"Fogueira, fogos de artificio e o meio termo"

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[?/09, ano anterior]

Dália estava sentada na última fileira da sala de aula, a cabeça apoiada nos braços, os olhos pesados de cansaço. Já faziam quatro meses desde que as noites eram mais longas e os dias, intermináveis. Sentia-se exausta, tanto físicamente quanto emocionalmente. Era o quarto dia da primeira semana na qual ela saia de casa, quinta-feira.

Enquanto a professora falava, sentiu um olhar familiar vindo de longe. Era Aurora, sua amiga de longa data. Ela sempre frequentava a casa de Dália, era convidada para as festas nos feriado, noites de filmes entre as garotas da família e todo tipo de coisa, mas havia parado de visitar os Pari há cerca de três meses. A loira tinha conhecido novos amigos e parecia ter superado a perda rapidamente. E assim, a distância entre elas só aumentou, deixando a morena ainda mais isolada.

Desviou o olhar, tentando se concentrar na aula. Para Dália, era doloroso ver Aurora seguir com a vida normalmente. Sentia falta da amiga, das conversas e risadas que costumavam compartilhar. Mas agora, tudo parecia diferente, distante.

A professora falava sobre a revolução industrial, mas as palavras pareciam entrar por um ouvido e sair pelo outro, como um eco em um túnel. Dália piscou lentamente, tentando se manter acordada, mas a exaustão era mais forte. Seus olhos se fecharam, e ela foi transportada para o fundo de sua mente.

Ela estava de volta ao quintal de sua infância, o sol brilhando intensamente no céu azul. Tinha aproximadamente seis anos, com seus cabelos presos em duas tranças e um sorriso largo no rosto. Ao seu lado, seu pai segurava Aquiles, o pequeno gatinho cinza, que miava suavemente.

— Segura ele. — disse Oliver, mostrando-lhe como apoiar o gatinho com cuidado.

Dália, com suas mãos pequenas e delicadas, fez o melhor que pôde, e Aquiles ronrronou em aprovação.

Eles passaram a tarde brincando no quintal. Seu pai jogava uma bolinha de lã e o pequeno gatinho cinza corria atrás dela, fazendo Dália gargalhar alto.

— Você sabia que os gatos ronronam quando estão felizes? — Oliver perguntou, enquanto Aquiles se enrolava ao redor das pernas de Dália. Ela assentiu, encantada com a nova informação.

O tempo parecia parar naquele momento perfeito. Ela sentia-se segura e amada, envolta no calor do sol e no carinho de seu pai. A sensação era tão real que ela quase podia sentir o pelo macio de Aquiles e o abraço protetor de Oliver.

O som da campainha anunciando o fim da aula a despertou abruptamente. Dália se endireitou na cadeira, tentando disfarçar o sono. Ao seu redor, os colegas de classe se levantavam, arrumando suas mochilas e conversando animadamente.

Ela sentia os olhares sobre ela. Alguns eram rápidos e furtivos, como se não quisessem ser pegos observando. Outros eram mais descarados, cheios de curiosidade e, talvez, um pouco de pena.

Ela podia ouvir sussurros abafados, fragmentos de conversas que tentavam ser discretas, mas que chegavam até seus ouvidos. "Coitada da Dália...", "Ela deve estar tão triste...", "Você viu como ela está diferente?". Dália respirou fundo, tentando ignorar a sensação de ser observada como um animal em um zoológico por ter dado as caras depois de quase quatro meses. As notícias se espalham e, com a volta da garota ao colégio, as fofocas também.

Mantinha a cabeça baixa, fingindo não notar. Ela sabia que, para eles, ela era uma história triste para comentar entre uma aula e outra. Mas para ela, era a realidade dolorosa que vivia todos os dias pelos últimos quatro meses.

Dália suspirou enquanto recolhia seus cadernos e canetas, preparando-se para sair da sala de aula. A lembrança do sonho ainda estava fresca em sua mente, trazendo uma intensa sensação de saudade. Ela estava prestes a se levantar quando ouviu a voz de uma mulher.

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