Morena

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4-Morena

Procuro o pacote de macarrão instantâneo que deixei escondido no armário e fico irritada ao perceber que sumiu. Com certeza foi a Natália que pegou.

— Cadê meu miojo de galinha? — grito, irritada.

Nati aparece na porta, espreguiçando-se. Seus cabelos loiros, presos em um coque que, com certeza, ela nem penteou, emolduram seu rosto. Os olhos azuis estão ainda mais evidentes e brilhantes por conta da maquiagem borrada. Mesmo parecendo uma bagunça ambulante, ela ainda é a mulher mais bonita que conheço. Pena que é perversa e come tudo que eu compro.

— Não comi.

— Sério? — faço uma careta, abrindo as mãos. — Então como sumiu?

— Sei lá. — Ela arrasta os pés pela cozinha, pega um copo e vai até o filtro para beber água.

— Eu tô atrasada, Nati. Preciso jantar algo rápido.

— Come uma barrinha de cereal, não dão no aeroporto?

Abro a boca, perplexa com o comentário.

— Só para quem embarca, não para quem trabalha no bar.

— Verdade, né.

Ela abre o armário acima da cabeça, onde guardamos as louças que amamos e que reservamos para uma ocasião especial que nunca chega, e tira meu pacote de miojo.

— Miserável! Você disse que não tinha pegado.

— Não, eu disse: não comi. É diferente. — Ela pega uma panela e a enche de água.

Queria ficar brava, mas é impossível. Nos conhecemos desde pequenas, e Nati sempre foi assim, avoada como um passarinho. Ao menos é o que gosta que pensem dela. A verdade é que ela é uma das pessoas mais inteligentes que conheço, além de linda de todas as formas.

Quando você a conhece, a primeira coisa que nota é o exterior: loira, olhos azuis, corpo curvilíneo. Isso chama atenção nos primeiros minutos. Depois, o jeito meigo, a risada sincera e as ideias únicas ganham vida, e a beleza exterior fica em segundo plano.

Minha família sempre foi desconstruída. Mamãe era costureira e meu pai, pedreiro. Tenho uma irmã mais nova. Eu tinha sete anos quando Alana nasceu. Lembro da mamãe grávida, tentando trabalhar em meio às crises de asma, que pioraram durante a gestação. Ela mal conseguia respirar. Eu morria de medo que ela acabasse sufocando, então ficava ao lado dela o máximo de tempo possível, fazendo tudo para poupá-la do esforço.

Depois que Alana nasceu, eu fazia ainda mais para que mamãe pudesse continuar a costurar. Cuidava do bebê e da casa. Minha infância só existia nos horários de aula, junto com a Nati.

Minha amiga me ajudava em tudo, principalmente na escola. Sem ela, provavelmente teria ficado para trás. Nati fazia resumos de tudo que aprendíamos e depois me explicava novamente. Ela também me poupava de fazer os trabalhos e, muitas vezes, fazia minhas lições de casa. Além disso, lia os livros e resumia tudo, sabendo que eu não tinha tempo nem disposição para ler. Ela era minha boia de salvação.

Meu pai era alcoólatra e dizia que beber era a única felicidade que tinha na vida. Saía cedo e voltava tarde. Quando ele entrava em casa, o inferno começava. Até hoje, quando ouço uma porta bater, meu coração dispara, não de susto, mas de pavor.

Não importava a hora que ele chegasse; sua comida tinha que estar quente no prato. Se, por qualquer motivo, isso não acontecesse, sobrava para nós, as mulheres da casa. "Vadias que não fazem bosta alguma" era sua frase preferida, sempre seguida de tapas, que na maioria das vezes acertavam a mamãe, já que ela sempre entrava na minha frente. Por sorte, ele não batia em Alana.

Quanto mais eu crescia, mais violento ele ficava. Me chamava de puta, biscate, prostituta, só por sair de casa e ir para o colégio. Ele vivia no ouvido da minha mãe, dizendo que, se eu queria "bater perna", pelo menos deveria "abrir as pernas" para trazer algo em troca.

No meu aniversário de 16 anos, mamãe me deu uma roupa nova e sandálias de salto. Fiquei extasiada; todas as meninas tinham salto, menos eu. Quando ele percebeu a caixa, a abriu e jogou o par de sandálias sobre nós. O salto pesado acertou meu rosto, fazendo um corte. Vi estrelas. Minha mãe entrou em pânico e correu para me acudir. Fui parar no hospital, onde levei dois pontos perto da sobrancelha direita. Mamãe mentiu, dizendo que eu tinha caído. Todos no hospital a pressionaram para contar a verdade.

Quando saímos de lá, perguntei por que ela tinha mentido. Aquela era a oportunidade de colocá-lo na cadeia. O olhar dela sobre mim foi vazio, duro e verdadeiro quando respondeu:
— Pessoas como nós precisam aprender a conviver com suas escolhas.

Ela tinha escolhido aquele homem, aquele casamento, aquela situação. E ia viver com isso.
— Mas e eu? E minha irmã? Nunca tivemos escolha! — respondi, chorando.

Mamãe não disse nada, apenas me abraçou e limpou meu rosto. Depois, me levou a uma cafeteria, comprou um bolo com coca e cantamos parabéns. Só nós duas. Pareceu loucura, mas aquele momento, só nós, seguras e longe de tudo, foi o melhor aniversário da minha vida.

(...)

Hoje tenho 23 anos. Nati trabalha em um aplicativo que desenvolveu junto com o ex-namorado, aparentemente bem rentável. Eu me formei em Publicidade, mas não exerço a profissão. Trabalho há anos no aeroporto internacional, agora no bar da primeira classe. Pode parecer loucura, mas é melhor ter um salário garantido. Pago minhas contas e ajudo Alana escondido.

Minha mãe faleceu um ano depois que saí de casa. Uma crise de asma a levou. Alana ficou sozinha com o demônio. Todos os dias, lembro do medo nos olhos da minha mãe quando ela me pediu para ajudar minha irmã. E é por isso que preciso de dinheiro. Alana tem 16 anos, está virando uma mulher. Cada segundo naquela casa é um perigo em potencial. Tenho que tirá-la de lá.

(...)

— Você vai pegar o turno noturno a semana toda? — Nati pergunta, passando-me uma cumbuca fumegante. O cheiro é horrível, mas o macarrão é delicioso.
Giro o garfo no macarrão, assoo e como de olhos fechados. Meu estômago parece aplaudir de tanta ansiedade para ser preenchido.
— Arãm — respondo, engolindo. — Preciso do dinheiro. Alana vai ter um passeio, preciso pagar até o dia 10.

(...)

O CEO Arrogante (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora