabi, com suas cicatrizes e olhar cansado, caminhava lentamente por entre as sombras, suas botas ecoando contra o asfalto.
Ele sempre preferiu o entardecer. Era o momento em que o mundo parecia à beira de algo - nem totalmente envolto na luz, nem consumido pela escuridão. Um equilíbrio precário que refletia exatamente o estado de sua mente. Ele passou por algumas fachadas destruídas, vidraças quebradas e pichações de gangues locais. O cenário urbano em ruínas nunca o incomodou; na verdade, ele achava quase bonito. Havia uma ordem nas cinzas, um propósito no caos que seguia onde ele passava.
Mas, naquele dia, algo era diferente. Dabi sabia que não estava sozinho.
Sem levantar os olhos, ele podia sentir o peso da presença de Hawks no alto. As penas do herói pareciam vibrar com a brisa noturna, anunciando sua chegada antes mesmo de Dabi olhar para o céu. Ele sorriu de lado. Claro que Hawks apareceria - sempre aparecia, como um maldito anjo da guarda que ele não havia pedido.
Hawks voava em círculos, suas asas vermelhas se destacando contra o céu que agora escurecia. Dabi observou o herói descer lentamente, pousando com uma leveza impressionante no topo de um prédio abandonado. Aquele maldito jeito despreocupado, quase como se estivesse apenas aproveitando a vista. Dabi odiava como Hawks parecia tão à vontade em qualquer situação, como se nada o afetasse de verdade.
- Até parece que você não tem mais o que fazer, Hawks - Dabi gritou, sua voz rouca cortando o silêncio. - Ou será que a Comissão finalmente te deu uma folga?
Hawks inclinou a cabeça, com um sorriso fácil nos lábios. - E perder a chance de ver meu vilão favorito em ação? Nem pensar.
Dabi bufou, cruzando os braços e observando o herói descer, saltando de uma viga para outra até pousar suavemente no chão em frente a ele. Mesmo em pé, a diferença de altura entre os dois era muita, mas as asas de Hawks sempre davam a impressão de que ele dominava o espaço ao seu redor.
- De novo com isso de "vilão favorito"? - Dabi estreitou os olhos. - Você precisa de novos hobbies.
- E você precisa de novos alvos, amigo - Hawks rebateu, suas asas se retraindo enquanto ele caminhava até Dabi. - Acha que não notei? Você anda se movendo por aqui com frequência. Me diz, o que você está planejando?
Havia uma ponta de preocupação na voz de Hawks, algo que Dabi podia captar facilmente, mas ignorou. Ele deu de ombros, como se a pergunta não tivesse importância. - Não é da sua conta.
- É da minha conta quando envolve destruição e perigo para civis - Hawks insistiu, sem perder o tom leve, mas com os olhos atentos. - Você sabe disso.
O silêncio se instalou por alguns segundos. Dabi sabia que, por mais que Hawks tentasse manter a aparência relaxada, ele estava sempre analisando tudo ao seu redor, sempre preparado para agir. Era a natureza dele - nunca baixar a guarda por completo.
Mas Dabi também sabia jogar esse jogo.
- Você sempre me acha, não é? - Dabi começou, o tom provocador. - Como um cão farejador atrás de uma pista. Será que é porque gosta de brincar com fogo?
Hawks riu, o som saindo mais baixo e sincero do que de costume. - Quem não gosta? - Ele inclinou a cabeça, como se estivesse tentando ler o que se passava na mente de Dabi. - Talvez eu goste mais do que devia.
Dabi ergueu uma sobrancelha, surpreso com a resposta. Ele esperava uma réplica sarcástica ou uma tentativa de desviar, mas Hawks parecia... sério? Não, era impossível. Ele não podia levar o herói a sério, não aquele homem que vivia com um sorriso pronto e uma piada nos lábios.
Ainda assim, havia algo na maneira como Hawks o observava, algo mais profundo do que as brincadeiras de costume. E isso o irritava.
- Eu sei o que você está tentando fazer - Dabi disse, dando um passo à frente, sua presença se tornando mais ameaçadora. - Acha que pode me entender? Que pode me salvar de alguma coisa? - Sua voz estava mais baixa agora, quase um rosnado.
Hawks não recuou, embora o calor que emanava de Dabi fizesse o ar ao redor parecer mais denso. - Eu não sou tão arrogante, Dabi. Mas acho que ninguém é tão simples quanto parece.
O vilão riu, mas o som foi vazio, sem alegria. - Talvez você seja mais burro do que parece, pássaro.
Dabi deu as costas para Hawks, caminhando em direção às sombras mais uma vez. Mas, desta vez, Hawks não o deixou ir tão facilmente. Com um rápido movimento, ele lançou uma de suas penas, cortando o ar e cravando-a no chão bem à frente de Dabi.
O vilão parou, não por medo, mas por curiosidade. Ele se virou lentamente, seus olhos queimando com intensidade.
- Se eu quisesse, você estaria morto agora mesmo - Hawks disse, a voz ainda tranquila, mas firme. - Você sabe disso. Então por que continua permitindo que eu me aproxime?
Dabi encarou Hawks, o silêncio entre eles se tornando pesado. Ele não tinha uma resposta clara para isso, nem para si mesmo. Parte dele sabia que Hawks poderia ser um perigo real, alguém que o Comitê de Heróis estava usando para espionar, para controlá-lo de algum jeito. Mas havia algo mais. Algo que o mantinha intrigado.
Talvez fosse o fato de que, ao contrário dos outros heróis, Hawks não o tratava como apenas mais um vilão a ser derrotado. Havia uma curiosidade genuína no olhar do herói, como se ele estivesse tentando desvendar algo além das cicatrizes e das chamas. E isso era perigoso.
- Acha que pode me entender? - Dabi repetiu, mas desta vez sua voz não soava tão mordaz. Havia uma dúvida ali, uma hesitação que ele odiava admitir.
Hawks deu um passo à frente, suas asas se expandindo ligeiramente, como se para marcar sua presença. - Acho que já te entendo melhor do que você imagina.
Dabi deu um sorriso cínico, mas não respondeu. Ele se virou novamente, caminhando para as sombras, sentindo os olhos de Hawks ainda sobre ele, como uma presença constante e inevitável.
Enquanto ele desaparecia na escuridão, uma única pergunta ecoava em sua mente.
Até onde Hawks estava disposto a ir? E mais importante: até onde ele, Dabi, permitiria que o herói se aproximasse antes que tudo queimasse?
A noite estava apenas começando, e eles, como sempre, estavam prestes a cruzar uma linha tênue entre o fogo e as penas.
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entre fogo e penas []dabihawks[]
HumorEm uma sociedade onde heróis e vilões se enfrentam diariamente, Dabi e Hawks se encontram em um território nebuloso, onde lealdade e traição se entrelaçam. Dabi, consumido por suas chamas e rancores, nunca imaginou que cruzaria seu caminho tantas ve...