Prólogo

35 2 4
                                    

Tem pessoas que acreditam que o outro dia só chega após elas dormirem, e outras pessoas acreditam que após a meia noite já é um novo dia e tem pessoas que são ocupadas demais para pensar nisso.

Confesso que eu sempre acreditei que um novo dia só começava quando eu abria os meus olhos, não me importando se fui dormir com o dia já nascendo, o sol nascia de acordo com a minha vontade. Mas naquele momento, no dia doze de uma quinta-feira eu clamei e rezei para que passasse da meia noite o mais rápido possível para que eu deixasse de sentir aquela dor agonizante.

“Só mais um pouco, querida”, diz Plawan acariciando o meu cabelo, apenas soltei um grunhido como resposta e ele voltou para os preparativos na sala.

Era o meu primeiro filho, eu estava apavorada, quando soube que enfrentava uma gestação de risco me abdiquei de tudo e me concentrei apenas nele, sempre que podia ia ao médico, vivia em templos pedido por bênçãos, mas foi quando fui ao hospital há uma semana atrás e descobri que não tinha chances de Barcode ver a luz do dia nem mesmo se eu me sacrificasse no parto, é que eu entrei em desespero.

E é em momentos de desespero que não nos importamos quem está te ajudando, apenas o fato de estar sendo ajudado é o suficiente, e infelizmente ele não ajudou.

Quando o relógio marcou meia noite em ponto, Plawan me buscou no quarto e me guiou até a sala, me deitei sobre um chalé em meio a grande estrela de seis pontas desenhada no chão do nosso apartamento.

Era impossível não ter medo, só se sabe Deus o que poderia aparecer ali, mas quando Plawan - que sempre foi mais medroso que eu - me perguntou se eu estava com medo eu disse "não, é apenas o frio" porque um de nós precisávamos ser forte para dar continuidade com aquilo.

Plawan soltou um suspiro pesado e com as mãos trêmulas ele começou a acender as velas em minha volta.

“Tudo vai ficar bem”, ele me garantiu que mesmo sabendo que estávamos invocando um demônio, nada ficaria bem.

Forcei a minha mão não tremer quando a estendi para ele, com um pequeno corte na palma dela, ele preencheu uma vasilha com o nosso sangue.

Deixei minha mente vagar com a ilusão de uma vida bela com os meus dois meninos, eu e Barcode correndo em meio ao campo para levantarmos a sua pipa enquanto Plawan nos observa rindo, a vida dos sonhos e tudo o que precisávamos era que um demônio aceitasse a nossa alma e com sorte veremos o meu bebê completar sete anos.

Com a minha mente em um futuro fictício mal notei quando Plawan terminou de ler a invocação.

“Só isso?” Ele perguntou olhando em volta.

“Acho que você leu errado”, me viro e me sento.

Antes que Plawan dissesse um vento surgiu do mais completo nada apagando as velas, as janelas se abrem deixando a friagem que a madrugada traz entrar e nos rodear, a porta que até então era a única que permanecia fechada se abre revelando a sombra de um homem.

Vestindo um sobretudo preto que se arrasta pelo chão o rapaz se move como uma cobra, com passos lentos mas ágil ele se abaixa a minha frente e estende a mão para tocar meu ventre, sentindo o calor de sua mão eu recuo.

“Não há motivos para medo”, a vibração de sua voz faz com que todas as janelas se fechem e a luz se acenda assim nos permitindo ver o seu rosto... humano, “ afinal, eu fui convidado”, ele diz se erguendo e voltando a estender a mão para mim.

“Você é humano” Plawan diz me ajudando a me levantar e me manter atrás de si “o que quer conosco?!”

“Eu não quero e nem necessito nada de vocês”, o estranho avança um passo fazendo as pernas do meu marido tremer, “vocês me chamaram aqui, não chamaram?” Ele arqueia a sobrancelha fazendo as luzes se apagar novamente.

Com a pouca iluminação que a luz nos proporciona, consigo ver chifres e patas de bodes na sombra do estranho à nossa frente, e então me dou conta do que fiz. Invoquei um demônio em minha casa, estou grávida do meu filho como fui capaz de fazer algo assim.

“A criança está morta” o demônio diz, fazendo as luzes se acenderem e se aproxima, “não tem chances de você ter esse bebê, amanhã você irá ao hospital para mais uma tentativa de ganhar a criança, vai ser encaminhada para o quarto, vai achar que tudo vai dar certo, mas não vai. A criança vai nascer morta, você vai perder muito sangue vai ficar a beira da morte, Plawan vai culpá-la pelo resto da vida afirmando que o seu corpo foi fraco, mas na verdade essa criança nunca teve chances.”

Com o rosto encharcado empurrou Plawan para o lado e me esforço para dar alguns passos ficando a frente do demônio bonito.

“Por favor, salve o meu filho.”

“É claro, mas você entende como são os negócios, não é?” Ele diz sem me dar tempo de respondê-lo, “afinal seu pai é um agiota, você não aprende mesmo, não é?”

“O que você quer?” digo sentido às dores, “quer dinheiro? A minha alma? A nossa alma?!” Digo em desespero enquanto ele se diverte.

“Não, não quero nada disso” ele diz me guiando até o sofá, “sabe Flower, consigo vê-lo, Barcode correndo em um campo junto a você enquanto ele tenta subir uma pipa, Plawan não está distante” ele cobre meus ombros com meu chalé enquanto conta o meu sonho “ele está sorrindo vendo as duas pessoas mais importantes.”

“Por favor, salve meu filho.”

“Eu salvarei o pequeno Barcode e a melhor saúde para ele”, o demônio toca minha cabeça”, ele vai ter o seu sorriso e os olhos de sua mãe, a personalidade alegre e contagiante do pai de Plawan e tudo isso por um preço.”

“Qual? Plawan diz, “Já damos o nosso preço, as nossas almas.”

“Não, eu não estou salvando nenhuma das duas almas”, ele se levanta, “quero a alma do Barcode.”

“Não!”

“Tudo bem, não estou aqui para vender é vocês que estão interessados em comprar.”

“Não vou entregar a alma do meu filho para um demônio!” berra Plawan.

“Jeff, meu nome é Jeff”, Jeff caminha numa lentidão torturante até a porta, “dei o meu preço, vocês se recusaram, então, o seu pequeno Barcode nascerá, deixarei vocês ter a breve ilusão que conseguiram salvá-lo e no seu terceiro dia de vida, eu mesmo venho buscá-lo.”

“Não!” Me jogo no chão, “não posso lhe entregar a alma do meu filho, você pode pegá-la a hora que quiser.”

“Ah, é de tempo que vocês estão falando” ele diz caminhando em minha direção, “saia do chão, não precisamos de drama, darei dezoito anos ao Barcode e virei buscá-lo, nessa mesma casa, nesse mesmo dia e nessa mesma hora, não tente escondê-lo que prometo que vou deixá-lo viver.”

“Como posso confiar em um demônio?” Diz Plawan.

“É Jeff!” Diz ele fazendo as luzes estourarem, “não dou nada para ninguém, estou fazendo uma troca cumpra com a sua parte que eu cumprirei com a minha.”

“Fechado”, digo antes que Plawan o irrite ainda mais.

As portas e as janelas se abrem e os olhos negros e puxados de Jeff ganham o tom de sangue e o seu sorriso cresce, uma imagem que eu jamais esquecerei.

Sinto algo tocar em meu útero antes das portas baterem e Jeff desaparecer.

“O que você fez?!” Grita Plawan.

“Barcode vai nascer!” Digo após sentir que a bolsa estourou, “preciso ir pro hospital.

Não deixarei que o Jeff toque em um fio sequer do meu pequeno Girassol, vou fugir e me esconder onde ele jamais me achará.

Me and the Devil Onde histórias criam vida. Descubra agora