Olvidar

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  Tomei um calmante antes de embarcar e apaguei até a primeira escala, em Vancouver. A segunda aeronave era bem mais confortável, assisti alguns filmes e cochilei diversas vezes, numa dessas sonhei com Dulce que nesses últimos dias tem tomado conta do meu subconsciente, oras com sonhos lindos oras com pesadelos que me fazem acordar desorientada, mas por sorte não foi o caso desta vez.
  Acordei faltando uns vinte minutos para chegar na minha cidade.
Meu irmão mais velho avisou que me pegaria no aeroporto, fiquei feliz por ter alguém me esperando no desembarque.
Peguei minhas duas malas e o surpreendi chegando por trás, ele se assustou me deu um tapinha no braço e depois me abraçou. - Ah como eu precisava desse abraço - segurei firme minha emoção, não queria chorar ali afinal ele não entenderia, e eu não estava disposta a contar.

  Assim que entramos no carro, Alfonso começou com seu interrogatório.
-E aí, aprendeu muita coisa por lá? - Perguntou tentando puxar assunto, eu queria ficar em silêncio, mas respondi.
-Sim, aprendi bastante coisas lá… qualquer dia eu faço um prato pra você experimentar - Abri um sorriso amarelo torcendo para ele ficar em silêncio, mas meu irmão mais velho sempre foi muito bom em descobrir minhas mentiras.
-Anahí fala a verdade, o que aconteceu lá? - Me olhou sério, com cara de poucos amigos. Às vezes Alfonso me lembrava o nosso pai
-Não aconteceu nada, eu fui lá,estudei e voltei para casa. Você queria que eu me mudasse pra lá? Foi o papai quem mandou você perguntar essas coisas? - Coloquei os fones no ouvido e liguei em qualquer música, mas parece que Alfonso não se importou.
-Olha só, eu não me importo se você não me contar o que aconteceu por lá mas vai se preparando porque nosso pai vai querer saber de tudo, e com detalhes então se estiver pensando em mentir já começa a desistir dessa ideia porque não vai colar - Meu irmão colocou os óculos escuros e voltou sua atenção ao caminho, enquanto eu preferi não responder mais nada. Aquela conversa só acabou de estragar meu dia. Mas uma coisa ele tinha razão, o Sr Colucci vai querer saber detalhe por detalhe da minha viagem.

-Está cada dia mais difícil ser eu!

  Imagine nascer numa família de médicos e não ter aptidão nenhuma para a profissão, crescer vendo e ouvindo seu pai incentivando seus irmãos a serem como ele e depois ouvir todos te incentivando a seguir seus passos, e imaginem algo pior ainda, e...

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  Imagine nascer numa família de médicos e não ter aptidão nenhuma para a profissão, crescer vendo e ouvindo seu pai incentivando seus irmãos a serem como ele e depois ouvir todos te incentivando a seguir seus passos, e imaginem algo pior ainda, eles ouvindo de você que seu grande amor é cozinhar. Meu pai é o único que não esconde o desgosto da minha escolha, tanto que não esteve presente no momento mais importante da minha vida, minha formatura.
  A casa estava vazia como de costume, era difícil encontrar alguém aqui principalmente durante a semana. As arrumadeiras me disseram que meu irmão do meio já tinha voltado de viagem a alguns dias, ao contrário de mim, ele conseguiu estudar onde queria e agora já tem até emprego no hospital onde meu pai  é  cirurgião chefe. Eu prefiro ficar de fora de tudo isso. Mas já sei que haverá uma reunião de família aqui em casa para comemorar este grande feito. Obviamente estarei presente, apesar dos pesares torço muito para meu irmão, e estou feliz por ele, mesmo que neste momento não consiga transparecer minha alegria.
E falando nele, assim que entrei no meu quarto fui surpreendida por ele, usando um jaleco branco e soprando uma daquelas cornetas de festa, depois do susto que levei ele jogou confetes no meu cabelo.
- Christopher! isso não vai sair nunca mais do meu cabelo - Disse aos gritos e correndo atrás dele pelo quarto
- Vem me dar um abraço maninha - Parou em cima da minha cama com os braços abertos
- Ratón! que saudades de você - Subi na cama e lhe dei um abraço muito estreito
- Por que não me avisou que viria hoje? Fiquei sabendo pelas empregadas - Ucker desceu da cama e me deu a mão para descer também
-Eu não consegui passagens com antecedência - Dei uma desculpa qualquer para não me aprofundar no assunto
-Any tá tudo bem com você? por que voltou antes de terminar o curso? - Me encarou esperando uma resposta
-Eu conheci uma garota em Toronto, mas não deu certo e eu decidi ir embora... - Disse desanimada sentando na cama
-Sinto muito irmã. Mas você é forte e vai superar isso com certeza, e se essa maluca não soube te valorizar não merece essa carinha triste - Christopher sentou ao meu lado e me abraçou. Algumas lágrimas caíram sobre seu ombro, mas limpei antes que ele notasse.
-Irmã nosso pai quer fazer uma reunião hoje e tals mas eu e a galera alugamos um lugar e vamos pra lá comemorar,e quero muito que você venha... quero te apresentar uma menina que conheci
-Hm, não estou no clima para festas não, nosso pai com certeza vai fazer aqueles comentários sobre minha volta. Eu estou tão sem cabeça... - Coloquei as mãos no rosto, queria chorar mas não na frente dele
-Any você não pode levar a sério o que o pai diz... se anima vai, por mim por favor? 
-Tá, me dá  o endereço que eu apareço por lá - Não queria dizer não para meu irmão. Afinal ele tinha acabado de virar um Doutor.

  Ucker saiu do quarto com aquela cara de menino bobo, nossa relação sempre foi a melhor possível, tenho dois anos a menos que ele e acho que isso facilita nossa amizade.
Sempre estudamos juntos, temos basicamente as mesmas amizades e saímos para as mesmas festas, somos grandes amigos, do tipo confidentes.
Nosso irmão mais velho Alfonso é um pouco mais distante de nós, é aquele que nos dá broncas quando nosso pai não está, nos dá conselhos mais sábios e às vezes é até um pouco chato demais. De uma certa forma, ele ajudou as babás a nos criar.
Tirei um cochilo de mais de três horas e só acordei com ajuda de Christopher que já estava todo arrumado para a tal reunião de família, usava um terno cinza e gravata azul, eu estava de pijamas de bolinhas verdes e sem um pingo de vontade de sair da cama. Ele me ajudou a escolher a roupa, na verdade não me ajudou, só me fez rir com as combinações sem sentido que me sugeriu. Coloquei um vestido preto e prendi o cabelo num rabo de cavalo.

- Ora ora veja quem apareceu, um bom filho à casa torna não é mesmo Anahí? - Meu pai veio ao nosso encontro e nos cumprimentou com um aperto de mão e um abraço apertado com direito a batidinhas nas costas. Me deu um sermão de quase trinta minutos, contou como nosso avô construiu a primeira clínica de bairro, e como ele teve que ser firme para substituí-lo à frente dos negócios e fez a marca Franco Colucci ser referência nacional em medicina. Contou pela milésima vez como foi sua primeira cirurgia e fez questão de jogar na minha cara que era a única que não poderia ser chamada de doutora. Alfonso e Christopher normalmente ficavam constrangidos nesses momentos, sendo usados como comparativo para determinar que minha vida era uma perda de tempo.
Nem preciso dizer que o jantar foi chato, desnecessário e indigesto.
Meu pai é prepotente, arrogante e não aceita opiniões contrárias, enquanto você não concordar com ele, a briga seguirá. Eu não consegui sair da mesa sem terminar minha refeição. Ainda por cima tive que brindar com vinho branco em comemoração à união da nossa família.
 
  Quando finalmente me vi sozinha outra vez no meu quarto, envolvida na minha solidão, vesti meu pijamas outra vez e me afoguei nos travesseiros.
Coloquei meus fones de ouvido e ouvi repetidas vezes aquela música que me fazia lembrar Ela. Escutei, chorei, cantei e me lembrei de todos os momentos ternos que se tornaram eternos dentro de mim. Me lembrei daquela risada gostosa que me fez apaixonar.

 Me lembrei daquela risada gostosa que me fez apaixonar

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Girlfriend (Portiñon)Onde histórias criam vida. Descubra agora