Tentando Sair do Comodismo

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Tentei arranjar um show para eu e meu companheiro de banda a fim de entrarmos de vez nessa maré de merda que se chama - Música atual - mas, infelizmente, em nossa primeira empreitada, o responsável pelo evento - Música Para Todos - que ocorre anualmente na Ilha, municipal vizinho, ao ver a música que  lhe entreguei, disse-me “Não queremos esse tipo de música tocando aqui, pode gerar bagunça. Esse festival é de alegria e paz. É uma festa para a família. E vamos ser francos, esse tipo de canção não é boa para a imagem do prefeito e dos organizadores do festival”. Dei meia volta e saí sem olhar para trás. Mas o desgraçado esqueceu que no último evento que houve, deixaram tocar uma banda cujas letras falavam de um cara que queria ‘’Enfiar tudo nela’’ e a mesma banda cantou logo em seguida “Deixe ela chupar que tá bom’’, isso sim é para a família? Mas a minha música que diz ‘’Sempre perto da eleição é a mesma desilusão, todos se achando politizados com ideias formadas querendo mudar a nação’’, exatamente assim, essa é uma letra que difama a família e é inadequada, no parecer do organizador.
         Como não fomos aceitos para tocar no festival - Música Para Todos, menos para gente
- na Ilha, resolvemos levar os nossos instrumentos e ficarmos próximos à festa, exatamente a alguns quarteirões. Pensávamos em simplesmente atrair transeuntes para ouvir nosso som. Arrumamos a pequena aparelhagem (uma guitarra, um amplificador, um bumbo da bateria, uma pequena caixa da bateria, e um chimbal simples) numa praça e começamos a tocar. Eu na guitarra e vocal e Lu na pequena bateria. As pessoas que passavam para ir ao festival se deparavam com dois malucos tocando em uma praça abandonada, a curiosidade falava alto e assim começou a aglomeração do público. Conseguimos cantar duas músicas, porém a polícia chegou e disse que não poderíamos ficar ali fazendo barulho para não incomodar a vizinhança, mas não havia casas por perto, porque ali era uma área comercial e era domingo. Tentamos argumentar, porém foi inútil, pois a justificativa era que não poderia haver aglomeração de pessoas naquela praça. Então, como eu e Lu somos pacíficos, resolvemos ir para outra praça mais perto ainda do evento. Na verdade, quase ao lado. Aglomerou muito mais gente para ver nossa performance dessa vez. Conseguimos cantar as músicas Acomodados e Ilusão. Pela expressão no rosto das pessoas, deu pra perceber que muita gente ficou tipo “Uau! Que merda, como nunca pensei nisso? Esses caras estão falando a verdade.” ou “Quem são esses babacas?’’. Fiquei empolgado em ver tantas pessoas vibrando com o nosso som que era simples, mas puramente realista, porém a polícia deu as caras novamente e eram os mesmo policiais. Então, dessa vez, não foram tão amistosos como da outra. Já chegaram “Vocês de novo?” eu e Lu não respondemos, mas ele continuou “Levem essas porcarias daqui, e todo mundo circulando’’ foi assim que ele mandou todo nosso primeiro público - que não era muito - ir embora. E antes dos agentes da lei saírem, deram-nos uma dura e fizeram algumas perguntas: ‘’Não quero ver vocês nessa cidade, se eu os ver fazendo bagunça novamente, perderão tudo. Estão entendidos?’’ dissemos que sim e baixamos as nossas cabeças. Eles esperaram a gente colocar todos os equipamentos dentro do meu carro velho para ter a certeza de que iríamos embora. Quando eu estava prestes a sair, um dos policiais me perguntou: “Por que não participam do festival? É melhor do que ficar fazendo baderna em praças públicas’’, eu resolvi responder: “Nós até tentamos nos escrever, mas a organização nos informou que nossa música era inapropriada para tal evento’’ e a autoridade disse “Pelo que vejo, vocês cantam música punk. Não vejo nada de inapropriado nisso, meu jovem’’. Eu não respondi, mas sabia que minha música não era punk, parecia, mas não era. Visto que, para eu e Lu, o punk já tinha morrido há séculos. E a única certeza que tínhamos era que tocamos rock ou alguma coisa parecida.
        Dentro do carro, já com todos os nossos instrumentos desorganizados no banco traseiro e porta-malas, no caminho, pelas ruas, vi que muitas pessoas estavam felizes por estarem em um festival que só tocavam músicas do tipo “Sente aqui que é bom” ou “Leite condensado no umbigo’’, nada de construtivo e inteligente, só havia asneiras e novamente o velho apelo sexual, mas para a organização do festival aquilo era para a família.
   E também não posso esquecer que havia muitos carros de som em volta da festa, com muitas pessoas ao redor dos mesmos, rebolando e dançando de forma erotizada, uma bagunça generalizada, sem contar que a maioria eram crianças sexualizadas. Porém, para os agentes da lei, éramos nós que estávamos fazendo baderna e atrapalhando a civilização de ir e vir. Para piorar, percebi através do retrovisor que os tiras estavam nos seguindo. Seguiram-nos até a ponte que sai da cidade. Só a gente saindo da ilha e um trânsito infernal para entrar por causa do festival que nos rejeitou.
     Pensei seriamente em desistir de fazer música, porém, cada vez que escutava, em qualquer lugar que fosse, letras degradantes e ridículas feitas por esses cantores filhos-de-uma-vaca-arrombada que dizem falar de “amor’’, mas falam putaria e fazem sucesso cantando isso para menininhas apaixonadas, resolvi continuar e ir contra a maré de bosta que estava impregnada nos ouvidos do povo. Meu amigo Lu estava comigo e assim eu teria a força necessária para continuar. E foi o que fizemos.

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