Velha Escola

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Fomos de penetra tentar nos apresentar na nossa antiga escola, embora não estudássemos mais, eu e Lu conhecíamos o porteiro de vista e alguns dos organizadores que eram nossos colegas de anos atrás, logo seria fácil entrarmos e fazer nossa música acontecer lá dentro e assim agitar esta de juventude que estava indo pro caminho do comodismo e da mentira.     Haveria uma festa para comemorar o orgulho que tinha da pátria, e alguns alunos iriam se apresentar, mostrar suas músicas e o amor à nação, e a gente, como intrusos, também.

   Na portaria, não foi difícil de passar, porque o porteiro não dava a mínima para quem entrasse ou quem saísse. O que importava para ele era somente o rosto ser conhecido e nada mais o interessava, e ele já conhecia nossos rostos. Essa foi fácil.

     Dentro da escola, toda estrutura era a mesma de dois anos antes, que foi o último ano em que eu e Lu estudamos lá. As paredes com a mesma pintura e pichações, algumas portas de salas sem trancas ou mesmo sem portas, muitas carteiras quebradas em algumas salas, e os banheiros imundos como sempre. Este era o reflexo do investimento pesado que o governo prometeu que iria fazer naquela escola.

    Fomos direto ao organizador do evento, que não era nosso colega de anos atrás e não nos conhecia, porém demos um jeito. A primeira coisa que ele perguntou quando nos viu foi se estudávamos lá mesmo, e nos perguntou porque nunca nos viu antes. Dissemos a ele que éramos repetentes e que gostávamos de gazear aula, por isso quase nunca, ou nunca ele nos viu. Meio desconfiado, ele hesitou por um instante, mas aceitou e disse como queria que nos chamassem, não tínhamos nenhum nome em mente, só pedimos que ele nos apresentasse como Os Repetentes. A gente seria a quarta “banda’’ a se apresentar.

    O pátio da escola, ou melhor, o auditório estava cheio de alunos ansiosos para ver as apresentações que iriam rolar. Eu também estava ansioso para ver que tipo de letra estes garotos iriam passar para o público. Algumas pessoas quando nos via, estranhavam nossos rostos maduros.

   As apresentações começaram com o diretor da escola, o mesmo de dois anos antes, discursando sobre a importância de amarmos a pátria, o respeito mútuo e de como nosso país era querido e mais outras coisas. Quando ele acabou, foi vaiado.

   Então um dos organizadores do show, o garoto que nos inscreveu no evento, disse que cada apresentação teria duração de 10 minutos. A primeira banda a ser chamada não foi bem uma banda, mas um grupo de dança. A apresentação deles foi regada por danças eróticas com o público indo à loucura, um rebola rebola sem fim, algumas garotas que se encontravam na plateia ficaram polvorosas e correram para abraçar os garotos que só sabiam mexer os quadris, parecia que os cérebros daqueles jovens estavam na bunda. Eu e Lu já não estávamos mais aguentando ver aquela palhaçada, mas tudo bem, ossos do ofício.

   O segundo grupo entrou, foram umas seis pessoas. Aí eu pensei que iria sair alguma coisa boa, mas quando o que cantava falou “Vem, novinha, senta na do papai’’ e ainda “Chupa que tá bom’’, já sabia que iria ser uma porcaria, e realmente esse grupo não frustrou as minhas expectativas. Eles dançavam e cantavam letras puramente pornográficas. O público foi à loucura mais uma vez com aquilo que era para ser uma festa da pátria. Eu até comentei com Lu que deveria haver algum critério de letras, porque, pelo menos, até aquele momento, não parecia que eu estava em uma escola que organizou uma festa para que os alunos pudessem expressar o amor à pátria. Aquilo se assemelhava mais a alguma festa bizarra de temas puramente pornográficos.

     O terceiro grupo a cantar foi na verdade dois jovens, um com um violão e o outro só na voz. Os garotos usavam calças apertadas, camisas xadrez bem justas e botas, os cowboys de meia tigela. Eles colocaram o público para vibrar com algumas notas repetitivas no violão e o que cantava pedia palmas que logo foram atendidas. Mas quando falou “Vamos encher os nossos corações de magia, venha, meu mozinho!'', puta que pariu, que merda! O público formado por sua maioria de menininhas apaixonadas que acreditam em príncipes encantados foi à loucura. Eles pediam mais palmas e algumas garotas no ápice gritavam e choravam histericamente. O show de horrores passou dos 10 minutos estabelecidos pela organização, porém deixaram os garotos darem o falso amor que tinham em suas letras para aquelas garotas.

     É, na festa da pátria teve de tudo, menos o amor à pátria, pelos menos até aquele momento que eu já estava prestes a explodir com aquela juventude que só absorvia besteiras enlatadas de ‘’Amor, letras de duplo sentido, e pornografia explícita’’. Quando a apresentação dos merdinhas estava prestes a terminar, o organizador veio até a gente e perguntou quais instrumentos iríamos usar, já havia uma bateria no centro do palco para Lu, e eu estava de posse da minha guitarra, então não precisaríamos de nada. Bom, era para ele ter perguntado aquilo quando nos inscrevemos para o evento, mas tudo bem.

      Depois de gritos compulsivos, choradeiras melosas e pornografia explícita, o organizador foi até o microfone e disse que Os Repetentes iriam se apresentar. Não houve gritos, muito menos aplausos, o que eu via era um mar de rostos sem expressão e alguns professores nos olhavam desconfiados com aquela cara ‘’Eu já vi esse garotos antes’’.

Então apresentamos a música Mil Anos.

♫ Dormimos por mais de mil anos 

não tenho lembranças desse tempo que passou

 foi por mera distração que nossa paz ele levou.

Agora não temos tempo a perder

Vamos nos rebelar para alguma coisa acontecer.

As guitarras morreram, o sonho acabou 

foi por nossa apatia que a ignorância chegou.

Escute nosso chamado

Há mil anos que a mentira é nosso fato. 

Acorda, eles estão pagando para ver. 

Acorda, não deixe a hipocrisia te vencer. 

Acorda, não seja mais um inútil imoral.

Acorda, eles mentem há mil anos pra você.

Não dormiremos por mais de mil anos dessa vez 

Vamos dar em dobro o mal que ele nos fez

acordaremos desse pesadelo só por um instantes 

E falaremos as verdades que ninguém nunca disse antes

Quer mesmo saber o que é liberdade?

Não vamos dormir por mais de mil anos dessa vez 

Vamos à guerra dar em dobro o mal que ele nos fez

Agora não temos mais tempo a perder,

Vamos nos rebelar para alguma coisa acontecer 

porque as guitarras morreram, 

o sonho acabou foi por nossa apatia que a ignorância chegou. 

Escute nosso chamado pela última vez.

Acorda, eles estão pagando para ver .

Acorda, não deixe a hipocrisia te vencer. 

Acorda, não seja mais um inútil imoral. 

Acorda, eles mentem há mil anos pra você. ♫ 

   Quando acabamos essa canção que era rápida e não tinha nada de romântico ou sexual, muitos daqueles garotos me olhavam de uma forma mais ou menos assim: “Por que eles estão cantando isso pra gente? Quem são eles?” Recebemos poucos aplausos, e se recebemos era de forma tímida. Íamos para a próxima música, mas o diretor entrou em cena, pegou o microfone e disse que tínhamos que sair. Saímos de lá sem aplausos e muito menos gritos de meninas apaixonadas.

   O diretor nos levou até a saída e foi direto, claro, curto e grosso, perguntou porque estávamos lá já que não fazíamos mais parte do corpo discente daquela escola. Eu disse que nós só queríamos apresentar nossas músicas e abrir a mente daqueles jovens, por isso entramos de forma ousada no evento. Porém o diretor não quis saber. Nos ameaçou dizendo que se pegasse um de nós dois dentro do recinto, iria chamar a polícia.

     Saímos de alma lavada, pois era aquilo que queríamos fazer, sermos os estraga-prazeres de festas cujas músicas não expressam nada como essas que tocaram na nossa antiga escola. O nosso objetivo era colocar uma semente na cabeça daqueles garotos. Não sei se conseguimos colocar, mas quebramos o ritmo daquela festa pornográfica de amor à nação.

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