entre fogo e penas []dabihawks[]

quebrado nas asas da glória%

A noite estava fria quando Hawks chegou ao armazém abandonado, com as asas quase dobradas contra o corpo, carregadas de uma exaustão que ele mal podia esconder. Ao longo dos últimos meses, cada missão parecia deixar sua marca, uma nova rachadura no que ele achava que ainda restava de si. O peso de suas responsabilidades e o jugo da agência se amontoavam sobre ele, e já não restava quase nada do Hawks que ele lembrava ter sido um dia.

Na penumbra, ele fechou os olhos e sentiu a solidão preenchê-lo. Ele era um herói, ou ao menos era isso que o mundo via: o símbolo de um ideal, sempre pronto para servir, sempre impecável em cada missão, em cada palavra. Mas a verdade era mais amarga e sussurrava nos corredores vazios de reuniões sem fim. A agência o estava quebrando, e ele sabia disso. Cada ordem, cada relatório, cada "avaliação de desempenho" era mais uma maneira de lembrá-lo de que ele não passava de uma ferramenta, e uma facilmente descartável.

Os passos de alguém ecoaram na escuridão, mas Hawks não se virou imediatamente. Ele sabia que era Dabi. Nos encontros anteriores, ele sempre chegava com aquele andar despreocupado, carregado de um sarcasmo que parecia desarmar qualquer barreira. Mas hoje, Hawks não tinha mais força para usar o mesmo sorriso de sempre.

Dabi parou ao seu lado, sem dizer nada, apenas observando-o. Hawks sentiu o olhar do vilão como se fosse uma lâmina atravessando sua pele.

Você realmente está me surpreendendo, Hawks - Dabi murmurou, a voz fria e mordaz, mas, desta vez, sem a ironia habitual. - Pensei que a agência teria te mandado para o abate. Ou será que estão esperando para ver até onde conseguem te usar?

Hawks abriu os olhos, encarando a escuridão ao seu redor. Ele forçou um sorriso amargo, mas sabia que não enganava ninguém – muito menos Dabi.

A agência sempre teve um propósito claro para mim - ele disse, sua voz carregada de cansaço. - Desde o começo, fui treinado para seguir ordens, para ser o soldado perfeito. Mas eles… eles não se importam com o que eu sou. Só com o que posso fazer.

Havia uma amargura nos olhos de Hawks, uma dor reprimida que ele raramente deixava transparecer. Dabi o observava, os braços cruzados, a expressão séria.

Então você é só uma marionete deles? - Dabi provocou, mas havia algo mais em seu tom, uma seriedade que Hawks não esperava.

É fácil dizer isso, mas você não faz ideia do que é viver assim - Hawks respondeu, sua voz saindo quase em um sussurro. - Desde criança, tudo que conheci foi a agência. Eles me moldaram, me disseram que eu era especial, mas a verdade é que eu sou só mais uma arma. Quando já não for útil, serei descartado.

Dabi se aproximou, sua expressão mais intensa. - E você aceita isso? Aceita ser tratado como lixo?

Hawks balançou a cabeça, mas seu olhar estava perdido. - Aceitar ou não… não muda o que eles fazem. A agência me isola, me pressiona. Cada missão que falho, cada hesitação, eles usam contra mim. Você não entende, Dabi. A agência não quer heróis com humanidade. Quer armas que obedeçam sem questionar.

Houve um momento de silêncio. Dabi o encarava com um olhar que parecia misturar desprezo e empatia.

Eles tiraram tudo de você, não é? - Dabi perguntou, a voz surpreendentemente suave. - Você fala como alguém que foi quebrado tantas vezes que já perdeu a conta.

Hawks desviou o olhar, seu peito apertado de uma dor que ele tentava, inutilmente, esconder. - Eu me sinto vazio, Dabi. Não existe mais o herói que eu queria ser. Só existe o agente obediente, esperando pela próxima ordem, pela próxima missão. Me tornaram algo que eu odeio, mas, ao mesmo tempo… não sei quem sou sem eles.

Dabi colocou a mão no ombro de Hawks, e ele sentiu o toque como uma âncora, algo que o mantinha, por um momento, no presente, afastando a sensação sufocante de ser apenas um peão. Hawks queria afastá-lo, mas ao mesmo tempo sentia uma estranha necessidade de permanecer ali, naquele toque firme, que parecia entender as feridas que ele escondia.

Você é mais do que isso - Dabi sussurrou, encarando-o com uma intensidade desconcertante. - A agência te usou até te deixar assim, mas… você ainda tem uma escolha. Pode parar de ser o que eles querem que você seja.

Hawks suspirou, o peso das palavras de Dabi o atingindo em cheio. Sabia que não poderia abandonar tudo de um dia para o outro. A agência o controlava com uma força invisível, feita de ameaças e obrigações que ele mal conseguia descrever. No entanto, ali, na escuridão, com Dabi ao seu lado, ele sentiu uma fagulha de esperança.

Talvez um dia… - Hawks murmurou, como se dissesse aquilo mais para si mesmo do que para Dabi. - Talvez um dia eu consiga me libertar dessa corrente que eles colocaram em mim.

Dabi assentiu, um leve sorriso surgindo em seus lábios. Ele sabia que, mesmo que fosse um caminho perigoso, Hawks começava a perceber que ele não era só um fantoche.