03.

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Astrid Louis Ravenscar.

Ouço os estridentes lamentos de Isadora, seus gemidos ecoando como um lamento sombrio por toda a casa. À minha frente, suas filhas repousam em uma poltrona, cada uma imersa em seu próprio mundo. Mackenzie, por sua vez, aparenta desconforto, enquanto Stacy exibe uma indiferença quase provocadora.

Ambas estão impecavelmente arrumadas: Mackenzie ostenta cachos ruivos que parecem capturar a luz de maneira mágica, vestindo um deslumbrante vestido verde que realça o brilho de seus olhos esmeralda e os lábios vermelhos como rubis. Stacy, com seus cabelos ruivos lisos caindo em cascata até a cintura, possui olhos tão escuros quanto a noite e lábios tingidos na mesma tonalidade carmesim.

Eu me mantenho à margem da cozinha, sentindo o peso da massa do pão em minhas mãos, os músculos dos meus braços clamando por descanso. A tarefa parece interminável; o homem que adentrou esta casa há algumas horas parece estar insaciável, um espectro que nunca vi e que provavelmente nunca verei. Isadora me advertiu sobre ele, assim como sobre todos os homens que cruzam nosso caminho: — Nunca deixe que um deles te veja. ela disse com um tom de voz carregado de aviso. — Você é um pecado em forma humana; sua beleza é uma armadilha que seduz e devora.

Assim, mantenho-me oculta das visitas que adentram este lar, uma sombra entre as paredes da cozinha, presa entre o desejo de ser vista e o terror de ser descoberta. A cada gemido de Isadora, sinto a opressão da expectativa pairar no ar, como se o mundo estivesse prestes a desabar sobre mim.

— Astrid, se esconda! — A voz de Stacy ecoa como um sussurro urgente em meio ao silêncio da cozinha. Assinto rapidamente e me deslizo para dentro de um cômodo escuro e apertado, fechando a porta atrás de mim com um leve estalo. Meu coração pulsa desenfreado enquanto espero ansiosamente que o homem vá embora. Ele não pode me ver; sou um pecado encarnado, e minha presença pode atraí-los como uma mariposa à luz.

Os passos firmes ressoam no corredor, seguidos pela voz sedutora de Isadora. — Querido, então estamos convidadas para o baile de máscaras? — Sua entonação é doce, mas carrega uma malícia que reverbera nos meus ouvidos enquanto me espreito na porta, tentando captar cada palavra.

— Lorde Phillips, para você, algumas noites não fazem diferença — responde o homem, sua voz grave provocando um arrepio que percorre minha espinha. — Sim, sobre sua pergunta: você pode ir ao baile de máscaras e apresentará suas filhas ao meu filho! — A afirmação é carregada de autoridade, e logo em seguida ouço seus passos se afastando. Espero... espero... a tensão no ar é palpável.

— Pode sair, Astrid! — A voz de Stacy irrompe novamente, trazendo-me de volta à realidade. Saio do meu esconderijo e torço os lábios ao notar seu olhar repleto de desprezo. Mackenzie permanece em silêncio, distante como sempre. Logo percebo Isadora se aproximando, seus olhos cheios de desdém.

— Eu irei ao baile também? — pergunto com um sorriso tímido, uma faísca de esperança acendendo em meu peito.

— É claro que não! Você está louca?! — A resposta dela corta o ar como uma lâmina afiada, despedaçando a esperança que ousara brotar dentro de mim. — Jamais levaria uma ratinha assustada como você comigo a qualquer lugar, criada!

Sinto meu corpo encolher-se sob o peso das palavras cruéis dela. Abraço-me como se isso pudesse oferecer algum consolo.

— Terminei de preparar nosso almoço; estamos com fome! — Isadora sentencia antes de se afastar, com Stacy seguindo logo atrás e lançando-me um sorriso debochado que parece perfurar minha alma. Volto minha atenção para frente e vejo Mackenzie me observar com um olhar desconfortável antes de seguir o caminho da mãe e da irmã.

Suspiro profundo, permitindo que o peso do dia se esvaia enquanto concluo meus afazeres. Aqueço uma sopa, cada ingrediente cuidadosamente selecionado, e sirvo os pratos com esmero. Por fim, sento-me à mesa e bebo a sopa, que, apesar de seu sabor reconfortante, não consegue dissipar a inquietação que me ronda. A paz que eu havia conquistado é abruptamente interrompida por um grito estridente de Isadora.

— Astrid! — sua voz ressoa por todo o recinto, como um eco de tempestade. Abraço meu corpo, buscando proteção enquanto corro em direção à mesa onde todos se reúnem para o almoço.

— Que lavagem é essa? — questiona ela, suas bochechas adquirindo a mesma tonalidade vibrante de seu cabelo ruivo. Olho para o lado em busca de um aliado, mas encontro apenas o sorriso sarcástico de Stacy e o silêncio impassível de Mackenzie, que observa a mãe com uma expressão indecifrável.

Isadora se aproxima com sua sopa fumegante e, sem qualquer aviso ou compaixão, despeja o conteúdo ardente sobre mim, atingindo em cheio a parte exposta do meu vestido. Uma dor aguda percorre meu braço; a raiva borbulha dentro de mim, mas opto pelo silêncio.

— Limpe isso, caiu sem querer! — ela pronuncia com um deboche cortante que fere mais do que o líquido quente. — Parece que tirei um pouco da sua beleza, afinal! — Um sorriso malicioso se espalha em seu rosto.

Sinto o peso do desprezo sobre meus ombros como uma capa pesada; aceito meu destino sem protestos.

Caminho em direção à cozinha, meus olhos se fixam na tigela de sopa repousando sobre uma mesa pequena, como um lembrete cruel do caos que se instalou. Respiro fundo, sentindo a tensão no ar, e busco um pano para limpar o chão agora ensopado. Ao retornar ao local do desastre, deparo-me com o piso coberto por um mar de sopa; as três figuras que antes estavam ali já desapareceram, como sombras que se esvaem na penumbra.

Com determinação silenciosa, pego o pano e me ajoelho no chão frio. A textura viscosa da sopa adere à minha pele enquanto me esforço para restaurar a ordem ao espaço. Cada movimento é uma batalha contra a exaustão que parece me consumir lentamente. As lágrimas começam a escorregar pelo meu rosto, quentes e salgadas, misturando-se com o sofrimento acumulado dentro de mim. Esse ciclo interminável de servidão e desgaste me faz questionar se algum dia haverá uma fuga desse labirinto opressivo.

O chão, agora reluzente sob a luz tênue da cozinha, reflete não apenas meu esforço, mas também o peso do cansaço que carreguei por tanto tempo. Uma sensação de desespero e resignação permeia meu ser, enquanto percebo que cada dia é apenas mais uma repetição.

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THE LAST ONEOnde histórias criam vida. Descubra agora