Em algum momento me deparo com a casa dos meus pesadelos. Tudo pelo o que a minha família passou ao lado de alguém, algumas partes dos problemas ocorreram aqui. Fazia tanto tempo que não vinha aqui, também não via vantagem em estar no local. Mas já que estamos na toca do lobo, que seja, vou até o fim.
Adentro na casa, com medo mas sem demonstrar. Até ontém eu estava presa, bem quieta na minha cela. E agora estou aqui na casa do homem que virou minha vida de cabeça para baixo. O lado bom é que ele não existe mais, acabou.
Todos os meus problemas sobre ele chegaram ao fim há quinze anos. E já fazem três anos que estou presa. Andando portão a dentro, e Cléo, a cachorrinha que ele tinha, veio aos meus pés. Estranho. Ele a matou meses antes de sua própria morte.
Passo pelo corredor, vendo o quarto dele bagunçado, roupas para todos os lados. Uma poça vermelha no chão da sala. Sangue.
Passo pela cozinha vendo todas as panelas jogadas. Cacos de vidro, ou seja, pratos e copos quebrados. Uma faca manchada sobre a pia. Vejo Cléo contornar a casa e bater a cabeça em um dos pilares, ela já estava cega.
Olho para mais adiante dela e pisco algumas vezes. Um corpo.
Tem um corpo.
Um corpo conhecido. O corpo dele. Pendurado no teto, enforcado por uma corda. A mesma maldita corda que o matou.
Mas em dois segundos o corpo pálidecido dele, desce da corda, e caminha em minha direção. Minhas pernas não reagem. Não me movo. Estou apavorada, vendo um zumbi me chamar e tentar me abraçar. Parecia que meu mundo iria ser derrubado por inteiro.
Abrindo os meus olhos novamente, enxergo finalmente um teto branco mofado. Foi tudo um sonho. Tudo uma parte do meu passado voltando para me assombrar. Meus maiores problemas vieram depois que ele se suícidou.
Duas semanas depois do ocorrido eu tive esse mesmo pesadelo pela primeira vez, e desde então pelo menos duas vezes no mês ele reaparece. Mas as memórias dele somem.
Um policial estava parado na minha frente, olhando para mim com desgosto nos olhos.
- Eliza, você tem visita. Amanhã você vai embora. - Diz ele curto e grosso.
- Como assim embora? - questionei assustada.
- Você foi inocentada. Tinha razão colocaram um crime em suas costas. Mesmo que você estivesse drogada e sem um alibi convincente. Ainda acho que foi você. Mas o policial não faz as leis, nem as leis fazem o policial. Mas sim a justiça e o coração. Eu não tenho nenhum dos dois, sou somente um senhor de sessenta anos buscando sua aposentadoria.
- Amanhã me faria um favor?
- Dependendo do que for sim. Quer que eu ligue para algum parente seu para te buscar?
- Não. Na verdade quero que chame um Uber para mim. É o mínimo depois do que fez comigo.
- Como desejar. Eu te devo uma por não me entregar.
- Não te entreguei porque você me ameaçou seu cafajeste. E ainda culpou meu melhor amigo de algo que ele não fez. Depois resolveu fazer tudo o que fez.
- Cale essa boca! - ele disse alto e outros oficiais nos olharam preocupados - só sai merda daí e na realidade eu gostaria que não saísse nem mesmo ar dela.
- Descobriram que foi você?
- Não, só comprovaram a sua inocência. Agradeça o cara que veio te fazer uma visita lá fora.
- Quem veio?
- Descubra, vadia.
Vadia. Porque todos me chamam assim? Porque acham que matei alguém? Ou porque sou viciada? Talvez pelo simples fato de que fiz coisas ruins na minha vida, mas nunca matei ninguém. Isso eu tenho certeza.
Ele abriu minha cela e caminhando até a sala de visitas, abri a porta. Várias mesas com presidiárias e suas famílias, conversando, comemorando aniversários, ou discutindo.
Só havia uma mesa vazia. Um homem que aparentava ter a minha idade. Me aproximei dele, o mesmo me olhava de uma forma que não sei explicar.
- Eliza Campos?
- Sim, sou ela. Quem é você e o que quer comigo?
- Sou o tutor legal do seu filho, irmão do homem que... bom fez maldades com você. Prazer, me chamo Thiago.
- Diego está aqui?
- Ele pode vir até aqui ver você?
- Eu não quero que ele tenha esse tipo de mãe. - Afirmei frustrada com a realidade que entrei.
- Que tipo de mãe?
- Uma viciada, drogada, suicida. Uma mãe que não sabe manter um apartamento organizado. Uma ex presidiária.
- Te entendo Eliza, mas não estará sozinha. Ele me chama de pai.
- Que bom. Ele tem um pai. Pelo menos isso.
- De fato, mas ele quer uma mãe. E sobre as drogas, faz quanto tempo desde a última vez que usou?
- Estou presa há três anos, ou seja, três anos limpa.
- Perfeito, vamos trabalhar para que não volte e vou te levar em um psiquiatra. Vai fazer tratamento e juro seu filho vai ser seu sempre. Vai poder ser a mãe que ele merece.
- Não adianta eu dizer que não quero né?
- Não.
- Trás o garoto.
Ele chamou pelo nome dele e um garotinho de quatro anos veio correndo até os braços dele.
Um menininho lindo, de cabelos castanhos claros e olhos escuros. Uma pele branca que resaltava seus olhos.Meu filho é lindo.
Ele se soltou de seu pai e olhando para mim segurava nas mãos um tubarão de pelúcia. Abraçado ao brinquedo, caminhou para mim e quando chegou bem pertinho, falou da forma mais doce possível.
- Oi mamãe! Eu não sei se lembra de mim. Mas me chamo Diego e sou seu filho - dizia meio nervoso e mexendo os dedos - ah e esse é o meu amigo o tubarão Tutu - levantou o brinquedo para que eu pudesse ver.
Soltem essas porcarias de algemas me deixem abraçar meu menino especial.
- Claro que me lembro de você Diego - passei um dos meus dedos por sua franja - e é muito bom te ver de novo e conhecer o tubarão Tutu.
Ele soltou uma risada, mas meus olhos soltaram lágrimas felizes. Fazia tanto tempo que eu não sorria. Passei três anos da vida dele sem vê-lo.
Segundo todos ao meu redor ele me amava muito estando comigo. Até a polícia aparecer na minha casa quando ele tinha sete meses de vida e tirá-lo de mim a força.
Passei a usar o dobro das drogas que usava na época. Diego vai fazer cinco anos nesse ano, e infelizmente, ele é fruto de um abuso que sofri, mas isso não é assunto para este momento.
Quando o tiraram de mim eu passei dois anos me drogando e me viciando nas piores coisas, pois eu não conseguia trazer meu filho de volta para casa. Me chamaram de mãe irresponsável e quando uma assistente social tentou provar o contrário, já era tarde demais. Eu já havia estragado absolutamente tudo.
Tudo o que gostaria de fazer agora é abraçar meu garoto, mas não posso.
- Vamos buscar você amanhã, às nove - Thiago me disse, mas eu estava mais interessada nas aventuras do tubarão Tutu - ouviu Eliza?
- Sim Pedro, ouvi. Mas agora continue meu amor, e aí o que aconteceu?
E ele continuou a falar sobre sua historinha pelo resto do horário de visitas. Uma pena que não pude abraçá-lo.
Mas ao menos eu disse um "eu te amo filho" antes deles saírem. O melhor disso tudo foi ouvir um "eu também te amo mamãe".
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Mentiras
RomanceBaseada mais ou menos em fatos reais, acompanhamos a trajetória de Eliza Campos, uma mulher que perdeu tudo sem a mínima razão. Se vendo de uma maneira vulnerável, qualquer sentimento positivo que seja, dura poucos minutos. Ela passa a pensar que nu...