Corte de Sangue e Estrelas - Livro 2 - Fanfic ACOTAR

𝙸𝙸𝙸

𝓐𝓷𝓽𝓱𝓸𝓷

A noite envolvia o Lady Lya como um manto de seda escura, denso e perigoso. As águas se estendiam à frente, um espelho sem luz que refletia apenas o negro da noite. Eu estava na proa, olhando para o horizonte e tentando encontrar algo naquele vazio infindável, algo que talvez não estivesse lá, mas que precisávamos buscar. O vento cortante soprava, erguendo a bandeira de minha embarcação, e as ondas se chocavam contra o casco do navio com uma força que eu conhecia bem. Aquele mar – perigoso, obscuro, implacável – me lembrava de alguém. E, ao batizar meu navio com seu nome, eu sabia que estava amaldiçoado.

Lady Lya. Eu havia batizado o navio em homenagem à mulher que habitava todos os meus pensamentos, Lyana. E, ironicamente, era como se o próprio navio carregasse a essência dela: misterioso, forte, uma força indomável, mas cheia de sombras que só ela conhecia. Às vezes eu me perguntava se ela sabia o peso que aquele nome trazia para mim – se ao menos imaginava as noites que passei, como essa, buscando por uma solução impossível para o que sentia por ela. Lyana era agora a Grã-Senhora da Corte dos Pesadelos e esposa de Eris Vanserra, um título que nenhum de nós podia ignorar. Eu sabia disso, mas também sabia que nada disso bastava para me afastar do que sentia por ela. E aquela noite só piorou tudo. Aquela maldita noite.

E agora, eu carregava mais do que o amor frustrado por uma fêmea que jamais poderia ser minha. Carregava um nome. Archeon. Meu pai... minha família. Quem diria que o homem que me ensinou a navegar e a lidar com o mundo brutal dos piratas e mercadores tinha um passado ainda mais complicado? Que eu, Anthon, era irmão de Feyre, Nestha e Elain...

Uma parte de mim já havia desconfiado durante todos aqueles anos, das ausências longas, das mentiras disfarçadas. Eu via meu pai partir e, por muito tempo, achei que fosse por mim. Mas ele tinha outra família; a verdade estava lá, sempre esteve. Ser irmão de Feyre e Elain parecia um destino que eu nunca poderia ter imaginado, não com um pai que sumia em "viagens" intermináveis e uma mãe que nunca me deu respostas. Cresci desconfiando de que ele guardava segredos — eu sempre soube, mas nunca pude provar. Já Nestha é a pior de todas, e compartilho com ela o mesmo ódio que ela sente por mim. Sou irmão de uma Grã-Senhora, mas o que isso significa para alguém como eu? Para alguém que passa o tempo sobre o mar, longe de qualquer título ou formalidade?

Com um suspiro pesado, eu corri os dedos pela madeira da proa, sentindo a textura áspera sob minhas mãos. O Lady Lya havia sido meu refúgio, o espaço onde eu podia ser livre. Eu fui o humano que ajudou os feéricos na guerra, que trouxe minha frota para enfrentar os exércitos de Hybern. Era mais fácil lutar ao lado deles do que contra o que havia dentro de mim. Por mais que tenha sentido orgulho de ter ajudado, por mais que tenha sentido a adrenalina ao ver as flechas e as espadas romperem os ares e as águas, não havia alívio.  

Mas o destino me leva até  Surya. A princesa da Corte Diurna, uma amiga que viveu os  horrores do calabouço de Hybern. Quando a esperei metros a distância em alto mar e ela atravessou até meu convés, exausta, ferida e com os olhos carregando o brilho de quem havia visto demais, vi em Surya uma força que eu ainda não conseguia entender. E agora ela havia desaparecido. No dia do próprio noivado, um dia que deveria ser o marco de uma nova etapa para ela, Surya desapareceu sem deixar vestígios. E se tem algo que o mar me ensinou, é que nenhuma ausência pode ser ignorada.

O vento agitava minhas roupas e fazia com que o cheiro de sal impregnasse cada poro da minha pele. O mastro alto, com suas velas agitadas pela brisa gélida, era como um guardião observando nossa jornada solitária. As cordas das velas rangiam com o movimento constante do navio, um som familiar e reconfortante em meio ao silêncio inquietante da noite.