O Chamado de Dr. sono

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O ambiente continuava com a mesma aura peculiar, agora mais presente do que nunca. As prateleiras de livros antigos, os relógios parados e os pequenos artefatos esotéricos conferiam ao consultório uma sensação de estar fora do tempo, como se cada objeto ali tivesse uma história própria a contar. A luz suave que filtrava através das cortinas rendadas lançava sombras dançantes nas paredes, criando um cenário que parecia tanto acolhedor quanto inquietante.

Clark, ou melhor, Dr. Sono, mantinha seu ar enigmático. Ele se levantou de forma tranquila e caminhou até um telefone antigo, com disco de girar, para fazer uma breve ligação. O som do disco rodando ecoava no silêncio do consultório, como um lembrete de que o tempo ali funcionava de maneira diferente. A conversa que se seguiu foi breve e em voz baixa, e ao voltar, ele exibia um sorriso que parecia prometer uma solução.

— Vamos fazer o que pudermos para te ajudar — disse ele ao voltar ao seu lugar. — Primeiro, precisamos entender melhor o seu sonho. Vou te dar um chá especial que vai colocá-lo em transe, um estado semelhante ao sono, mas com maior percepção. Você verá e ouvirá cada detalhe dos seus sonhos, mas estará consciente o suficiente para me contar o que está acontecendo.

Ele se sentou de frente para mim, com os olhos atentos e o corpo levemente inclinado para a frente, como se estivesse pronto para me guiar por essa jornada. A porta lateral se abriu, e uma assistente entrou carregando uma bandeja com uma xícara de chá. O aroma das ervas encheu o ar, uma mistura de amargo e doce que me deixou inquieto.

Olhando para a xícara, hesitei. O aroma era penetrante e levemente amargo. Não era exatamente convidativo, e uma parte de mim questionava seriamente a decisão de tomar algo preparado por um estranho. Mas já havia percorrido um longo caminho em busca de respostas, e essa poderia ser minha melhor chance de entender o que estava acontecendo.

— Não se preocupe — disse Clark, notando minha hesitação. — Isso é totalmente seguro. Essa mistura é usada há séculos para ajudar pessoas a acessar os sonhos de forma mais profunda. Você só precisa se deixar levar. — Ele sorriu, um gesto que parecia sincero. — Tome, sem pressa. Relaxe e deixe o chá fazer efeito.

Apesar do ceticismo que ainda pairava sobre mim, decidi beber o chá. Ao levantar a xícara com as mãos trêmulas, respirei fundo e bebi o líquido de uma só vez. O gosto era forte e amargo, e senti um leve formigamento na língua e na garganta. Aos poucos, uma sensação de leveza começou a se espalhar pelo meu corpo, como se cada músculo estivesse relaxando simultaneamente. Minha visão começou a embaçar nas bordas, e, de repente, tive a estranha sensação de estar me afastando de mim mesmo, como se flutuasse para fora do meu corpo.

"Estou ficando maluco ou ele me drogou?", pensei, mas minha mente estava se tornando lenta e pesada. Não havia mais tempo para ponderar, pois, em questão de segundos, o ambiente ao meu redor se dissolveu, e eu me vi novamente no meu sonho.

Estava correndo, como sempre. O vento batia contra meu rosto, e o som da minha respiração pesada preenchia o ar. Olhei para o relógio no meu pulso: onze minutos. A contagem regressiva havia começado. Desta vez, no entanto, tudo parecia mais nítido. O céu tinha um tom laranja profundo, e as sombras das árvores projetavam formas alongadas no chão. O cenário era mais vibrante, mas ao mesmo tempo carregava uma sensação de urgência.

Ouvi um som distante de vidro quebrando e, ao virar a esquina, vi a mulher. Ela estava lá, como sempre, sentada sobre o carro capotado, os cabelos loiros caindo em ondas desalinhadas sobre os ombros. Mas algo estava diferente desta vez. Seus olhos estavam vermelhos, inchados de tanto chorar, e o tremor em sua voz era mais evidente.

— Eu estou a onze minutos de distância — disse ela, e a dor em suas palavras era palpável. — Então, por que você não está aqui?

Tentei responder, mas as palavras não saíam. Uma angústia sufocante apertou meu peito, como se estivesse preso em um pesadelo onde não havia controle. A imagem dela se desvanecia e voltava, como se estivesse fora de sintonia com o próprio sonho.

Enquanto eu lutava para entender, a voz de Clark surgiu ao fundo, etérea e distante, mas claramente audível.

— Concentre-se, meu jovem. Diga-me o que está vendo. Cada detalhe é importante. Não deixe nada passar.

Tentei me concentrar, mas era como tentar segurar a água com as mãos. Cada vez que tentava focar em algo, tudo parecia escorrer pelos meus dedos. As cores se misturavam, os sons se transformavam em ecos distantes, e a figura da mulher continuava a me olhar com aquela tristeza infinita, como se soubesse algo que eu não sabia. E antes que eu pudesse responder, o sonho começou a se desfazer, puxando-me de volta para a realidade.

Era um ciclo interminável, essa corrida contra o tempo. Eu sabia que o relógio marcava a mesma hora todas as vezes, mas o peso de cada minuto se tornava mais intenso a cada repetição. Sentia que a mulher estava se afastando de mim, e a dor em sua voz se tornava uma ferida aberta em meu peito.

— Dr. Sono, eu… — tentei gritar, mas a voz saiu como um sussurro. A mulher me olhou com desespero, sua expressão um misto de esperança e desespero.

— Eu estou aqui! — consegui finalmente articular, mas as palavras pareciam perder-se no ar. Eu queria alcançá-la, atravessar aquele espaço vazio entre nós, mas as sombras ao meu redor começaram a se fechar, envolvendo-me em um manto de escuridão.

A voz de Clark ecoava, mas agora soava distante, como se estivesse sendo consumida pelo vazio. A última visão que tive foi da mulher, seu olhar implorando por resposta, e então tudo se apagou.

Acordei de volta no consultório de Clark, o coração acelerado e a respiração ofegante. Ele estava ali, observando-me com a mesma intensidade de antes, mas havia uma nova compreensão em seu olhar.

— Você viu mais do que nunca, não viu? — ele perguntou, seu tom suave, mas firme. — O que você sentiu?

As imagens ainda dançavam na minha mente, mas havia uma clareza que não havia antes. Eu não estava apenas correndo em um sonho; estava sendo chamado para entender algo mais profundo, algo que transcende o tempo e o espaço.

— Ela… ela está me chamando — respondi, ainda tentando processar a intensidade da experiência. — Eu preciso entender por que.

Clark assentiu, seu olhar agora cheio de sabedoria.

— Então vamos explorar isso juntos. O que quer que você tenha visto, precisamos compreender. Cada detalhe é um passo em direção à resposta que você busca.

O consultório ao nosso redor parecia pulsar com a energia das perguntas não respondidas, e eu percebi que estava apenas começando a descortinar os mistérios que permeavam meus sonhos. Sabia que a jornada estava longe de terminar, mas pela primeira vez, sentia que estava um passo mais perto da verdade.

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