Eu fiquei mais alguns dias na casa de Dominic e nós pudemos nos aproximar mais. Dominic e eu passamos horas juntos, eu nunca havia me sentido tão bem e tão alimentada por tantas horas. Dominic me enchia de doces, balas, jujubas, biscoitos e conhecimento. Dominic me ensinou a ler, escrever e me ensinou matemática. Ver seu olhar de orgulho ser direcionado a mim quando eu acertava alguma das contas básicas que ele me passava me preenchia. Eu não sabia mais como era receber o olhar orgulhoso de alguém, minha mãe era a única pessoa que parecia verdadeiramente orgulhosa pela minha existência até Dominic aparecer. Eu aprendia rápido, era adaptável a qualquer tipo de ambiente e situação. O medo de não sobreviver a qualquer coisa me fazia ser assim. Essas qualidades não passaram despercebidas pelos olhos atentos de Dominic e algo já começava a passar por sua mente. Estranhamente, Dominic e eu parecíamos fisicamente ao mesmo tempo que não parecíamos. Eu tinha os olhos do meu pai apesar de ter o tom de pele mais parecido com a minha mãe, o que acabava deixando bem claro que eu tinha algum tipo de resquício do país de origem da minha mãe. Dominic e eu tínhamos cabelos castanhos, nariz fino e olhos felinos. Os olhos de Dominic eram verdes, mas não era de fato preocupante o fato de não termos a mesma cor em nossos olhos.
Alencar não apareceu novamente e apesar de parecer mais tranquilo, Dominic ainda parecia estar alerta a qualquer aparição inesperada de seu pai. Apesar de estar feliz em estar habitando aquele ambiente eu não conseguia esconder o medo de ser chutada, sempre que Dominic aparecia na minha frente meu coração acelerava, a ansiedade e o medo me consumiam, mas ele não parecia entender isso. Acredito que ele não teria me entendido nem mesmo se eu explicasse porque ele nunca havia passado pelo mesmo que eu. Existem múltiplas diferenças entre a minha infância e a de Dominic e apesar da nossa enorme diferença de idade eu tinha instintos mais aguçados do que ele.
Somente uma pessoa que já sentiu a dor da fome compreende uma pessoa que sente medo dela. Dominic sentiu medo de um pai violento, como eu. Dominic sentiu a solidão, como eu. Mas apenas um de nós dois sentiu medo, solidão, frio e fome. Um certo dia, eu havia ido até a cozinha para beber algo e comer biscoitos, eu adorava a maneira como o chocolate parecia mágico derretendo dentro da minha boca e sempre que tinha oportunidade corria pra comer mais um durante a minha estadia naquela casa, naquele dia eu não faria nada de diferente. Pra minha surpresa, Dominic estava sentado com os cotovelos apoiados no balcão, parecia estar fora de órbita, havia apenas um copo de água inacabado a sua frente.
- Dominic..?
Ele piscou repetidamente, percebendo minha presença alí. Sua expressão suavizou e ele me deu apenas um pequeno sorriso.
- Você é muito pontual. Maria fez biscoitos novos hoje, estão ali no pote.
Eu fiquei envergonhada, não parecia muito educado da minha parte roubas tantos biscoitos a ponto dele saber que eu os roubava. Mas se ele já sabia, não faria sentido esconder. Caminhei até o pote fechado que se encontrava em cima do balcão, o abri e enchi minha mão de biscoitos. Enfiei um na boca e peguei mais um pra repôr o que eu já iria comer. Eu realmente não tinha vergonha em certos momentos.
- Você não parece muito feliz agora. Quer um biscoito?
Ofereci um dos vários que estavam na minha mão, Dominic sorriu vendo meu estado e pegou o biscoito que eu ofereci gentilmente.
- Muito obrigada, Selyna. Você é muito gentil. Maria gosta muito de saber que você come tanto os biscoitos que ela faz.
- Acho que qualquer um gostaria, ela cozinha muito bem. Eu queria levar todos os biscoitos que a Maria já fez na vida comigo quando eu fosse embora.
O sorriso no rosto de Dominic se desfez. Sua mandíbula enrijeceu.
- Alguém disse algo maldoso a você? Disseram que você deveria ir embora?
Eu recuei. O olhar de Dominic era aterrorizante as vezes.
- N-Não, eu apenas imagino que em algum momento eu vá embora. Eu sei que você não pode ficar comigo.
- Se você pudesse escolher ficar aqui? Ficaria?.
Eu olhei incrédula para Dominic. Aquela pergunta me pareceu tão idiota que eu gargalhei com a boca cheia de biscoito.
- Que pergunta boba, Don. Quem não ficaria?!
Dominic balançou a cabeça, ele sabia que aquilo de fato não precisava ser algo perguntado a mim, mas a si mesmo. Se eu pudesse escolher ficar, ele conseguiria me ter alí?.
- Eu vou dar um jeito em tudo para que você possa ficar. Estou decidido sobre isso.
Minha ingênua reação completamente descontrolada foi sorrir. Eu sorri e senti uma lágrima solitária escorrer pela minha bochecha. Eu o abracei e ele sem jeito retribuiu. Eu solucei. Aquele foi o choro mais sincero genuíno que eu dei em muito tempo e tinha alguém pra me segurar, acariciar minhas bochechas recheadas de biscoito e retribuir meu abraço sincero.
- Por favor, Dominic..Por favor, não me mande embora.
Meu pedido doloroso e inocente foi ouvido por Dominic. Acredito que naquele momento ele de fato entendeu a responsabilidade que estava tomando para si, mas ele era obstinado e teimoso. Não teria mudado sua decisão nem mesmo se Alencar o ameaçasse, com o passar dos anos Dominic se tornou mais teimoso do que já era(para o horror de sua família).
Eu afastei meu rosto molhado de lágrimas da camiseta de Dominic e o olhei. Era a primeira vez em que eu me via tão grata pelo destino e a sua maneira estranha de fazer as coisas acontecerem.
- Como você vai me fazer ficar?
Ele sabia exatamente do que eu estava falando. Meu pai era um problema, mas a partir daquele momento não seria mais um problema meu.
- Se a Maria permanecer trabalhando nessa casa e fazendo biscoitos para você sei que não vou precisar me preocupar.