Prólogo

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Ao pousar suas mãos na bola de cristal que chamavam de arauto, Alana Buarque fez com que o objeto irradiasse um brilho azul da mesma cor de seus cabelos. Sendo ela uma neriquiana de dezoito anos, pertencente à casta fidalga, o resultado não poderia ser outro.

Na sala escura e sem janelas, a luz azulada destacava tanto a expressão séria de Alana quanto o sorriso de satisfação do aurano Durval Montenegro. Sentado a uma mesa ao fundo, o homem de cinquenta anos de idade avaliava atentamente o exame de alistamento da jovem, assim como faria com uma segunda aspirante que aguardava a vez dela, em uma cadeira na lateral do cômodo.

— Excelente... excelente — murmurou Durval, contemplando o arauto com seus olhos de íris amarela.

Alana se perguntou o que tanto fascinava aquele homem. Para ela, o brilho quente em contato com suas mãos não passava de uma intensa, embora não tão ofuscante, luz azul.

— Perfeito. Exatamente o que eu esperava — prosseguiu o avaliador, alisando sua barba loira e rala.

Os elogios contínuos trouxeram a Alana mais alívio do que alegria. O peso das expectativas que carregara por ser de uma família de ouro se dissipou no interior daquela bola de cristal. Havia se preocupado à toa. Afinal, o azul que coloria 95% dos seus fios de cabelo era a prova de que seu potencial mágico a tornaria uma aurana de grande poder.

O brilho do arauto foi se extinguindo tal qual a luz de uma lanterna prestes a se apagar. A sala de exame mergulhou na escuridão por um breve segundo, até as lâmpadas no teto se acenderem.

— Impressionante! — exclamou Durval, apanhando uma caneta e começando a escrever algo em uma folha. Agora, com o cômodo plenamente iluminado, era visível a cicatriz fina e diagonal que marcava sua bochecha esquerda. — Mesmo para alguém de sua linhagem, você superou completamente minhas expectativas. Quando chegar à minha idade, alcançará facilmente o título de aurana suprema, assim como eu. Disso eu não duvido.

Alana também não, considerando o quanto a comunidade fidalga ornamentava o seu futuro, tratando-a quase como um prodígio. O próprio Durval, com seus cabelos quase inteiramente loiros, era um indício de que alcançaria tal status.

— E como esperado, você herdou a habilidade musical de sua mãe — acrescentou ele, erguendo o olhar para fitá-la diretamente.

— Verdade? O senhor me viu... tocando o violino dela? — inquiriu Alana, os olhos cheios de surpresa.

Não fazia sentido. Ela não sabia tocar violino. Abandonara o aprendizado do instrumento ainda na infância. Quem, em vez dela, havia prosseguido com a música era...

— Ah, que bela imagem! — continuou o supremo, como se estivesse preso numa lembrança. — Foi como... rever a Eliza. Tenho certeza que sua magia musical será tão poderosa quanto a dela.

A jovem baixou o olhar para o arauto, encaixado sobre uma coluna de madeira. Mesmo que pudesse ter visto o que Durval presenciara, não acreditaria na previsão do artefato divino. Legar o violino mágico dos Buarque não fazia parte de seus planos ao se tornar uma maga na Academia da Aura.

— Também conferi sua afinidade elemental — disse Durval, mantendo o sorriso. — Elemento terra! Uma grata coincidência. Se fosse minha filha, teria herdado isso de mim.

O comentário franziu levemente a testa da jovem. Sua mãe, Eliza, fora cortejada por muitos, inclusive por Durval, antes de se casar com seu pai. Na verdade, o aurano supremo havia sido um dos mais insistentes em desposá-la. Embora, hoje, ele estivesse casado com outra mulher há mais de uma década, aquela insinuação parecia fora de lugar, especialmente considerando o papel que ele desempenharia em sua trajetória acadêmica.

Sara [e] Alana (cancelada; em breve na Amazon)Onde histórias criam vida. Descubra agora